A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM GEOGRAFIA

 

Lana de Souza Cavalcanti – Geografia/UFG

novembro/2003

              Pretendo desenvolver o tema da formação profissional em Geografia a partir de três pontos básicos. Em primeiro lugar, destaco alguns desafios/tarefas que estão postos para o profissional no contexto da realidade brasileira atual. Em segundo lugar, colocarei algumas questões sobre as necessidades e possibilidades de a Universidade formar esse profissional, com esses desafios/tarefas, nos cursos de graduação em Geografia. E, finalmente, vou fazer reflexões sobre o papel da Universidade na formação do profissional que está já exercendo sua profissão, ou seja, o profissional em serviço.

1-      Desafios e princípios atuais da formação profissional

            Não é objetivo dessa exposição fazer uma análise aprofundada do contexto da profissionalização na realidade brasileira atual, no entanto, alguns elementos podem ser destacados para caracterizá-lo, elementos esses que são facilmente identificados em nosso dia a dia de professores e alunos universitários: há hoje uma cultura de reformas nas instituições de formação profissional universitária que visam garantir à formação: qualidade, eficiência, eficácia, produtividade, flexibilidade; maior vinculação ao mercado (ou aos mercados), às empresas. Todos esses componentes fazem parte de uma proposta de formação profissional que se diz necessária para um mundo em transformação veloz, que se caracteriza pela desenvolvimento da microeletrônica, da informática, da química e da genética, como padrão tecnológico para a superação da crise de um modelo de acumulação capitalista (com isso tem-se a emergência do ideário neoliberal e uma nova ordem econômica mundial). Nesse novo momento, então, a ciência, a tecnologia e a informação tornam-se forças produtivas fundamentais para o capital. Nesse contexto, as reformas da Educação Superior brasileira devem ser compreendidas enquanto um processo de modernização, da racionalização com viés administrativo e econômico[1].

            Nesse sentido, poderíamos afirmar que as diretrizes atuais para orientar a formação profissional estão atreladas às orientações mais gerais da política econômica global e brasileira. No entanto, esse processo de reformulação contém contradições, entre as quais estão as referentes à própria crise na produção científica que tem hoje apontado para a necessidade de novos paradigmas dessa produção. Como se sabe, a ciência promoveu e tem promovido avanços imensos no desenvolvimento da realidade como um todo, sobretudo no desenvolvimento da capacidade de relação prática entre o homem e a natureza, resultando em elevado nível de domínio do primeiro sobre o segundo e em grande desenvolvimento técnico. Porém, já no início do século XX, esse conhecimento dava seus sinais de crise e de limites. A crise do conhecimento científico foi se acentuando de forma a tomar bastante consistência nos últimos anos, na última década, considerando-se que, em paradoxo, foram também se acentuando o desenvolvimento científico e tecnológico.

Dessa crise, da consciência dos limites de uma ciência que se tornou hiperespecializada, fragmentada e prágmática, surgem propostas de um novo paradigma da ciência. Santos (2000) fala em Paradigma emergente, Morin (2000) fala em Pensamento Complexo, em Paradigma da Complexidade. Além desse aspecto da crise da ciência que tem ligação direta com o conteúdo da formação dos diferentes profissionais em nível superior, há mudanças em todas as esferas da vida social contemporânea que repercutem na formação, que levam a pensar em necessidades de reformulação dessa formação. Trata-se da consolidação de uma sociedade complexa, globalizada, que acentua aspectos do conhecimento, da informática, da mídia, das imagens em sua dinâmica. É, assim, demanda da sociedade, e não só do mercado, um profissional competente, com atuação/inserção efetiva na sociedade e no mercado, com maior nível de escolarização, utilizando tecnologias de informação, trabalhando em equipe, em redes, dominando o conhecimento contemporâneo do forma integradora e produzindo novos conhecimentos, resolvendo problemas e propondo soluções inovadoras, com compromisso ético na sua profissão e na sociedade.

Tem-se hoje consciência de que a formação em nível de graduação é apenas uma formação inicial e tem uma importância delimitada no conjunto de sua profissionalização.  Por isso mesmo, é importante que a Universidade invista em realizar propostas que resulte numa experiência mais significativa para o aluno universitário do ponto de vista de sua formação integral, formação intelectual, formação ética, formação emocional, formação social. Trata-se de considerar o papel da escola e das aulas de determinadas matérias num contexto social de mudança, que indica novos conteúdos, que reafirma outros, que questiona métodos convencionais, que reclama por métodos novos. Em outras palavras, todos nós, formadores de profissionais, devemos investir no sentido de tornar a experiência universitária mais significativa do ponto de vista profissional, o que requer construção de projetos pedagógico-currculares que ultrapassem a preocupação pura e simples com a grande curricular, promovendo no processo dessa construção a reflexão sobre o conjunto dessa formação, com base em questões como: o que temos? O que queremos? Como realizar o que queremos? Como avaliar se estamos realizando o que queremos e o que propomos? (Libâneo, 2003).

Uma das primeiras tarefas da construção de PPP é a realização de diagnósticos de nossos cursos, de nossas práticas. Um quadro síntese de diagnóstico de cursos de avaliação no país, pode servir de exemplo para nos situar:

 

Dificuldades e Sugestões para a melhoria de Cursos de Graduação, UFRGS, PA, 1995

Tema

Dificuldades

Sugestões

Currículo

·        Falta de integração com o meio industrial

·        Ensino não tem acompanhado a evolução tecnológica (recursos computacionais

·        Desprestígio dos cursos de licenciatura

·        Carência de aulas práticas. Curso é muito teórico

·        Faltam aulas à noite

·        Desatualização curricular, principalmente em cursos sem PG

·        Currículos voltados para o hoje, não para o amanhã

·        Fragmentação dos conteúdos

·        Falta de articulação entre as disciplinas

·        Vagas insuficientes

·        Alto índice de reprovação (repetentes ocupam vagas na matrícula)

·        Dificuldade em estabelecer uma ponte entre o segundo e o terceiro graus

·        Falta de ação departamental diante das avaliações das disciplinas

·        Implantação do curso noturno para atender ao aluno-trabalhador

·        Fortalecer interações com a empresa

·        Atualizar o currículo para a sociedade e para o mercado de trabalho

·        Utilização de multimeios como importante instrumento de ensino

·        Estimular o uso de demonstrações em classe

·        Aulas práticas

·        Modernizar aulas práticas e ter um coordenador de aulas práticas e demonstrativas

·        Aproximar a pesquisa da estrutura curricular

·        Aumentar vagas por semestre

·        Enxugar e atualizar os conteúdos das disciplinas

·        Reduzir a carga das disciplinas obrigatórias e aumentar as opcionais

·        Flexibilizar o currículo do Bacharelado

·        Revitalizar os cursos de licenciatura

Fonte: Extrato do Relatório de avaliação interna dos cursos de graduação da UFRGS. Porto Alegre, Núcleos de Avaliação das Unidades – NAUs, 1995/6. MOROSINI, Marília C. e LEITE, Denise B. C. 1997.

   

            Como se vê nessa avaliação de cursos da UFRGS, que destaca a separação conteúdo científico e conteúdo da prática, a passividade acadêmica, a visão de conteúdos inquestionáveis, o aprendizado individual, a avaliação de decoreba, aponta para necessidades de mudanças. Tenho insistido que um projeto de formação profissional, que busque alterar esse quadro, deve se pautar por alguns princípios, que desenvolverei a seguir.

 

            Princípios da formação profissional:

            Indissociabilidade entre ensino e pesquisa

 

            Antes de mais nada é preciso defender ainda a idéia de que a Universidade é o lugar de formar cidadãos e profissionais e de realizar pesquisas. Nesse sentido, reafirma-se sua indissociabilidade nos projetos pedagógicos gerais das Instituições de Ensino Superior

            Além disso, esse é um princípio que deve orientar a proposta de diferentes cursos de graduação, entre os quais o de Geografia, em suas diferentes modalidades. A idéia básica desse princípio não é a de formar pesquisadores no sentido estrito, embora esse objetivo esteja aí incluído, mas é a de considerar o ensino como processo de construção de conhecimento pelo aluno, dando ênfase às atividades que possibilitem essa construção, passando de uma visão de ensino como mera reprodução da matéria para o ensino como ajuda pedagógica aos alunos, para que aprendam a pensar com autonomia e a construir novas e mais ricas compreensões do mundo, O trabalho docente orientado por esse princípio exige do professor um novo paradigma do ensinar e do aprender; exige considerar a formação como lugar para a dúvida, para a análise, lugar da problematização do conhecimento.

            Esse entendimento leva, pois, a postular a necessidade de se articular ensino com pesquisa (que é construção de conhecimento). Está subjacente nessa discussão a idéia de que a pesquisa pode ser vista como procedimento de ensino, como atitude no ensino, como princípio educativo, como princípio cognitivo. Trata-se de uma atitude de indagação sistemática e planejada, uma autocrítica, um questionamento crítico constante.

 

            Integração teoria e prática

 

            Esse princípio diz respeito à necessidade de articular o saber acadêmico, trabalhado nas diferentes disciplinas, com as práticas sociais, articular o saber geográfico, com sua significação social. Isso implica em que os agentes envolvidos devem estar durante toda a formação voltados para a necessidade e as possibilidades de se utilizar aquele conhecimento construído. Trata-se, então, de buscar o envolvimento do aluno com os conteúdos e com a compreensão de que esse conteúdo não é apenas um tema formal de escola, mas é um tema que tem ligação com seu cotidiano, com sua vida cotidiana.

 

            Interdisciplinaridade

 

            A interdisciplinaridade é hoje um princípio  importante para os processos formativos em geral, e se impõe como respostas aos limites da formação fundamentada em saberes mecanicamente parcelados, que dificultam a compreensão e explicação da realidade em sua complexidade.

            Esse princípio implica banir de nossas práticas de ensino o trabalho com conteúdos fragmentados e mecanicamente justapostos. Há muitas maneiras de trabalhar seguindo esse princípio, mas, de qualquer forma, pressupõe o diálogo entre os alunos e o professor, a consideração de que o objeto estudado é interdisciplinar, e possibilita uma integração efetiva entre disciplinas, possibilita o tratamento transversal de certos temas de ensino.

 

O interculturalismo

 

            É um princípio político-pedagógico que defende uma prática na sala de aula e no espaço da Universidade voltada para a formação de cidadãos democráticos, entendendo democracia ligada à idéia de igualdade e de convivência com as diferenças, de respeito à diversidade e às identidades culturais.

            O desafio para os professores é o de desenvolver atividades em sala de aula considerando a escola como um lugar de cultura, de encontro de culturas. A escola lida com a cultura, no interior da sala de aula e nos outros espaços escolares. De acordo com Forquin (1993), na escola lidamos basicamente com três tipos de culturas, a cultura escolar, a cultura da escola e a cultura dos alunos. A cultura escolar, que é uma seleção do repertório cultural da humanidade, a cultura da escola, que são os ritmos, a linguagem, as práticas, os comportamentos desenvolvidos no cotidiano da escola e a cultura dos alunos e professores, que é o conjunto de saberes construídos pelos agentes do processo escolar em sua experiência cotidiana, fora da escola.

 

            O trabalho com as tecnologias da informação e da comunicação

 

            Um outro princípio é o de considerar a formação em uma sociedade plena de tecnologia. O mundo de hoje é um mundo de grandes avanços tecnológicos, sobretudo nas áreas de comunicação e informação. O aluno é um sujeito permanentemente estimulado pelos artefatos tecnológicos: TV, vídeo, games, computador, Internet. Ainda que ele não seja dono de uma série desses artefatos, esse mundo “entra” em sua cabeça pela TV, ditando os ritmos e os movimentos da sociedade atual, os padrões e valores da vida, linguagens e leituras de mundo.

            Enquanto isso, grande parte de nossas Universidades e cursos superiores permanece muito pobre em recursos didáticos, muito distantes das inovações tecnológicas. Mesmo que seja assim, o professor não pode mais realizar seu trabalho em sala de aula sem levar em conta esse mundo, porque esse é o mundo dos alunos, essa é a sua linguagem.

            É preciso que os professores entrem em sintonia com as novas tecnologias em função de sua potencialidade para levar o aluno a perceber, por exemplo, a geografia no cotidiano, para fazer a ponte entre o conhecimento cotidiano e o científico, para problematizar o saber acadêmico e partir de outras linguagens e de outras formas de expressão.

            Alguns estudiosos têm tratado dessa questão ressaltando a necessidade de articular a linguagem da escola com a linguagem das mídias (ou articular a cultura da escola com a cultura das mídias) e de dialogar com essas diferentes culturas, ajudando o aluno a processar melhor a linguagem das mídias, cheia de informações fragmentadas e superficialmente produzidas.

            É preciso que os professores se conscientizem da necessidade de incluir as mídias na sala de aula como conteúdo, que se apresentam, pedagogicamente, sob três formas: como conteúdo escolar, isto é, como portadoras de informação, de idéias, de emoções, valores; como competências e atitudes profissionais e como recursos tecnológicos para o ensino e aprendizagem.

 

2-     A formação do profissional em Geografia

 

Como formar profissionais em Geografia para essa realidade? Como prepará-lo com base nesses princípios?

Para enfrentar os desafios postos atualmente para a atuação profissional do geógrafo é necessária uma formação profissional consistente. Essa formação é a que propicia ao profissional segurança e competência para tratar os temas disciplinares, para analisar a sociedade contemporânea, suas contradições, suas transformações e propor intervenções; para compreender o processo histórico de construção do conhecimento, seus avanços, seus limites; e sensibilidade para compreender o mundo atual, suas demandas, seus dilemas, sua subjetividade, suas linguagens.

A adoção de princípios de formação profissional, como os que foram elencados, levam à eliminação de propostas de organização curricular que separem disciplinas de conteúdos tidos como básicos e aquelas mais voltadas para uma prática profissional, seja ela de bacharel ou de licenciado (3+1). A questão é, como viabilizar uma formação que elimine essa forma, que não reforce a separação dicotômica entre as modalidades de atuação profissional? Como fazer isso, por exemplo, com essa exigência legal de que o aluno já defina na entrada a modalidade de sua escolha? Como, por outro lado, potencializar as chances de integração teoria/prática a partir da exigência de 800 horas de prática, que pressupõe experimentar diferentes modalidades de prática?

            Há hoje uma série de definições políticas referentes à da formação específicas de professores[2]. A par das críticas que se podem fazer a elas, há um amadurecimento teórico sobre a prática profissional do professor, sobre seus limites e possibilidades diante da realidade contemporânea e propostas de formação. Porém, percebe-se uma certa prioridade no debate sobre formação de professores de 1ª fase do ensino fundamental, formados nos cursos de Pedagogia.

            Além disso, pelo que se sabe, alguns institutos que formam profissionais para atuarem no ensino de Geografia, trabalham de fato com a perspectiva de formação do profissional pesquisador, planejador (bacharel). Trabalham com uma racionalidade técnica, na qual, o professor, o planejador, o pesquisador, são técnicos que aplicam na prática rigorosamente os conhecimentos científicos assimilados em sua formação. Esse modelo de racionalidade tem como características a separação entre teoria e prática na preparação profissional, a prioridade à formação teórica em detrimento da formação prática e a concepção da prática como mero espaço de aplicação de conhecimentos teóricos, sem um estatuto epistemológico próprio.

Como fazer para efetivar mudanças desse quadro? Sabemos que apenas por leis, regulamentos esse quadro não se altera. Como, então, investir mais sistematicamente na construção de um projeto pedagógico-curricular de formação que cumpra a exigência de integrar teoria e prática?

Os cursos universitários precisam assumir a formação profissional em Geografia, em todas as modalidades, desde o início do curso, não admitindo mais soluções simplistas de reforma de grade curricular, de acréscimo de conteúdo. No meu entender, é preciso superar uma visão muito comum entre nós, professores formadores, de que o domínio de conteúdo da Geografia é a base da formação profissional. A atuação profissional conforme está sendo aqui discutida exige uma formação que dê conta da construção e reconstrução dos conhecimentos fundamentais e de seu significado social. Não basta, assim, ao professor de Geografia ter domínio da matéria, é necessário tomar posições sobre as finalidades sociais da matéria escolar numa determinada proposta de trabalho, é preciso que o professor saiba pensar criticamente a realidade social e que se coloque como sujeito transformador dessa realidade. Da mesma forma, não basta a um bacharel em Geografia o domínio do conteúdo e de métodos e técnicas da pesquisa e do planejamento, da análise geoambiental, do sensoriamento remoto. É necessário que ele tenha uma convicção de qual é o papel que sua atividade profissional desempenha diante de um projeto de sociedade em construção. É preciso que ele tenha condições de refletir com fundamento sobre princípios éticos e projetos político-sociais ligados à sua intervenção na realidade, seja na pesquisa seja no planejamento, ou outra modalidade de atuação. Esse princípio deve orientar propostas de disciplinas que dizem respeito à profissionalização do geógrafo, com aspectos legais, políticos, éticos, técnicos com disciplinas do tipo: Políticas Educacionais e Geografia, Geografia e Sociedade, Profissão do Geógrafo e seus aspectos legais, Prática de campo. Mas, mais que isso, ao longo da formação é preciso que os conteúdos sejam trabalhado com sentido pedagógico, ou seja, com reflexão de suas finalidades éticas, políticas, sociais, para permitir ao profissional atuar propositivamente na busca de soluções políticas, pedagógicas e técnicas para questões colocadas pela sociedade (Provão , 2003).

No que diz respeito ao princípio da indissociabilidade ensino e pesquisa na formação em Geografia, destaca-se que, atualmente, o perfil exigido para o profissional dessa área diz respeito não ao domínio de conteúdo, ou à reprodução do mesmo, mas à capacidade que tem o profissional de, com base em um quadro de referência teórico-metodológico, produzir análises, conhecimentos sobre a realidade do ponto de vista da espacialidade. Trata-se de um profissional apto para acompanhar as inovações teóricas, metodológicas e tecnológicas para o avanço da pesquisa e do ensino em Geografia e de investigar e analisar a realidade do ponto de vista espacial, no que diz respeito aos elementos e processos concernentes ao meio natural e ao construído (perfil do profissional definido no Provão/2003). Esse princípio serve tanto para o professor quanto para o técnico, planejador. E na estrutura curricular é possível pensar em atividades de pesquisa, nas diferentes modalidades, ao longo do curso, como disciplinas (Teoria e  método em Geografia, Iniciação à pesquisa, Prática de Pesquisa), mas o mais importante é pensar que essa articulação deve ser feita no interior de cada disciplina, ao estimular a atitude investigativa dos alunos, a sua capacidade de problematização dos temas abordados, ao oferecer informações sobre o processo de produção de conhecimentos desses temas, incluindo aí as possibilidades metodológicas dentro da Geografia.

Quanto ao princípio da interdisciplinaridade: é preciso formar o profissional para estar apto para explicar e socializar conhecimentos sobre o espaço geográfico  e atuar interdisciplinarmente e em equipes multiprofissionais. (Provão de Geografia, 2003). Nesse sentido, é recomendável que o aluno experimente práticas de integração de disciplinas em sua formação, que participe de projetos temáticos que vá permitindo que faça sínteses parciais com base em conteúdos já trabalhados. Mas, outra vez, não é apenas uma questão formal de incluir disciplinas ou atividades complementares (Seminários Temáticos, atividades extra-curriculares), mas de um exercício permanente de buscar compreender a especificidade e a parcialidade das análises geográficas. Afinal, o objeto de estudo, a realidade é que é interdisciplinar, não sendo apreendida por uma determinada disciplina (mesmo que seja a dita ciência de síntese). É preciso então desenvolver capacidade de explicar com clareza, aos seus colegas de outras áreas e à sociedade como um todo, os conhecimentos geográficos produzidos, numa linguagem competente e adequada do ponto de vista geográfico (usando as representações gráficas mais atuais, por exemplo, com bom uso dos recursos da informática e da mídia, da língua portuguesa – que estão discutidos no princípio da consideração das tecnologias da informação e da comunicação).

            Do ponto de vista do interculturalismo como princípio da formação do geógrafo, acredito ser importante destacar a necessidade de o profissional saber reconhecer a diversidade da experiência humana e seu resultado na produção dos espaços geográficos, locais e globais. Sabe-se que há uma tendência de homogeneizar, por um lado, essa experiência, no sentido da globalização. No entanto, um competente profissional da Geografia deve ter sensibilidade para reconhecer as diferentes escalas de ocorrência e manifestação dos fatos, fenômenos e eventos geográficos, (DCNs de Geografia), compreensão da realidade na perspectiva de diferentes escalas espaciais e temporais de análises geográficas (provão, 2003) reconhecendo as diferenças entre as manifestações de ordem global e as de ordem local, esta como forma de manifestação, de resistência; reconhecendo a diversidade cultural na espacialidade planetária, a diversidade cultural enquanto universo subjetivo dos alunos que ensinam. Aqui também vale insistir no ponto de que pode-se pensar em disciplinas específicas que contemplem esse princípio, mas o mais importante para tornar mais significativa a formação nesse nível é que seja uma atitude assumida pelo conjunto dos envolvidos no projeto de formação.

 

3-      A formação contínua como princípio de formação profissional em Geografia

 

As contribuições teóricas sobre formação profissional do professor tem apontado alguns aspectos dessa formação, como a formação enquanto processo de autoformação; a necessidade de uma formação contínua; uma formação crítico-reflexiva; a construção da identidade profissional. Desses elementos destaca-se a necessidade de formação contínua.

Pois bem, o profissional em Geografia é um profissional que, como qualquer profissional, precisa de uma formação contínua. O exercício competente e compromissado das diferentes modalidades de atuação do geógrafo exige, de fato, uma constante formação teórico-prática, uma formação como profissional crítico-reflexivo, voltada para o exercício da interdependência entre ação e reflexão em sua prática. Esse profissional é aquele que tem competência para pensar sua prática com qualidade, crítica e autonomia, tendo como base referenciais teóricos.

E, como esse profissional pode munir-se desses referenciais teóricos? Parece hoje estar evidenciado que esses referenciais estão presentes em diversos espaços e em diversas instâncias e práticas sociais, eles estão na escola, nos locais de trabalho, nos movimentos sociais, no próprio espaço da cidade. No entanto, interessa destacar aqui o espaço  da Universidade, que congrega grande parte desses referenciais teóricos, produzindo grande parte deles, sistematizando-os, divulgando-os.

Nesse sentido, deve haver um compromisso da Universidade com a formação contínua desse profissional. Mas, qual é o papel dessa Instituição nessa formação contínua? Antes de mais nada, é oferecer espaços e tempos para a reflexão e construção de conhecimentos teórico-práticos orientados para os desafios da prática que se tornam princípios da formação: integração teoria-prática; ensino-pesquisa, interdisciplinaridade. Na concepção aqui trabalhada, fica evidenciado que não caberia à Universidade o papel de dona da verdade, do conhecimento, da teoria a serem repassados aos profissionais em serviço.

Resta ainda questionar sobre os encaminhamentos a serem feitos para que a Universidade possa cumprir esse papel. Como encaminhar projetos de extensão que garantam essa abertura de espaços e  tempos, que garantam prioridade a esses espaços, que permitam a orientação desses princípios, que possibilite maior integração da Universidade com a sociedade?

 

 

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Enfim, são muitos os questionamentos, são muitos os desafios também. Sabemos que as respostas não são simples, que não temos apenas uma resposta para as questões. Mas, acredito que os caminhos vão Ter de ser construídos e que as perguntas que vão nortear esse caminho surgem prioritariamente nesses momentos de construção coletiva e, da mesma forma,  as respostas serão dadas coletivamente.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

            FORQUIN, J.C. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

MORIN, Edgar e LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. São Paulo, Peirópolis, 2000.

MOROSINI, Marília C. e LEITE, Denise B. C. Avaliação Institucional como Organizador Qualificado: na prática, é possível repensar a Universidade? In SGUISSARDI, V. (org.). Avaliação Universitária em questão Campinas/SP, Autores Associados, 1997.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiÊncia.São Paulo, Cortez, 2000.

            LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da Escola. Goiânia, Editora Alternativa2003.



[1] Pensando numa perspectiva mais ampla e no contexto atual, percebe-se que as mudanças na área da educação e da formação profissional em geral, no mundo e no Brasil, têm respondido, de algum modo, às demandas da própria sociedade. Não se pode discordar que há um consenso por parte da sociedade sobre a necessidade de se realizarem modificações na educação brasileira. O mundo de hoje exige, de fato, novas formas de preparação para se viver e para trabalhar. Porém, há preocupações e questionamentos quanto a esse conjunto de políticas públicas. Elas dizem respeito, em primeiro lugar, ao entendimento de que essas políticas estão priorizando as mudanças na educação para atender à política econômica, ou seja, de que as mudanças fazem parte de uma concepção mais geral de articulação entre educação e projeto econômico do país, ou, mais diretamente, de que as mudanças buscam uma vinculação acentuada da formação profissional ao mercado de trabalho. Em segundo lugar, dizem respeito à constatação das influências de reformas internacionais (na Espanha, França e Inglaterra, por exemplo) sobre esse conjunto de políticas e ao seu encaminhamento no Brasil sem a necessária discussão de seus fundamentos, de como devem ser realizadas e da incorporação e aprovação dos professores necessárias à sua implementação de fato.  

[2] Sabemos que uma série de ações, de implementações de projetos, de encaminhamento e aprovação de legislações, tem afetado bastante o mundo da educação brasileira nos últimos anos. Estou me referindo aos PCNs, à LDB, aos provões, ao ENEM, ao SAEB, às DCNs, aos Institutos Superiores de Educação.

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