UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

 

 

 

 

 

 

  EDUCAÇÃO INCLUSIVA : UMA “CONQUISTA LEGAL”

 

 

 

 

 

 

ALESSANDRA ALMEIDA PEREIRA

 

Goiânia, 2003.

 

 

 

 

 

       A Legislação Brasileira que assegura educação às pessoas portadoras de necessidades especiais  é  recente.  Por muito tempo, poucas ou nenhuma lei a ela se referia. Tomando por referência o panorama da educação no Brasil  desde o período colonial, percebe-se que os motivos econômicos sempre direcionaram as finalidades da  educação. 

         A  educação  jesuítica, primeiro movimento oficial de educação no Brasil, objetivava a conversão dos indígenas ao catolicismo para servirem aos interesses dos colonizadores. Aos jesuítas também foi delegada a educação dos filhos dos colonos, já que eram os educadores existentes na época.  Atendem-se assim a diversos interesses, principalmente os econômicos, da classe economicamente privilegiada. Vale lembrar que a educação que era oferecida aos indígenas pelos jesuítas não tinha o intuito de respeitar seus valores e costumes, mas, incorporar os valores dos colonizadores aos seus, para que eles pudessem servir de mão-de-obra.

        Mas, e os alunos portadores de deficiência?  Havia lugar para eles? Com a Constituição do Império (1824), ficou assegurado, ao menos  legalmente, a "(...)instrução primária gratuita para todos os cidadãos”. Jannuzzi(1985) cita  que em 1600, período do Brasil Colônia, havia o atendimento de deficientes físicos em uma instituição particular junto à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, em São Paulo. E, registros de referências a esse tipo de educação  está na criação no Rio de Janeiro, em 1854, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, e em,1856, o Instituto Nacional de Educação dos Surdos que, posteriormente, foram denominados de Instituto Benjamim Constant e Instituto Nacional de educação dos Surdos .     

         Há referências legais aos portadores de necessidades especiais  no decreto n° 3281 de 23 de janeiro de 1928. Essas referências  têm  caráter preconceituoso e segregativo ao se referir aos portadores de necessidades especiais como pessoas anormais,  retardadas, instáveis e pré - delinqüentes. E, no que se refere aos portadores de necessidades especiais, de acordo com SOMBRA:

 

“ O decreto n° 3281 de 23 de janeiro de 1928, do Rio de Janeiro, Distrito Federal, então, instituiu normas relativas à instalação de escolas especiais para educação de anormais, de retardados ou instáveis e pré - delinqüentes, isto é, crianças de desenvolvimento intelectual e  moral     abaixo    do   nível   de  sua idade”                        (1928, p.48).

 

        Em 1932, publicou-se o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Documento liderado em sua elaboração  por Fernando Azevedo e mais 26 educadores brasileiros. Este  manifesto  fundamenta-se no direito de educação a  todos, “(...)reconhecendo que todo indivíduo tem o direito a ser educado até onde permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social” ( Brasil : 1932 ) já que

 

 “(...)o momento histórico pedia, pois, que a educação se convertesse, de uma vez por todas, num direito, porque, na verdade, ela é um direito biológico do ser humano e, como tal, deve concretizar-se e, para tanto, deve estar acima de interesses de  classe. Enfim, ela deve vincular-se efetivamente ao meio social, saindo a escola de seu secular isolamento”(Romanelli :1997, pág.146).

 

         Era reivindicado, também, uma “escola única” e pública  como meio de se atingir uma formação e educação  idênticas,  sem que nenhuma classe seja mais privilegiada que outra, assim sendo, reivindicavam uma

 

“(...)escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que nessa idade, sejam confinadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos” ( Brasil : 1932 ).

 

        A  isso, soma-se  a  laicidade,  gratuidade,  obrigatoriedade  para que se tenha a escola única que era  proposta pelo Manifesto.

        A reivindicação do Manifesto foi atendida através da Constituição de 1934. ficou assegurada a educação como um direito de todos. Essa educação deveria permitir liberdade de ensino em todos os graus e ramos, comuns e especializados. Mas, não há evidências de que o termo “ todos” se refira às pessoas portadoras de necessidades especiais. O Art. 150 se refere à  “(...)limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento”, evidenciando um empecilho a mais ao acesso à escola pelas pessoas portadoras de necessidades especiais antes mesmo de seu ingresso na escola.

                                A Constituição de 1937 pouco alterou esse quadro, não havendo registro de medidas que facilitassem ou garantissem o acesso à escola por pessoas portadoras de necessidades especiais. Assegurava-se o oferecimento de uma  “(...)educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais”(Art, 129). O que poderia ser, indiretamente, uma leve referência às pessoas portadoras de necessidades especiais. Porém,   ações     concretas   para     uma    mudança    no    atendimento    aos alunos  portadores  de  necessidades  especiais  não  se  efetivaram.  O  Art. 132 prescreve que                                                

                                                       

                                                        “O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da nação”.

 

O termo “adestramento físico” tem caráter segregativo e discriminatório, principalmente aos portadores de deficiência física, já que eles apresentam limitações físicas em diferentes graus, o que pode levar a uma  possível limitação para realização plena de atividades físicas. 

         Em 1942, foi instituída pela Lei Orgânica do Ensino Secundário a Reforma Capanema, mediante o decreto-lei nº 4244 de 9 de abril de 1942. Seu conteúdo deixa claro a  preocupação com um ensino patriótico, humanístico e de preparação intelectual geral dos adolescentes. Segundo ROMANELLI, “(...)a lei nada mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático” (1997, p.157), além de ter como único objetivo: “(...)preparar para o ingresso no Ensino Superior” (1997, p.158), dando continuidade ao processo de seletividade que havia sido acentuado com a Reforma do Ensino Superior :  Reforma Francisco Campos(1931).

        Apesar de não haver referências específicas à educação especial na Constituição de 1946, fica assegurado através do Art. 172  que “(...)cada sistema de ensino terá obrigatoriamente  serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar”. E, constitucionalmente, fica  proibido “(...) criar distinção entre brasileiros” (Art. 31)  já que  “todos são iguais perante a lei” ( Art. 141 § 1°).

 

        Toda essa falta de amparo legal aos portadores de necessidades especiais contribuiu, de certa forma, para a criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1932) e da  APAE(1954).

        Então, em 1945, com a missão de “Contribuir para a melhoria da qualidade de vida, através de ações que valorizam o ser humano”, a educadora Helena Antipoff  fundou a  Sociedade Pestalozzi do Brasil na cidade do Rio de Janeiro. Os serviços prestados baseam-se em três ações distintas e complementares : a assistência médico-social, a assistência educacional aos portadores de deficiência e a formação de recursos humanos.  Sociedade Pestalozzi atende

 

“(...)a uma demanda de atenção multidisciplinar de pacientes de todas as idades,os serviços de reabilitação geral são disponibilizados à comunidade em geral e, em especial aos alunos da Escola (CEHA), sob forma individual ou de grupo. Com uma proposta inclusiva, o CEHA( Centro Educacional Helena Antipoff) educa crianças na sua Unidade de Educação Básica – a Escola – e profissionaliza jovens no seu Centro de Educação Profissional, além de formar técnicos de Enfermagem através da sua Unidade de Educação Profissional Técnica”.( Pestalozzi : 2003).

 

        E, em 11 de dezembro de 1954, na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada primeira APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) do Brasil, dando origem ao movimento que se estende hoje há mais de duas mil APAEs distribuídas pelos municípios do Brasil.  O surgimento da APAE pode ser considerado como um exemplo de iniciativa não governamental para atenuar a carência de atendimento especializado que os portadores de deficiência mental necessitam e que não era ofertado pelo poder público. A  APAE tem como princípio fundamental

“(...) a defesa dos direitos constitucionais do deficiente.A nossa missão consiste em prevenir a deficiência mental, facilitar o bem estar e a inclusão social de seus portadores. O que significa incluir? Significa poder participar de todas as coisas das quais nós, os chamados normais, participamos. Significa possibilitar que os deficientes mentais tenham acesso a tudo aquilo que torna o ser humano feliz. Significa caminhar junto com eles e ver a pessoa, o cidadão, e não a deficiência” (APAE: 2003).

 

         A  APAE não considera a deficiência mental como uma característica absoluta já que

“ (...) o portador de deficiência mental não tem alterada a percepção de si mesmo e da realidade, e é, portanto, capaz e tem o direito de decidir o que é melhor para ele. Quando a percepção encontra-se alterada, a condição é denominada doença mental, tratando-se de um quadro totalmente diferente da deficiência mental” ( APAE : 2003 ).

 

         Mas, no sistema público de ensino : “(...)a educação especial só foi assumida pelo poder público em 1957 com a criação das ‘Campanhas’ que eram destinadas especificamente a cada uma das deficiências” (Mantoan: 2002, pág. 2). Analisando o título de uma destas campanhas, a “Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro”, podemos perceber o caráter assistencialista em detrimento do inclusivo, agravando ainda mais a segregação social das pessoas portadoras de necessidades especiais.

        Em 1960, o  Decreto no 48961 instituiu a CADEME (Campanha de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais) para o “(...)treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças ‘retardadas’ e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo”(Legislação: 2003, pág.5). Nesse mesmo ano, o Plano Nacional de Educação levantou recursos através do Fundo Nacional de Ensino Primário  para a educação de “excepcionais” e bolsas de estudos, preferencialmente para assistir crianças deficientes de qualquer natureza. Foram destinados 5% para os “excepcionais”, caracterizados como

“Os mentalmente deficientes, todas as pessoas fisicamente prejudicadas, os emocionalmente desajustados bem como os superdotados; enfim todos os que requerem consideração especial no lar, na escola e na sociedade” (Legislação:  2003, pág 5).

 

        No ano de 1961 há referências à  educação de pessoas portadoras de necessidades especiais  como ‘Educação de Excepcionais’, através da Lei Nº 4.024/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Essa educação  deverá “(...) enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade ”( Art. 88). Sendo que se toda iniciativa privada “(...)relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento  especial  mediante  bolsas  de  estudo, empréstimos e subvenções”( Art.89). E, segundo o documento da Universidade Federal de Ouro Preto, era clara “(...)a intenção de transferir para a iniciativa privada o compromisso do atendimento aos chamados ‘alunos especiais’. Um dado importante a ser ressaltado é o fato de que a grande maioria dessas instituições especializadas pertencia à rede particular, deixando transparecer uma intenção de transferência de responsabilidade, por parte do Estado, para a sociedade civil no tocante à criação e à gestão dessas entidades” (Legislação:2003, pág.5). E, ainda, segundo o Art. 30  

 

“ Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta em estabelecimento de ensino, ou de que está sendo ministrada educação no lar.

Parágrafo único: Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei:

          a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;

b) insuficiência de escolas;

c) matrículas encerradas;

d) doença ou anomalia, grave, da criança”.

 

        Em 1964, apesar da recomendação da ONU(Organização das Nações Unidas) de substituição do termo “excepcional” por “portadores de deficiência”, o Decreto Presidencial nº 54188 institui a Semana Nacional da Criança Excepcional. Durante  os dias 21 a 28 de agosto, todos os municípios deveriam “(...)buscar despertar a atenção da sociedade para os problemas que os deficientes enfrentavam” (Legislação: 2003, pág.7).

        Nota-se a ausência de referências diretas à educação de pessoas portadoras de deficiência  na Constituição de 1967, apesar de já  estar presente na Lei Nº 4.024/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. É assegurada a assistência educacional a alunos com dificuldade de ‘eficiência’[1] escolar, mas não de assistência às pessoas portadoras de necessidades especiais. Assegura-se também  a igualdade de oportunidades .

        A Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, em seus Art.168 e Art. 169, institui a educação como um direito de todos e a obrigatoriedade de serviços de assistência educacional oferecidos em cada sistema de ensino. E, o Art. 175, § 4º, instituiu a “educação dos excepcionais”. Com isso, o Art. 168 vem reafirmar a Constituição de 1934, no sentido de assegurar a educação como um direito de todos. Tem-se a primeira referência oficial sobre a  Educação Especial em uma Constituição Brasileira.

        A  Lei 5.692 de 1971, que fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, dispõe sobre os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os quais devem receber ‘tratamento especial’(Art. 9º). Fica assegurado aos alunos necessitados,  pelo  Art. 62,  condições de eficiência escolar. E o Art. 4º assegura que

 

  “Os currículos do ensino de 1º e 2º graus terão um núcleo comum obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos”.

 

       Na Constituição de 1988 fala-se de ‘atendimento educacional especializado’ a pessoas portadoras de necessidades especiais (Art. 208), que deve se dar preferencialmente na rede regular de ensino. Tem como  princípio a “(...)igualdade de condições e acesso e permanência na escola” (Art. 206), sendo dever do Estado garantir o “(...)acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”(Art. 8,V). A Constituição Federal não utiliza adjetivo de caráter excludente, como aconteceu nas legislações anteriores, logo, nenhuma escola pode excluir ou negar o  ingresso de alunos baseando-se em  origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência. Os dispositivos anteriores seriam suficientes para a impossibilidade de negação de acesso à escola a qualquer pessoa com deficiência. Mas o argumento seguinte é sobre a impossibilidade prática disso, notadamente diante da deficiência mental. A garantia de educação presente na Constituição Brasileira, em seu Art. 205, deve ocorrer efetivamente para todos e em um mesmo ambiente, podendo ser o mais diversificado possível “(...) como forma de atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania” (Brasil: 2003, p.8).

        A década de 90 é marcada pela acentuada preocupação, em nível mundial, ao direito à cidadania das pessoas portadoras de necessidades especiais. Foram realizadas inúmeras convenções, resultando em declarações como tentativa de assegurar o direito à cidadania das pessoas portadoras de necessidades especiais. O Brasil Foi levado a se posicionar frente a essas pressões internacionais, sendo signatário de muitas destas declarações. Não significando que as recomendações internacionais estivessem sendo efetivamente realizadas.

        A partir da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em 1990, a UNESCO elaborou as chamadas "seis metas da educação para todos". Dentre as seis metas, destaca-se: “(...) Expandir e melhorar a educação e cuidados com a infância, em particular para as crianças em situação de vulnerabilidade” (UNESCO,2003).

         No ano de 1994, duas declarações internacionais tiveram um importante papel para a sociedade mundial : a  Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e a “Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial”. Com a  Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1994,  proclamou-se internacionalmente os direitos de todas as pessoas, sem nenhum tipo de distinção. Do que foi proclamado pela assembléia, vale ressaltar  os  Artigos :

“Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização (...) direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXVI - A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da  personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz ”

( Cf. DUDH : 1994).

 

        Já a “Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial” de 1994, discutiu de forma ampla a educação especial. Essa declaração foi elaborada na cidade de Salamanca, Espanha, em 1994. Reuniram-se 88 governos e 25 organizações internacionais, resultando na “Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial”. Visando oferecer em caráter de urgência educação para crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino, congregou serem necessários esforços, investimentos e prioridade política para a adoção do princípio de uma educação inclusiva. A Declaração de Salamanca afirma que

 

“O direito de cada criança à educação é proclamado na Declaração Universal de Direitos Humanos e foi fortemente reconfirmado pela Declaração Mundial sobre Educação para todos. Qualquer pessoa portadora de deficiência tem o direito de expressar seus desejos com relação às sua educação, tanto quanto estes possam ser realizados. Pais possuem o direito inerente de serem consultados sobre a forma de educação mais apropriadas às necessidades, circunstâncias e aspirações de suas crianças”(Salamanca : 2003).

 

        No dia 13 de maio de 1996, período do governo Fernando Henrique Cardoso, foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos. Programa elaborado pelo Ministério da Justiça e organizações da sociedade civil  como tentativa de  atender às  recomendações da Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), dentre elas: remover os entraves à cidadania plena, que levam à violação sistemática dos direitos, visando proteger o direito à vida e à integridade  física;   o  direito  à  liberdade;   o  direito  à  igualdade perante a lei (Cf. Itamaraty, 2003).

        A LDB atual, Lei 9.394 / 96, em seu Capítulo V,  trata do acesso à escola de pessoas portadoras de necessidades especiais através de uma ‘educação especial’, o que contradiz a Constituição Federal de 1988, já que admite a substituição do ensino regular pelo “ensino especial”. O Art. 58 prescreve que “(...)entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”(Cury, 2002). A Constituição Federal prevê Atendimento Educacional Especializado (como um instrumento necessário à eliminação de barreiras que as pessoas portadoras de necessidades especiais encontram em seu cotidiano) e não Educação Especial. Assim sendo, “(...)a utilização de métodos que contemplem as mais diversas necessidades dos estudantes , inclusive as eventuais necessidades especiais, pelo próprio conceito de EDUCAÇÃO, deve ser  regra no ensino regular e nas demais modalidades de ensino” (Brasil: 2003, p.9). Fica previsto pela LDB , Lei 9.394 / 96,  “educação especial para o trabalho” aos educandos com necessidades especiais (Art. 59).

        Em 1998, foram realizados o Congresso Internacional sobre Superdotação (Brasília, 26-29 de Agosto de 1998) e III Congresso Íbero-Americano de Educação Especial( Foz do Iguaçu, 4-7 de Novembro de 1998), com o apoio da UNESCO. A   parceria entre MEC e UNESCO tem como objetivo principal “(...) integrar o aluno portador de necessidades especiais ao sistema regular de ensino” (UNESCO, 2003), como tentativa de atender às pressões internacionais.

         Outro documento tem grande importância aos portadores de necessidades especiais : a Convenção da Guatemala (Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência). Sua importância está no fato de se discutir internacionalmente os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais, além de  colocar em questão maneiras de assegurar que elas não sejam discriminadas.

        A Convenção da Guatemala (Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência), realizada no ano de 1999,  da qual o Brasil é signatário, aparece como nova legislação posterior a LDB, revogando as disposições anteriores que lhe são contrárias. Além do que, o Decreto n. 3.956, de 2001, reforçou a legalidade da Convenção, sendo assim, a Convenção torna-se um instrumento em favor das pessoas portadoras de necessidades especiais , deixando claro que diferenciação com base na deficiência, exclusão, restrição baseada na deficiência anterior, presente ou passada constitui-se como crime, sendo permitida somente para promover a integração social ou o desenvolvimento de pessoas portadoras de necessidades especiais não constitui discriminação, desde “(...)que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência” (Art. I, nº 2,"b"). E, ainda, de acordo com a Convenção da Guatemala, a escola não pode mais se intitular de especial, já que o termo configura em diferenciação. E, as escolas que ainda utilizam esse termo devem rever seus estatutos. A máxima “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais” trazida pela Convenção da Guatemala é aceita desde que permitam “(...)o acesso ao direito, e não para negar o exercício dele” (Brasil, 2003, p.13), sem que a pessoa seja obrigada a aceitar. O conteúdo da Convenção da Guatemala demonstra uma acentuada preocupação em recuperar o direito à cidadania e ao respeito que sempre foi negado aos portadores de necessidades especiais. Vale lembrar o conceito de  deficiência presente nessa Convenção 

 

”(...)uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (Convenção : 2003). 

 

        Um aspecto da Convenção de Guatemala que merece atenção é o que diz respeito ao papel do Estado. Entende-se que a intervenção do Estado é extremamente necessária, cabendo ao Estado prevenir, detectar e intervir precocemente para que a deficiência não se agrave, e até mesmo, nem chegue a prejudicar o desenvolvimento do indivíduo, garantindo maior independência e qualidade de vida aos portadores de necessidades especiais. Fica estabelecido ao Estado o papel de sensibilizar e conscientizar a população para se eliminar preconceitos. A Convenção deixa claro  o papel ativo do Estado  na construção da cidadania dos portadores de necessidades especiais.

        Outro aspecto significativo e até mesmo inovador é o fato de conceituar deficiência como “restrição física, mental ou social, de natureza permanente ou transitória”. Logo, acredita-se que o portador de necessidades especiais pode superar sua situação de deficiente se diagnosticado precocemente e se tiver acesso à intervenção necessária para a superação ou atenuação da deficiência que possui. Vale  lembrar ainda que, em 2003, a Convenção da Guatemala foi utilizada como referência pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão  para a elaboração de uma cartilha intitulada “O acesso de pessoas com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino”( Cf. PFDC:2003). O objetivo da cartilha é divulgar conceitos e diretrizes mundiais de inclusão escolar das pessoas portadoras de necessidades especiais às classes de ensino regular. O enfoque é voltado às crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais “(...) porque são os mais vulneráveis em razão da não adaptação arquitetônica e pedagógica das escolas em geral”( PFDC:2003, p. 5). Ainda

“(...) o que se defende é uma EDUCAÇÃO ministrada com a preocupação de acolher a todas as pessoas, sem preconceitos de qualquer natureza e sem perpetuar as práticas tradicionais de exclusão, que vão desde as mais odiosas discriminações, até uma bem intencionada reprovação de uma série para outra”( PFDC:2003, p. 5).

        Como já foi dito, o Brasil é signatário da Convenção de Guatemala . Sendo assim, toda a legislação anterior a essa convenção fica revogada. O que vale dizer que o que deve prevalecer é o que ficou estabelecido por essa convenção. Além do que a legislação que se refere à educação de pessoas portadoras de necessidades especiais é a LDB (Lei 9.394 / 96), e essa legislação contradiz em muitos aspectos significativos a Convenção da Guatemala( Cf.Tabela 1).

 

TABELA 1 – ASPECTOS  CONTRADITÓRIOS

LEI 9.394 / 96

CONVENÇÃO DA GUATEMALA

a Admite a substituição do ensino regular por uma educação “especial”

a Oferecimento educacional a todos somente na rede regular  de ensino

aTrata de “educação especial para o trabalho” àqueles que não revelarem condições para competir no mercado de trabalho

aPrevê intervenção precoce, tratamento , reabilitação e formação ocupacional para garantir o melhor nível de independência e de qualidade de vida das pessoas portadoras de necessidades especiais

aAdmite a não-integração dos portadores de necessidades especiais à rede regular de ensino(deficiência como natureza permanente)

aConceitua deficiência como “restrição física, mental ou social, de natureza permanente ou transitória

aAdmite a diferenciação entre as pessoas, já que pode haver dois tipos de ensino para dois tipos de pessoas : o regular e o especial

aConceitua discriminação como    diferenciação, exclusão ou restrição” baseada em deficiência ou antecedente de deficiência”

 

        Apesar do  caráter favorável aos portadores de necessidades especiais e de seu valor constitucional, a Convenção da Guatemala não vem sendo cumprida. Além do que, o termo  “Educação Especial” ainda é usado com freqüência, sendo comparado e até confundido com o atendimento educacional especializado[2]. Percebe-se, também, que as preocupações acerca da educação oferecida aos portadores de necessidades especiais, de caráter inclusivo, partem, principalmente, de instituições não-governamentais. Com isso, concluímos que durante o período  do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002 ), a Educação Inclusiva não foi tratada com a merecida atenção, apesar de  os Estados Partes, segundo o ARTIGO VI da Convenção da Guatemala,  incluindo o Brasil, terem se comprometido,  a partir de 1999,  a:

                         

                             “1 – Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade(...).

2 – Trabalhar prioritariamente nas seguintes áreas:

a)    prevenção de todas as formas de deficiências preveníveis;

b)    detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação, formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas portadoras de deficiência; 

c)  sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, esteriótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiências”.

 

        Poderíamos pensar que a solução para que tenhamos de fato uma educação inclusiva seria a imposição de leis claras, que dariam um amparo legal aos projetos de inclusão escolar. É certo que projetos e legislação inclusivos são necessários, mas, a falta desses não justifica o baixo número de escolas inclusivas, aquelas que realmente acreditam que todos alunos têm os mesmos direitos. Além do que, por mais bem elaborada que seja, essa legislação inclusiva  dificilmente conseguirá abranger toda a problemática vivenciada pela escola. Segundo Machado

 

“(...)Não se pode duvidar, é claro, da necessidade da existência de planos de ação, não só na área da educação, como também para a da saúde, para a da habitação etc...bem como uma legislação atualizada, que constitui a dimensão objetiva dos limites das ações políticas. Entretanto, a dependência tão direta entre projetos e planos de ação, entre planos e leis que os viabilizem não parece natural nem convincente. No caso da educação, carece-se muito mais de uma carta de princípios gerais...do que de planejamentos excessivamente minuciosos ou de alterações radicais na legislação em vigor”( Mantoan: 2001, p.37).

 

        Como exemplo de iniciativa bem-sucedida, citamos o Programa Escola Plural[3]. Suas ações baseiam-se na luta contra a promoção automática e o empobrecimento do conteúdo. A escola é considerada

 

   “(...) como criadora de situações de aprendizagem a partir do conhecimento prévio dos alunos e das alunas, promovendo a construção/articulação dos conceitos espontâneos e científicos. Essa construção baseia-se no exercício permanente de funções mentais ativadas pela necessidade, pelo interesse e desejo de aprender”

( Mantoan: 2001, p.37).

 

        Não há como impor valores de cidadania, de inclusão, de respeito. Não há nada tão anti-democrático do que a imposição . Valores são construídos historicamente e através de exemplos bem-sucedidos em nossa sociedade, que é dinâmica, e seu dinamismo não permite imposições.

        A sociedade tende a se tornar cada vez mais inclusiva, em seu aspecto geral, já que não há como continuar escondendo as diferenças. A sociedade não é uniforme, sendo assim, as diferenças poderiam ser usadas como meio de melhorar a escola e a sociedade. A educação inclusiva  prepara o aluno e a turma toda para a vida em comunidade, com suas realidades, uma vez que não esconde

as diferenças, mas as valoriza. Então, as diferenças passam a não ser mais diferenças, mas  elementos constituintes da singularidade de cada um.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

 

APAE ( Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). http://www.apaesp.org.br/index2.html. Acesso em 09 de outubro de 2003

BRASIL. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. 1932.

_____. DECRETO-LEI Nº 4.244, DE 9 DE ABRIL DE 1942.Lei Orgânica do Ensino Secundário.

______. Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969

______. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, O acesso de pessoas com deficiência às classes e  escolas comuns da rede regular de ensino. Brasília. PFDC, 2003.

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[1] Eficiência   no   sentido  de  que  se  atinja   um  bom  aproveitamento  escolar.  Posteriormente,

através da  Lei  5.692 de 1971, que fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, em seu Art.10º,  instituiu-se  a  obrigatoriedade do Serviço de Orientação Educacional(SOE) nas escolas.

[2] Instrumentos para  melhor atender às necessidades específicas dos alunos portadores de necessidades especiais, como tentativa de eliminar barreiras que os impede de se relacionarem com os outros alunos,  como: LIBRAS e Braille.

[3] Projeto Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Belo Horizonte, que se baseia na busca de uma escola democrática e igualitária a todos.