FRACASSO ESCOLAR: MECANISMOS DE REJEIÇÃO ENTRE ALUNO/ESCOLA E A FOMAÇÃO DE PROFESSORES

                MARIA AUXILIADORA DIAS DA SILVA RIBEIRO

            

O presente estudo, objetiva compreender em que aspectos a evasão e a exclusão - que levam o educando ao fracasso escolar e também fora da escola - favorecem o sistema em que estamos inseridos. Entendemos que esta problemática existe desde a origem da institucionalização do sistema escolar e permanece até os dias de hoje, descartando, continuamente, à maioria dos alunos o direito à escolarização.

No processo do fracasso escolar ocorrem políticas escusas que tornam legítimas, de forma ideológica, ações de desigualdades, preconceitos e rotulações que permeiam o âmbito escolar. Procurando sistematizar alguns dos principais motivos que causam o fracasso escolar, inclusive por meio da evasão, problematizamos: o que leva o sistema educacional brasileiro a se omitir e até parecer, completamente, estagnado, do ponto de vista pedagógico, favorecendo a prevalência de mecanismos de rejeição entre aluno/escola? Frente a esta complexa realidade, ainda questionaríamos: como tem se efetivado a formação dos professores que atuam nesta mesma realidade?

 

MECANISMOS DE REJEIÇÃO ENTRE ALUNO/ESCOLA COMO FATOR A CONCORRER PARA O FRACASSO ESCOLAR

 

Este estudo tem o propósito de discutir sobre alguns mecanismos de rejeição existentes entre alunos e escolas como sendo um dos fatores a concorrer para o fracasso escolar. Devido à complexidade que envolve a temática - mesmo que esta não seja mais nenhuma novidade, não só entre educadores, mas considerando o todo social - subdividimos o estudo em dois momentos: Estagnação Pedagógica: uma Questão que Favorece a Exclusão, e, A Lógica do Fracasso na Perspectiva de Magda Soares.

De acordo com o estudo de SOARES (2000, p. 5), “Essa escola para o povo é, ainda, extremamente insatisfatória, do ponto de vista quantitativo e, sobretudo, qualitativo”. A escola legitima as desigualdades sociais, principalmente no que tange à língua falada e escrita, que é direcionada pela e para a classe dominante, em depreciação ao percentual bastante significativo de fracasso escolar das camadas populares dentro das escolas.

Segundo CECCON (1984, p. 10), “Ninguém está contente com a escola”. Na verdade, ninguém quer assumir seu papel de responsabilidade para com ela. A família por ser geralmente leiga, despreparada, não consegue ajudar seus filhos, deixando-os a cargo da escola. Os professores, por sua vez, desmotivados pelas condições de trabalho, com programas extensos, com excesso de alunos em sala, pouco preparados, acreditam ser da família o dever de educar a criança e se omitem, “para os pais, as professoras cometem equívocos quando avaliam seus filhos: muitas vezes não há parecença alguma entre a criança da sala de aula e aquela de casa” (Mello apud PATTO, 1990, p. XI). A criança que se educa apenas neste contexto, sem oportunidades e orientações que a subsidiem, torna-se alvo de manipulação social, chegando na fase adulta desqualificada para o mercado de trabalho, o que a leva a engrossar a lista de desempregados ou mesmo de mão de obra desqualificada e, conseqüentemente, barata.

Assim como CECCON (1984), PATTO (1990) acentua que a escola, tal como se encontra, não satisfaz aos interesses dos alunos e sendo este seu principal alvo, torna-se descaracterizada em sua função principal que é a de educar o indivíduo para a vida. Mello (apud PATTO, 1990, p. XI) questiona: “como pode haver ensino e aprendizado quando professora e aluno não são capazes de discernir e compartilhar um significado para os acontecimentos da sala de aula?” A escola fora da realidade do aluno, cada vez mais concorre para distanciá-lo da proposta de escolarização, que é a de educar para a vida, mantendo-o à margem da sociedade letrada, exigente de certos padrões, cujas condições de atendimento somente ela pode oferecer.

Segundo MACEDO (2000), uma maneira de se diminuir essa rejeição é diferenciar a escola da excelência, que é a escola de visão tradicional. Devido ao fato de a maioria dos profissionais da educação ter sido formada nela, não consegue desvencilhar-se de sua ideologia, tornando verdade seus propósitos de que os vencedores merecem, por competência, o galardão, e aos que dela forem excluídos se justifica por faltar-lhes méritos próprios. A escola se isenta de qualquer culpa: “na escola da excelência, mesmo que todos sejam chamados, poucos serão os escolhidos” (MACEDO, 2000, p. 21). Nesse sentido, a luta tem de ser pela escola para todos: aquela “que busca praticar conquistas sociais e políticas muito recentes” (MACEDO, 2000, p. 21).

Ainda consoante MACEDO (2000), com base na Declaração dos Direitos Humanos, na Constituição de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n. 9394/96, a escola para todos seria aquela

... que atribui a todas as crianças o direito à educação fundamental e que responsabiliza o estado e a família pelo cumprimento desse direito; na escola para todos, tudo o que é valorizado na escola da excelência deve agora ser repensado, redefinido (MACEDO, 2000, p. 22).   

A escola por excelência é dotada de uma visão restrita que beneficia uma minoria de privilegiados, em detrimento da maioria da população. Por isso, necessário se faz rever conceitos impregnados pela ideologia vigente que, por sua vez, promove rejeição entre as partes: “a escola não aceita a criança como ela é, e a criança não aceita a escola tal como ela funciona” (Mello apud PATTO, 1990, p. XI).

            O futuro do aluno é estabelecido logo na entrada da escola, onde não se adequando às normas, a exclusão é algo normal. Propor metas pedagógicas que propiciem interação entre os conhecimentos prévios e os que devam ser adquiridos na escola e desprivilegiar as desigualdades em favor ao respeito às diferenças, nos leva a uma inclusão democrática que privilegiaria uma educação para todos.

Contudo, preocupados com essa complexidade que, ainda hoje, no século XXI, envolve a realidade educacional brasileira, neste estudo, tentaremos contribuir com uma reflexão sobre as causas e efeitos do fracasso escolar - já tão conhecido de todos nós educadores e da sociedade como um todo - que chega a percentuais alarmantes: “50% da população escolar não consegue vencer as exigências da primeira série, aspecto que se configura como uma das calamidades do ensino” (Editorial, 2000,  p. 3).

Em se utilizando o termo calamidade do ensino, poderíamos questionar se uma espécie de estagnação pedagógica - constatada por dados de uma realidade que, aparentemente, não se altera - não estaria relacionada com os altos índices de exclusão. Sobre esta questão intencionamos tratar a seguir.

 

Estagnação Pedagógica uma Questão que Favorece a Exclusão 

É preciso penetrar no que eu chamo de imaginação profissional do professor para impulsionar uma modificação significativa.

 

- TELMA WEISZ -

 

            Observar as causas que levam ao fracasso escolar desde o surgimento da escola, faz com que a discussão sobre o Ciclo seja bem mais abrangente.

“Qualquer mudança deve ser feita depois de um trabalho coletivo, mas aqui esqueceram de consultar os maiores interessados no assunto, os professores” (Noronha apud BENCINI, 2000, p, 18). Essa crítica refere-se aos Ciclos de Desenvolvimento Humano, denominados de Ciclos, que propõem a progressão continuada. Implantados por secretarias de Educação, como um novo meio de se minimizar o grande índice de repetência e evasão, mas - de acordo com parte de professores e pesquisadores - sem diálogo e reflexão, acarretaram repulsa à maioria de professores que, sem entender a dinâmica da proposta,  tem  favorecido a continuidade de um grande número de analfabetos, simultaneamente, dentro e fora da escola. Pois, muitos profissionais da educação o condena sem ao menos tentar entender sua íntegra.  Que acreditamos não ser “passar” o aluno e sim deixá-lo junto a seus pares, para assim favorecer uma aprendizagem condigna à sua fase de vida. Mas infelizmente ainda temos professores que, com medo do novo, se escondem atrás de velhos paradigmas.               

A crítica feita, de um modo geral, evidencia que, nos Ciclos, com a utilização de velhos métodos didáticos, os professores continuaram ministrando suas aulas, só que agora sem o poder de reter o aluno, “docentes acusam as secretarias de Educação de impor a promoção automática (o oposto da cultura da repetência), tirando-lhes o poder de decidir os rumos da sala de aula” (BENCINI, 2000, p. 18). Sem este poder e sem a conscientização de seu papel, que é o de ensinar, o professor promove o aluno para o ciclo seguinte à mercê do próprio destino. Segundo NASCIMENTO (2000, p. 37), “Criança que freqüenta a escola regularmente é matriculada na quinta série sem condições mínimas de escrever um ditado simples”.

PELLEGRINI (2000a) destaca que o livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro e Ana Taberosky, foi uma revolução em termos de alfabetização. Mostrava que as idéias vão sendo progressivamente transformadas pelos próprios esforços de entender esse sistema e que o conhecimento é construído. No entanto, o fato é que grande parte de educadores continua resistente em suas posições. Sem refletir, estes professores responsabilizam a aceleração e a progressão continuada pelo fracasso dos alunos e se isentam do compromisso com a aprendizagem significativa, ao tentar justificar a quantidade de pessoas que chegam à quinta série sem saber ler e escrever.

            A proposta de um processo de ensino que supere a cartilha e amplie os horizontes da leitura, em uma relação direta com o mundo, pode suscitar, no aluno, a reflexão e até mesmo desperta-lhe o interesse pelo conhecimento sistematizado. O contato com a leitura desde os primeiros anos de vida é essencial para semear o interesse pela linguagem escrita” (Weisz apud PELLEGRINI, 2000a, p. 9-12).

Conforme PELLEGRINI (2000), temos, no sertão alagoano, professores leigos que já entenderam a proposta. Damião da Silva abandonou a cartilha e utiliza as cantigas de roda para alfabetizar a turma da 1ª série e argumenta: “Eles se sentem valorizados, porque trabalho com o conhecimento que trazem de casa”. Este professor, “junto a mais 161 colegas sob a assessoria pedagógica de coordenadores orientados pelas professoras Telma Weisz e Maria Éster Soub estão vivendo uma verdadeira revolução profissional”  (PELLEGRINI, 2000b, p. 28).

 

A Lógica do Fracasso na Perspectiva de Magda Soares          

 

Estudando a lógica do fracasso escolar, a lingüista Magda Soares fez um levantamento de várias hipóteses que poderiam explicá-lo. Tentaremos explicitar o estudo realizado pela autora no livro Linguagem e Escola uma Perspectiva Social.

Em uma nação formada por várias etnias é praticamente impossível formalizar uma linguagem padrão. O respeito às diferenças deve ser oficializado. Permitir que a forma de se expressar seja motivo de preconceito e, posteriormente, de exclusão, atingindo o máximo do fracasso escolar, demonstra a falta de qualidade e sensatez dos profissionais da educação e do sistema que os gera, “chegou-se mesmo a sugerir a existência de uma teoria da deficiência lingüística, que explicaria o fracasso escolar das camadas populares” (SOARES, 2000, p.16).

Compreendemos que a escola, direcionada apenas para uma parcela da sociedade - que tem contato com pessoas mais esclarecidas intelectualmente; dispõe de livros e outros meios de comunicação; pode ampliar seus conhecimentos, de vários modos - deixa aquém a outra parte da sociedade que, por direito, deveria se equiparar à primeira.

A teoria da deficiência cultural vem apoiar a teoria da deficiência lingüística, quando ambas ratificam que “as crianças das camadas populares chegam à escola com uma linguagem deficiente, que as impede de obter sucesso nas atividades e aprendizagem: seu vocabulário é pobre” (SOARES, 2000, p. 20). Reforçam que, a criança com deficiência lingüística é também desfavorecida cognitivamente, não possuindo pensamento lógico e formal, o que a leva ao não acompanhamento pedagógico durante as aulas. A verdade é que, sem questionamento e participação, esta criança vai se excluindo do grupo, pois “o código lingüístico não apenas reflete a estrutura de relações sociais, mas também a regula” (Bernstein apud SOARES, 2000, p. 24).

O fato de a teoria atribuir o fracasso escolar às crianças, leva ao entendimento de que “a inadequação está na criança, não na sociedade nem na escola” (SOARES, 2000, p. 31). Mas o sistema criou mecanismos para reverter este quadro: o programa de educação compensatória. Isto em discordância com a verdadeira razão desse fracasso que, mesmo sendo visível, é posto na obscuridade para que não seja questionada “a desigual distribuição da riqueza numa sociedade capitalista” (SOARES, 2000, p. 31).

Para justificar a continuidade da evasão escolar e o fracasso do programa da educação compensatória, visto anteriormente como solução do problema, mais uma teoria foi formulada, a teoria da “hipótese genética” de Arthur Jensen (apud SOARES, 2000, p. 34), segundo a qual

... não é possível corrigir as ‘deficiências’ das crianças negras por meio dos programas de educação compensatória, isso acontecia porque as causas dessas ‘deficiências’ eram resultado não só da ‘privação cultural’, mas, mais do que isso, também de diferenças genéticas.

            Outra justificativa foi criada por Rosenthal e Jacobson, a “profecia que se autocumpre”: a “profecia de que os alunos são candidatos ao fracasso, cria nos professores, uma expectativa negativa, que é transmitida, de forma inconsciente e não-intencional” (SOARES, 2000, p. 34). Sem questionar a ideologia geradora da estrutura social a que estão inseridos, tais pensadores não colaboraram com a solução do problema da evasão escolar e, sim, deram subsídios para que ela prevalecesse.

Para esclarecer sobre o insucesso do programa, mais uma teoria foi abordada; essa mais coerente com a realidade, ao asseverar que a forma como a sociedade de classes está estruturada é que propicia este insucesso e argumentar que “a educação compensatória fracassa porque atribui à escola um poder que ela não têm” (SOARES, 2000, p. 36). O insucesso se dá por preconceitos passados de gerações para gerações, quando são incutidos valores culturais e sociais da classe dominante, ou seja, economicamente favorecida, em detrimento da classe desprovida desses valores.

Contestando a teoria da deficiência lingüística, o lingüista William Labov elaborou a tese de “que as crianças dos guetos, possuem a mesma capacidade para a aprendizagem conceitual e para o pensamento lógico” (SOARES, 2000, p. 45), e afirmou que o desencadeador de uma distorção dialógica entre pesquisador e pesquisados está na situação de desconforto e animosidade que se cria em determinadas circunstâncias, em que o artificialismo empregado favorece o enclausulamento do pesquisado, fazendo-o perceber o entrevistador como superior. Neste contexto “não se poderia certamente esperar dela mais que uma linguagem monossilábica, fragmentada, defensiva” (Labov apud SOARES, 2000, p. 46).

O mesmo não ocorre com crianças da mesma classe social do pesquisador, pois, têm o mesmo nível de entendimento sobre estes processos de uso gramatical em situações específicas. Nesse caso, a pesquisa é “realizada em contexto em que os falantes se sentem à vontade, esquecendo o gravador e interagindo livremente com o adulto” (SOARES, 2000, p. 47).

SOARES (2000, p. 49) ponderou sobre a teoria do bidialetarismo funcional que defende a seguinte idéia: “falantes de dialetos não-padrão devem aprender o dialeto-padrão, para usá-lo nas situações em que lhe é requerido”. Juntamente com a educação compensatória, os difusores desta teoria

Aceitam um único saber lingüístico como legítimo, o saber das classes dominantes, e consideram como não-legítimos os demais. Num e noutro caso, o efeito é o mesmo: afastar qualquer ameaça à estrutura social, manter a estabilidade do sistema (SOARES, 2000, p. 54).

Para Bourdieu (apud SOARES, 2000), as condições sociais concretas de instauração da comunicação são fatores essenciais e determinantes do uso da linguagem, produzindo relações de força simbólica entre os interlocutores. Quando um palestrante utiliza a linguagem de seu interlocutor, está usando o seu conhecimento sobre a linguagem legítima: “assim, ao contrário de seu significado aparente, a transgressão é uma forma de o falante afirmar seu domínio da norma, e seu direito e liberdade de afastar-se dela” (Bourdieu apud SOARES, 2000, p. 59). A força simbólica da língua reforça o papel da escola, que acaba por perpetuar o sistema de dominação lingüística: “esse processo formal e intencional de aquisição de capital cultural e lingüístico com características particulares” (SOARES, 2000, p. 60).

O papel da comunicação pedagógica é para o professor um meio de dominação “uma ação de inculcação da cultura ‘legítima” (SOARES, 2000, p. 61), só que não atingindo seu objetivo, que é o de unificar o dialeto padrão, a escola perpetua o fracasso escolar, legitimando a estratificação de classes, por meio de processos seletivos. A classe desprivilegiada do “capital lingüístico escolarmente rentável” (SOARES, 2000, p. 62), quase sempre não alcança média suficiente para transpor essa barreira, permanecendo à margem da sociedade. Com efeito, “o fracasso escolar não deve ser atribuído a deficiências, nem mesmo a diferenças lingüísticas, mas à opressão” (SOARES, 2000, p. 64).

Não se pode perder de vista que é real o percentual de 50% de desistência, ou melhor, exclusão da 1ª para a 2ª série, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ou na forma de Ciclo, onde a falta de compromisso pedagógico mascara o fracasso, deixando o aluno avançar sem saber ler e escrever convencionalmente. Ou, ainda, os grupos de acelera que treinam o aluno a responder, de forma mecânica, mas eficaz sob o ponto de vista dessa escola que, mesmo consciente de suas falhas, se nega a mudar. Em meio a esta problemática, ao mesmo tempo, podemos questionar: a solução está na escola?

A solução estaria, pois, em transformações da estrutura social como um todo; transformações apenas na escola não passam de mistificação: não surtem efeito, e parecem mesmo ter o objetivo de apenas simular soluções, sendo, na verdade, um reforço da discriminação (SOARES, 2000, p. 64).

Portanto, fundamentando-nos no raciocínio de SOARES (2000), podemos observar que, quando se trata de escola, com certeza, está-se referindo, também, aos profissionais da educação nela envolvidos. Desse modo questionamos: como está a escola e a formação de professores no contexto do fracasso escolar?

 

A ESCOLA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA CONCEPÇÃO CRÍTICA

 

Nas discussões realizadas até o momento, procuramos pontuar, com base em diversos autores, formas de veiculação do fracasso escolar. Mas, será que o fracasso escolar só se dá pela falta de compromisso de pais e educadores, ou pelas discriminações contra os modos de agir e de falar do aluno? Ou mesmo somente pelas desigualdades econômicas? Assim, temos o propósito de, a partir de uma concepção crítica, refletir sobre o papel da escola e a formação de professores relacionados com o fracasso escolar.

Hoje a competição está tão aflorada nos seres humanos, que fica difícil encontrarmos profissionais empenhados a realizar-se por meio de sua profissão, pois “é através do trabalho que o homem muda a natureza, colocando-a a seu serviço” (Marx apud RODRIGUES, 2001, p. 38).

As lutas do dia-a-dia estão cada vez mais agressivas, impossibilitando as pessoas de serem elas mesmas. As aglomerações urbanas, a substituição do homem pela máquina (que o próprio homem constrói) aumenta o desemprego. O corre-corre impede as pessoas de dialogarem, distanciando-as cada dia mais.

Segundo RODRIGUES (2001), Desde que o primeiro homem cercou um pedaço de terra, e outros aceitaram guardá-lo para o primeiro, a intolerância passou a fazer parte do cotidiano do homem.

Ao refletirmos sobre a história da humanidade, poderíamos indagar se o hoje se diferencia do ontem. Antes tínhamos gladiadores, atualmente, temos cadeias superlotadas, brigas em trânsito, polícia nas escolas, “a sociedade faz o homem na mesma medida em que o homem faz a sociedade. Preferir uma parte do problema em detrimento da outra é apenas uma questão de ênfase” (RODRIGUES, 2001, p. 20). A citação de tais fatos, apenas ilustra a preocupação que temos em entender o que leva um homem a se valorizar mais do que o outro.

O ‘ter’ superou o ‘ser’. E qual é o papel dos educadores diante das atrocidades sociais? Por meio de estudos feitos pelas ciências humanas, muitas vezes é afirmado que saber é sinônimo de poder, mas até quando escamotearemos a realidade que nos rodeia? “Será possível educar para a emancipação do homem, para livrá-lo de toda a opressão que o esmaga?” (RODRIGUES, 2001, p. 35), ou será que somos coniventes com esta opressão, tentando acreditar que não somos advindos dela? RODRIGUES (2001, p. 46) esclarece que a ideologia que vivenciamos “obriga os homens a comportarem-se segundo a vontade ‘do sistema’, mas como se estivessem se comportando segundo sua própria vontade”.

Quando excluímos, ou simplesmente ignoramos, um aluno em sala de aula não estaríamos solidificando esta sociedade de classes na qual só os fortes sobrevivem?

Em meio a esses questionamentos, entendemos que, como profissionais da educação, devemos tentar encontrar mecanismos que contribuam com a transformação da sociedade na qual estamos inseridos. Para tanto, necessário se faz contextualizar que a instituição escolar só se tornou mais abrangente a partir do século XIX, quando se fez necessário treinar a população para uma nova maneira de prestar serviços à elite detentora dos meios de produção:

 ... se o Estado é um Estado de classe e se a classe dominante precisa disseminar ao máximo sua ideologia para manter sua dominação, a ele (Marx) parecia óbvio que um ensino oferecido por este Estado burguês só poderia ensinar os filhos dos operários a moldarem-se à dominação (RODRIGUES, 2001, p. 54).

De acordo com o autor, foram instituídos dois tipos de escolas, uma em que o ensino seria direcionado aos filhos de operários e outra aos filhos dos detentores dos meios de produção. Esta é a escola para a qual são formados e na qual trabalham os profissionais da educação.

Após a constatação da existência de tantas pesquisas na área da formação de professores, ratificamos que tem se tornado, cada vez mais, inviável continuar com essa postura, devemos “investir na formação do professor para que possamos alcançar outro patamar educacional” (KULLOK, 2000, p. 12). Com certeza, os profissionais da educação, e neste estudo destacamos os professores, precisam ter objetivos claros de seu compromisso social, entendendo que instruir o aluno é necessário, mas o que se deve assumir é o papel de educador. Assim,

... quando o aluno percebe que o conhecimento crítico e criativo lhe é a bagagem mais decisiva para enfrentar a vida e também o mercado, mais facilmente adere ao estudo sistemático e com ele cresce, sem deixar de lado, nunca, a questão da qualidade política e da ética. Afinal, estudar bem dá trabalho e sempre cansa. A alegria que se retira daí, não é a alegria da superficialidade, banalização, encurtamentos, “macetes”, mas aquela que enche a alma (PEDRO DEMO, 2002, p. 46).

Por concordarmos com a assertiva do autor, acreditamos ser importante para este estudo, discutir aspectos relevantes sobre a formação de professores, como faremos a seguir.

 

A Formação de Professores e o Fracasso Escolar

 

A conscientização sobre as condições concretas que envolvem a formação de professores, bem como o contexto escolar, é imprescindível para que se possa construir novos rumos para a educação. Os professores, de um modo geral, têm sido coniventes com a opressão, meros transmissores de conhecimentos, reprodutores de saberes. Quando PEDRO DEMO (2002, p. 49) enfatiza que, “ninguém se torna profissional sem dominar conteúdos”, ele também se refere à pesquisa constante, à investigação do novo, à não estagnação. Como profissionais da educação, devemos ter sempre, tanto a curiosidade aguçada quanto aceitar as idéias inovadoras dos nossos alunos. Mas, para isso, teremos de reconhecer que nossa formação tem lacunas que devem, no mínimo, ser assumidas, a fim de que possa haver mudanças qualitativas.

A instituição escolar permitiu-se manipular pelo sistema, e os professores acabaram tornando-se os culpados pelo fracasso escolar e, por conseguinte, da vida de seus partícipes. Pois, ao assumirem diferentes papéis para os quais não foram qualificados, os professores passam a assumir responsabilidades que são também de outrem:

... exige-se hoje que, além de saber a matéria que leciona, o professor seja facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de grupo, e que,  para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afetivo dos alunos, da integração social e da educação sexual etc (KULLOK, 2000, p. 14).

Seria possível, com o tipo de formação que os professores têm recebido, serem eles responsáveis pela formação integral do indivíduo que, neste caso, é o aluno?

Os cursos de formação de professores devem proporcionar aos profissionais uma “prática reflexiva que deve começar nos cursos de Formação Inicial introduzindo de um lado a noção de investigação como um dos elementos básicos na formação da prática pedagógica” (KULLOK, 2000, p. 17). Ao entendermos qual é o papel do professor, na sociedade, estaremos cumprindo um dos primeiros objetivos da educação que é o de romper com a alienação histórica do ser humano.

SOARES (2000, p. 73), por sua vez, assevera que “a escola é a instância em que podem ser adquiridos os instrumentos necessários à luta contra a desigual distribuição de privilégios”. Ainda segundo a autora, a escola se torna essencial aos indivíduos pertencentes às camadas populares, devido à função que executa que é de “angariá-los com instrumentos necessários à luta contra as desigualdades econômicas e sociais”  (SOARES, 2000, p. 73).

Portanto, a escola deve cumprir seu papel de formar o indivíduo para assumir sua cidadania. Mas esta tarefa torna-se complexa, o que não quer dizer impossível, se considerarmos o que ressalta PERINI (1995, p. 78): “a maior parte da população brasileira adulta é funcionalmente analfabeta”.

 “Nesta sociedade em constante transformação, o analfabeto funcional é uma criatura singularmente indefesa” (PERINI, 1995, p. 78). Cabe aos cursos de formação de professores, subsidiarem os alunos-professores para uma atuação efetiva em sala de aula, preparando-os para vencer o desafio de alfabetizar realmente, seja com livros didáticos, jornais, gibis, dentre outros, mas que prepare o aluno para ler o mundo que o rodeia. Pois, a leitura “enriquece ou empobrece, dinamiza ou paralisa, dirige ou desvia, conscientiza ou serve para alienar as ações relacionadas com a formação de leitores” (THEODORO DA SILVA, 1995, p. 47).

Neste artigo procuramos compreender a lógica entre a escola e a formação de professores: uma concepção crítica, e a formação de professores e o fracasso escolar como fatores que devem ser refletidos no contexto escolar.

Estudantes do 1º ano universitário parece terem chegado às operações formais depois de terem sido bem-sucedidos na escola secundária. Então a escola secundária não ensina os alunos a refletir? Quem havia formado os professores? Foram as universidades que formaram os professores secundários. Ou seja, a capacidade de refletir é deixada de lado em todo o sistema de educação, do começo ao fim (KAMI, 1990, p. 122).

            De acordo com a autora, a habilidade de ler e escrever, fazer aritmética, ler mapas e tabelas e situar eventos históricos são exemplos do que aprendemos na escola e que foi útil à nossa adaptação ao meio ambiente. O resto serve para o aluno passar em concursos.

            A realização deste artigo proporcionou o entendimento de que enquanto não houver conscientização por parte de todo o sistema educacional, de suas lacunas e negligências, e que seus membros assumam seus papéis com firmeza e autonomia, para atingirmos um patamar satisfatório na educação, continuaremos a desencadear o processo do fracasso escolar.

            Notadamente, podemos afirmar, da mesma forma, que o comprometimento efetivo da sociedade como um todo, subsidiada por uma escola democrática e competente, juntamente com um governo atuante promove o alcance da difícil meta de vivermos numa sociedade justa e igualitária que, no caso deste estudo, pode ocorrer também a partir da escola, de seus professores e alunos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

No presente estudo, tivemos o propósito de analisar a lógica do Fracasso Escolar: Mecanismos de Rejeição entre Aluno/Escola e a Formação de Professores com base em fundamentos teóricos que tratam da questão de maneira crítica e comprometida com a melhoria da educação escolar.

Neste contexto, buscamos realizar análises sobre causas desencadeadoras do fracasso escolar, ancorado na evasão e na exclusão de alunos da escola, o que proporcionou perceber suas conseqüências e seqüelas, assim como compreender que o aluno, principalmente na fase inicial da escolarização, torna-se alvo fácil de manipulação de um sistema de educação que muito pouco tem feito no sentido de, pelo menos, minimizar esta situação.

Ao tentarmos estabelecer um diálogo entre os autores, constatamos que vários deles estão engajados na luta em prol de reverter o quadro existente no que tange à evasão e à exclusão escolar no Brasil. E este é, sem dúvida, um ponto extremamente positivo.

O estudo dos mecanismos de rejeição entre aluno/escola, como fator a concorrer para o fracasso escolar, possibilitou perceber a complexidade que envolve o processo educacional brasileiro, na primeira fase do Ensino Fundamental. Um destes mecanismos, segundo SOARES (2000, p. 5), “encontra-se no fato de a escola legitimar as desigualdades sociais”. Outro mecanismo foi pontuado por CECCON (1984, p. 10):   “ninguém está contente com a escola, nem alunos, nem professores e menos ainda os pais”. De acordo com Mello (apud PATTO, 1990, p. XI), “a escola está fora da realidade do aluno”. E MACEDO (2000, p. 21) assevera que, “Na escola da excelência, mesmo que todos sejam chamados, poucos serão os escolhidos”.

Procuramos, também, discorrer, com base no ponto de vista de autores e professores atuantes, sobre a estagnação pedagógica: uma questão que favorece a exclusão. Questionamos a respeito de algumas mudanças introduzidas no âmbito educacional sem um estudo substancial prévio por parte dos envolvidos no processo.

A partir do raciocínio de SOARES (2000, p. 17), foi possível constatar que a língua utilizada na escola é um dos fatores que mais concorre para a discriminação contra os alunos das classes populares, “levando-os à exclusão e, conseqüentemente, ao fracasso”.

Tivemos o propósito de discutir, criticamente, a cerca do papel da escola na lida cotidiana com o fracasso escolar. A escola não é isolada de uma sociedade que a contemple, contudo, saber disso, não a isenta de desempenhar, com mais compromisso, ações pedagógicas que confrontem a evasão, a repetência, a exclusão, enfim, o denominado fracasso escolar.

Intentamos, ainda, entender em que aspectos a formação do professor pode contribuir com a melhoria do processo educativo, pois, consoante KAMII (1990, p. 122), “a capacidade de refletir é deixada de lado em todo o sistema de educação, do começo ao fim”. Se assim é, como implementar uma práxis transformadora?

Em síntese, o presente estudo propiciou aprofundar conhecimentos que envolvem a complexidade do processo escolar. Seria mesmo um fracasso de alunos, de professores, ou mesmo de escolas, o que tem acontecido? Ou poderíamos entender que se trata, para, além disso, muito mais de uma negligência social, política e econômica do Estado e também do sistema educacional, como um todo, a ele atrelado?

Estudos como este, imprescindivelmente, nos levam a refletir, com mais ênfase, sobre a educação de qualidade e buscar alternativas para melhorá-la, não de modo ingênuo, mas compromissado com estudos e uma prática pedagógica que seja, também, política e democrática. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BENCINE. Roberta. Vergonha Nacional. In: Revista Nova Escola: Como acabar com o drama da repetência. Ano XV, n. 137,  nov/2000, p. 16 - 22.

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