DESAFIOS TEÓRICOS, PRÁTICOS E TÉCNICOS DA INTEGRAÇÃO ENTRE A DIDÁTICA E AS DIDÁTICAS ESPECÍFICAS

 

                                                                                    José Carlos Libâneo

                                                                        Universidade Católica de Goiás

 

            Conforme o título desta conferência está anunciando, há muitos desafios a serem enfrentados na busca da integração entre a didática e as didáticas específicas. Se falamos em desafios, é porque há problemas antigos na busca dessa integração. Gostaria de dirigir minha palestra para dois tipos de profissionais que se encontram neste auditório, os professores de didática e os professores de didáticas específicas. Vou desenvolver o tema em três partes:

1. As dificuldades que estão travando a relação entre a didática e as didáticas especificas e, obviamente, entre os professores que trabalham com essas disciplinas.

2. Razões pelas quais não pode haver separação entre didática e didáticas especificas, já que o objeto de ambas é o processo de ensino.

3. Proposição de uma teoria do ensino que possa servir de suporte de uma didática integradora.

1. As dificuldades

Parto do principio de que precisamos reconhecer que tem havido desencontros entre os professores de didática, ligados à pedagogia e os professores das didáticas especificas, ligados às licenciaturas. Quem trabalha com essas disciplinas sabe um pouco da historia e da realidade desses desencontros.

            Por exemplo, muitos professores das licenciaturas dizem que para ensinar Química. Física, História, basta saber o conteúdo dessas disciplinas. A idéia é antiga: ensinar é transmitir o conteúdo da matéria. Outros dizem que para ensinar Química basta mandar o aluno fazer pesquisa ou ir para o laboratório, entendendo que o processo de ensino seria igual ao processo de pesquisa. Também há os professores de didática, ligados à pedagogia, que entendem que o papel da didática é proporcionar os elementos do planejamento de ensino e os métodos e técnicas necessários, isto é, têm uma idéia de disciplina prescritiva de métodos e técnicas. Sabemos que muitos professores não conseguem ligar a didática ao ensino dos conhecimentos específicos.

            Ao que parece, há um distanciamento entre essas duas categorias de professores em relação ao conteúdo das disciplinas. Professores das didáticas específicas tendem a considerar dispensável uma didática geral, enquanto os professores da pedagogia fazem reparos à pouca preocupação por parte dos colegas das didáticas específicas pelos saberes pedagógicos tais como as teorias educacionais, a psicologia da aprendizagem, as teorias do ensino, e a própria didática. Os professores de didática diriam: como é que pode um professor de didática e prática de ensino desconhecer coisas básicas da didática como planos de ensino, características do aluno, condições de aprendizagem etc. Os professores das didáticas específicas diriam: nós não precisamos da didática, nós sabemos ensinar português, ciências, sem precisar da didática.

            Creio que os colegas das duas disciplinas concordam que precisamos constatar esses fatos, e que nós temos que ter uma visão critica disso.

2. Porque não poderia existir separação entre a didática e as didáticas específicas

Eu queria basear meus argumentos em quatro afirmações: 1) Tanto a didática como as didáticas específicas têm como objeto o processo de ensino; 2) a didática geral não se sustenta teoricamente se não tiver como uma de suas bases, as formas de aprendizagem das disciplinas específicas. 3) As disciplinas específicas não podem falar em prática de ensino sem a didática, que traz importantes contribuições da teoria da educação, da psicologia, dos métodos de ensino e generaliza os resultados da investigação do ensino das disciplinas. 4) Tanto a didática como as didáticas específicas precisam abrir-se a outros campos do conhecimento mais recentes, ligados a estudos da sociologia, do currículo, da cultura, de modo a enriquecer os princípios e bases comuns do ensino que possam ser aplicados a todas as disciplinas, respeitadas suas especificidades epistemológicas.

O processo de ensino como objeto de estudo

Creio que nenhum professor tem uma forte razão para negar a especificidade do ensino. O ensino é uma atividade humana, enquanto parte do processo educativo. Admite-se que o ensino é um fato, é uma atividade humana, uma atividade profissional, também tem lógica dizer que a didática é um campo de conhecimentos que tem como objeto o ensino. E qual é a função do ensino? É a de transmissão e assimilação da experiência humana generalizada. A tarefa da Didática nas várias etapas do seu desenvolvimento histórico sempre esteve ligada à determinação de conteúdos de ensino, métodos de aquisição de conhecimentos e à investigação das leis objetivas e regularidades desse processo. Vejamos mais de perto o que é o ensino como objeto da didática.

O ensino lida com o conhecimento. A teoria do conhecimento é, portanto, a referencia básica do processo de ensino. O caráter cientifico do ensino está em que o processo de ensino se dá sobre a base das leis do processo do conhecimento. O ensino, em sua essência, é um processo de conhecimento. Mas processo de ensino não é igual a processo do conhecimento. O processo de ensino é uma parte do processo de conhecimento. O que a didática faz é precisamente explicitar o processo docente do conhecimento.

No processo de conhecimento, as crianças incorporam tanto o conhecimento como as capacidades e habilidades mentais relacionadas com o conhecimento. Temos, portanto, o conhecimento de um conteúdo e as ações mentais correspondentes a esse conteúdo. O conhecimento de um conteúdo não se separa da ação cognitiva do individuo.

Dessa forma, o conhecimento de uma matéria de ensino é o resultado das ações mentais levadas a efeito para aprender essa matéria de ensino. Ao mesmo tempo, o conhecimento é um processo pelo qual obtermos esse resultado. Em resumo, o termo “conhecimento” designa tanto o resultado do pensamento como o processo pelo qual obtemos esse resultado (ou seja, as ações mentais que levam a esse resultado).

Duas idéias importantes decorrem dessas considerações. A primeira é a noção de mediação. O ensino refere-se à mediação do processo de conhecimento do mundo objetivo pelos alunos, no qual o aluno avança do desconhecido para o conhecido, do conhecimento incompleto e impreciso para conhecimentos reais completos e mais exatos. A noção de mediação é muito forte porque põe o foco do ensino na relação do aluno com a matéria. Quer dizer, o ensino existe em função da aprendizagem, o ensinar depende de como concebemos o ato de aprender. O professor, pelo ensino, dirige a atividade teórica e prática do aluno de assimilar o conhecimento. Ao mesmo tempo, é dessa interação entre sujeito e objeto que vão se desenvolvendo as capacidades cognoscitivas e o pensamento. A rigor, a razão de ser do ensino é assegurar os meios e as condições para que ocorra o encontro formativo entre o aluno e o objeto de conhecimento, ou seja, a confrontação ativa do aluno com a matéria. Este é o significado de mediação.

            O melhor ensino é, portanto, aquele que assegura o processo de conhecimento que se realiza na cabeça do aluno ao se confrontar com um objeto de estudo. O trabalho do professor consiste em fazer a mediação entre os aspectos externos e os aspectos internos da educação cuja essência, na expressão de Danilov, consiste em que “a experiência social em toda sua multilateralidade e complexidade se transforma em conhecimentos, habilidades e hábitos do educando em idéias e qualidades do homem em formação, em seu desenvolvimento intelectual, ideológico e cultura geral” (Danilov, p.26). 

            Considerar desse modo as relações entre ensino e aprendizagem, especialmente o fato de que ensino tem um vínculo direto com o conhecimento e com as formas do aprender, leva a compreender melhor qual a relação da didática com outros campos do conhecimento. Então, se o ensino é um ato de conhecimento, se a aprendizagem diz respeito ao conhecimento teórico, se o ensinar depende de como se aprende, então, ensinar uma matéria depende não apenas de métodos didáticos, mas de outros tipos de métodos.

Nesse sentido, antes de falarmos em métodos de ensino, devemos falar de outros tipos de métodos. A apreensão científica de um objeto de conhecimento implica um método científico, isto é, um método geral do processo de conhecimento (positivista, fenomenológico, dialético, estruturalista...). Implica, ao mesmo tempo, métodos da cognição que correspondem aos processos internos da aprendizagem e às formas de aprendizagem do aluno, tais como a observação, a análise, a síntese, a abstração e, ainda, os métodos particulares das ciências que servem de base à investigação e constituição do campo científico. Somente a partir da consideração destes três tipos de métodos se pode falar em métodos de ensino.

            Mas quero dizer, também, que os métodos de ensino, ao incorporar outros métodos em situações didáticas concretas, adquirem especificidade própria. Com efeito, a função dos métodos de ensino é a de ser um caminho utilizado pelo professor e pelos alunos para atingir objetivos de ensino, para transmissão e assimilação de conteúdos referentes a esses objetivos. Isso significa que os métodos de ensino não se identificam com os métodos do processo de investigação científica, nem com os métodos da cognição e nem com os métodos particulares da ciência, embora os pressuponham.

Em resumos, consideremos que a didática estuda o processo de ensino que consiste nos modos e condições de assegurar aos alunos a assimilação dos conhecimentos sistematizados e o desenvolvimento de suas capacidades mentais. Estes modos e condições são os planos e programas das matérias, os métodos e meios de ensino, as formas organizativas do ensino, o papel educativo do processo docente, assim como as condições que propiciam o trabalho ativo e criador dos alunos, e seu desenvolvimento intelectual.

O segundo aspecto refere-se à idéia de que há uma relação intima entre o processo de ensino e o processo de investigação contido nas ciências ensinadas. Quando estão aprendendo, as crianças executam ações mentais semelhantes aquelas dos cientistas. Trataremos desse aspecto mais adiante.

A interdependência entre a didática e as didáticas específicas

Com base nas idéias desenvolvidas até aqui, conclui-se que o ensino é o objeto de estudo da didática e das didáticas específicas.

A didática tem nas metodologias especificas uma de suas fontes mais importantes de pesquisa. Mas em seguida ela generaliza as manifestações e leis de aprendizagem nas diferentes disciplinas e suas formas de ensino. Ao efetuar essa tarefa de generalização, a didática se converte em uma das bases essenciais das didáticas específicas. Eu digo “numa das bases” porque a didática recorre a outros tipos de conhecimento além da matéria ensinada.

Então, sendo assim, não podemos a rigor falar de uma didática geral, nem de métodos gerais de ensino aplicáveis a todas as disciplinas. A didática somente faz sentido se estiver conectada à lógica científica da disciplina que é ensinada. Ela oferece às disciplinas específicas o que é comum e essencial ao ensino, mas respeitando suas peculiaridades epistemológicas e metodológicas.

 

Isso nos traz a idéia de que há uma relação íntima entre o processo de ensino e o processo de investigação. Quando estão aprendendo, as crianças executam ações mentais semelhantes àquelas dos cientistas.

A ligação da didática com questões de outros campos do conhecimento que tangenciam o ensino

 

3- Uma teoria do ensino para compreender a necessidade da integração entre a didática e as didáticas especificas

 

            Eu gostaria de apresentar sucintamente uma concepção de ensino chamada teoria do ensino desenvolvimental – quer dizer – um ensino que promove o desenvolvimento mental, baseada nas idéias de Vigotsky e Davídov. Vasili Davídov é um pedagogo e psicólogo russo, pertencente à 3ª. Geração de psicólogos ligados à psicologia histórico-cultural iniciada por Vigotsky,

            Algumas idéias-chave da corrente histórico-cultural da psicologia são as seguintes:

1) A importância do desenvolvimento das funções mentais superiores, especialmente, das capacidades e habilidades de pensamento.

2) A condição do aprendiz como sujeito ativo, ou seja, o nuclear da prática docente é a aprendizagem do aluno, resultante da sua própria atividade intelectual e prática, realizada em parceria com os professores e colegas. Portanto, a referência para as atividades do ensino é a aprendizagem, ou seja, ensina bem o professor que consegue com que o aluno aprenda bem com base numa relação pessoal com o saber e aprenda a pensar metodicamente. Nesse sentido, a característica básica das disciplinas escolares é que elas devem ser organizadas e trabalhadas para serem aprendidas pelos alunos. Ou seja, o como se ensina depende de se saber como os indivíduos aprendem, ou melhor, como adultos aprendem.

3) O papel da escola em ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Posso dizer de outro modo: ensinar o aluno a aprender a pensar, isto é, desenvolver capacidades e habilidades de pensamento. Nesse sentido, a metodologia de ensino seria muito mais do que recorrer a técnicas de ensino, mas saber como ajudamos o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que você ensina. Por exemplo, a boa pedagogia do professor de geográfico seria aquela que conseguisse traduzir didaticamente o modo próprio de pensar geográfico.

4) a atividade de aprendizagem está assentada no conhecimento teórico, ou seja, no desenvolvimento do pensamento teórico.

 

            Vou desenvolver um pouco dessas idéias-chave. Na base do pensamento de Davídov está a idéia-mestra de Vigotsky de que a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental.

O ensino propicia a apropriação da cultura e desenvolvimento do pensamento. São dois processos articulados entre si, formando uma unidade: Podemos expressar essa idéia de duas maneiras:

-         enquanto o aluno forma conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa.

-         enquanto forma o pensamento teórico, desenvolve ações mentais, mediante a solução de problemas que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse conhecimento.

Trata-se, assim, de fazer essa junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A central contida nessa teoria é simples: ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem. A atividade de aprendizagem é a própria aprendizagem, ou seja, com base nos conteúdos, aprender habilidades, desenvolver capacidades e competências para que os alunos aprendam por si mesmos. É essa idéia que Davídov defende: a atividade de aprender consiste em encontrar soluções gerais para problemas específicos, é apreender os conceitos mais gerais que dão suporte a um conteúdo, para aplicá-los a situações concretas. Esse modo de ver o ensino significa dizer que o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, é aquele que contribui para que o aluno aprenda a raciocinar com a própria cabeça, que forme conceitos e categorias de pensamento decorrentes da ciência que está aprendendo, para lidar praticamente com a realidade. Os conceitos, nessa maneira de ver, seriam ferramentas mentais para lidar praticamente com problemas, situações, dilemas práticos, etc.

Explicitando essa idéia numa formulação mais completa, eu diria assim: o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.).

No meu ponto de vista, o ensino hoje, em todos os níveis, precisa unir a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou o contrário, dá na mesma. Trata-se de nem só aprender a lógica do processo nem só os conteúdos.

O detalhe mais importante, e também o mais difícil de fazer, é que o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o processo de investigação, os modos de pensar e investigar a ciência ensinada. Ou seja, não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso pensar historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática. Biologicamente sobre biologia.

A questão, portanto, é como o professor e, por conseqüência, seus alunos, internalizam o procedimento investigativo da matéria que está ensinando. Isto envolve formas de pensamento, habilidades de pensamento, que propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que se está aprendendo. Chamo isso de ensinar a adquirir meios do pensar, através dos conteúdos. Em outras palavras, de desenvolver nos alunos o pensamento teórico, isto é, o processo através do qual se revela a essência e o desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver problemas profissionais.

O filósofo francês Edgar Morin, quando discute sobre os sete saberes, escreve que diante do volume de informações, você precisa saber discernir quais são as informações-chave. Mas como fazer isso?  Segundo ele, a educação precisa desenvolver uma inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Nesse caso, essa inteligência precisa saber usar os conhecimentos, e ter capacidade de colocar e resolver problemas. Isso necessita de uma combinação de habilidades particulares, que atenda simultaneamente ao geral e ao particular. Acho que isso tem a ver com essa idéia de Davídov de juntar a formação de conceitos e o desenvolvimento das capacidades mentais.

            Eu penso que esta teoria do ensino desenvolvimental é bastante útil para compreendermos a integração entre a didática e as didáticas especificas. E aqui retomo aqueles três tipos de métodos de que eu falava antes: os métodos universais do processo de conhecimento, os métodos da cognição que pertencem ao campo da psicologia, os métodos particulares das ciências, métodos esses que são antecedentes dos métodos de ensino.

            Fica claro, no meu entendimento, de que não pode haver mesmo uma didática separada da ciência ensinada, dos métodos de investigação dessa ciência. Nesse sentido, os professores de didática oriundos da pedagogia precisam dominar muito bem as questões gerais do processo de conhecimento, da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem e as peculiaridades epistemológicas das ciências ensinadas.

            Mas também fica claro que os professores de didáticas especificas não podem ignorar a teoria do conhecimento, a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem e, obviamente, os métodos de investigação próprios da ciência que está ensinando.

            Com base nisso, o que eu diria aos professores de didática oriundos da pedagogia? Primeiro, que o tipo de didática que temos levado às licenciaturas e aos cursos superiores não diretamente ligados com o campo da educação, é uma didática que não motiva, não mobiliza, não comove os professores desses cursos. Nós transformamos a didática numa coisa muito simplória. Imaginamos que estamos instrumentalizando esses professores, mas os instrumentos que indicamos a eles são muito precários, porque não são instrumentos conceituais, teóricos, são meramente técnicos.  Nós não damos conta de ajudar o professor de historia a ensinar historia como um modo epistemológico de aprender historia.

Então temos uma situação realmente muito esdrúxula: queremos ajudar o professor a ajudar o aluno a aprender historia, mas nós não sabemos nada de historia nem dos métodos investigativos da historia. Isso significa que se permanecermos nessa didática que apenas lida com planos de ensino, técnicas, teremos uma didática meramente operacional, uma didática que não vai ao cerne da questão do processo do conhecimento, do processo de investigação da ciência ensinada, da teoria da educação, da psicologia do desenvolvimento, da sociologia.

            Mas também quero dizer aos professores das didáticas especificas e práticas de ensino vinculados às licenciaturas, que não basta saber história, nem basta que você coloque o aluno a fazer pesquisa histórica. São dois requisitos necessários, mas não suficientes. Os conhecimentos da pedagogia e a didática podem ajudar na compreensão do papel educativo do ensino, no conhecimento das características individuais e sociais dos que estão aprendendo, numa compreensão dos aspectos políticos da escola, da organização e gestão da escola, dd formas de organizar e avaliar situações didáticas, dos métodos e técnicas de ensino mais adequados às idades, aos conteúdos ensinados, etc.

            Então eu posso dizer o seguinte: para você ensinar matemática a João eu preciso de quatro coisas: 1) eu preciso saber matemática; 2) saber como se ensina matemática 3) saber quem é João, isto é, Eu preciso saber qual é a relação que João tem com a matemática, que significado tem matemática para João. Enfim, nosso aluno tem uma origem social, tem um potencial intelectual, uma pratica de vida, sentimentos, modos de agir, e tudo isso afeta a relação de João com o saber matemático; 4) Em que contexto social, cultural, afetivo, ético, estético, ocorre o processo de ensino e aprendizagem do João.

            A idéia que está por detrás disso é que:

-         Não há didática separada de um conhecimento especifico

-         Não há didática que possa separar da epistemologia da disciplina ensinada

-         Pesquisar em didática é pesquisar a associação entre os processos investigativos da ciência e os processos de ensino dessa ciência

Para ensinar geografia eu preciso conhecer a estrutura conceitual da geografia, os métodos da geografia, e a motivação (aspectos psicológicos) de quem aprende geografia.

Algumas conclusões:

- Minhas considerações levam ao reconhecimento da relevância da Didática como disciplina teórica (cujo objeto é o processo do ensino na sua globalidade) e, ao mesmo tempo, uma disciplina prática, como instrumento de trabalho do professor de qualquer grau de ensino. Realmente penso que a didática e as didáticas especificas, formando uma unidade, são as disciplinas básicas na formação de professores.

- Os professores de didática ajudarão pouco na formação de professores se reduzirem a didática a um conjunto de prescrições tipo como fazer planos de ensino, exposição de técnicas, etc.

- O nível de formação de professores da 1ª. Fase do ensino fundamental continuará caindo se os cursos de pedagogia (refiro-me aos cursos de licenciatura que formam professores de 1ª. à 4ª. Séries) não tiverem no seu currículo uma substantiva carga de conteúdos das disciplinas especificas. Sendo mais claro: conteúdos de Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, etc.

- Os professores das didáticas específicas e práticas de ensino precisam compreender que ensinar não é meramente passar a matéria, naquela idéia antiga ensinar é encher a cabeça do aluno de informações. O ensino é um assunto pedagógico, isto é, tem a ver com formação da personalidade, com orientação ética, com uma visão critica do conteúdo etc. O ensinar supõe, além do domínio do conteúdo, a utilização de métodos, procedimentos e técnicas especificas, decorrentes da relação entre o ensinar e o apreender. Todo ensino somente tem sentido se ele produzir aprendizagens. Ou seja, não basta que o professor saiba o conteúdo, é preciso que saiba como mobilizar o aluno para aprender, como organizar o trabalho dos alunos, saber qual é a prática de vida do aluno, como funciona sua mente, que desejos e necessidades tem etc.

- Se os cursos de licenciatura (incluindo aqui os inadequadamente chamados cursos de pedagogia) querem levar a sério a formação de professores, e entendendo que a didáticas e as didáticas são disciplinas básicas nessa formação, precisam assumir o entendimento de que as concepções e práticas sobre métodos, modos de aprender, precisam estar presentes nas aulas de todas as demais matérias. Quero dizer com isso que:

-         Na abordagem dos conteúdos e na metodologia de ensino das disciplinas específicas precisa haver em esforço do corpo docente de que os métodos e procedimentos de ensino e aprendizagem devem corresponder ao que se esfera que os licenciandos façam quando estiverem atuando nas classes do ensino fundamental.

-         Os conteúdos específicos de todas as disciplinas da licenciatura devem, digamos, “espelhar” as práticas de ensino desenvolvidas pelos professores das didáticas específicas (metodologias especificas de ensino de...).

Se um projeto pedagógico não conseguir isso nos cursos de licenciatura, esse projeto pedagógico é inútil.

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