PEDAGO-VIDA: A AVALIAÇÃO E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Professoras*
Ms Amone Inácia Alves
Ms Delaine S. S. Álvares
Ms Fátima Cristina de Oliveira
Nas últimas décadas do século XX diversos debates tiveram espaços nas Faculdades de Educação, nos Encontros da área, nos âmbitos políticos e legais a fim de apresentar à sociedade uma proposta de Educação significativa, sintônica[1] e sobretudo, relacional diante dos múltiplos aspectos constitutivos que envolvem a aprendizagem do ser humano.
O Curso de Pedagogia da Universidade Salgado de Oliveira vêm historicamente ao longo de vinte e sete anos dedicando-se à formação do pedagogo, buscando sempre acompanhar as orientações normativas para a academia e para o exercício da docência. Em um processo permanente de mudanças o curso foi (e está), sendo (re) estruturado a partir das determinações das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n º 9394/96 e dos Pareceres e Resoluções posteriores, e também, a partir de uma atuação pedagógica em Rede de Saberes Contextuais consolidada pelo Campus da UNIVERSO em Uberlândia.
Em Goiânia, a equipe de professores do Curso de Pedagogia, está vivenciado a construção, construindo um movimento pedagógico contextual na compreensão dos Saberes, ou antes, está vivenciando uma Matriz Curricular em Rede de Saberes Contextuais. Ao nos entrarmos nesse barco não tínhamos a consciência do diâmetro, espessura e tamanho do “novelo” para tecer tal Rede, porque a teoria lida, relida, debatida e desejada por toda a equipe não contempla as dimensões peculiares do cotidiano e, que só a vivência pode revelar e “reteorizar” a dinâmica do conhecimento; como expõe Azevedo (2001: 60):
“A rede como metáfora, com seus fios, seus nós e seus espaços esgarçados, nos permite historicizar a nós mesmos, a nossos pensamentos e a nossos atos, se entendemos que nada surge do nada, que tudo, de alguma forma está ligado a tudo, aí incluídos os imprevistos, os acasos, os lapsos, as fraquezas. Se por historicizar entendemos puxar os fios, desenovelar, desdobrar as redes ou, ao contrário, enredar fios, a metáfora escolhida ajuda, como tantas outras usadas, a organizar os acontecimentos.”
Nesse fazer pedagógico caem as máscaras das teorias, conceituações, proposituras isoladas, ou sem o seu elo com a prática coletiva e individual do conhecer, do ser, do fazer, do refletir, do redimensionar, do (re) conhecer. Nesse sentido, o saber não é somente intelectualização, experimentação, memorização e concretização de informações. Contudo, além dos aspectos evidenciados nas muitas teorias acerca do conhecimento e como deve ser processado, o saber passa a ser investimento intencional, emocional, dialógico, vivencial, sincrônico.
A
proposta do ensino em Redes de Saberes
Contextuais preconiza processos de ensino e de aprendizagem complexos e
dinâmicos. Algumas vezes situações (fatos e fenômenos para sermos mais
técnicas), ocorrem quando ainda não temos instrumentos e referenciais adequados
para “fazer acontecer” e compreender a sua dinâmica. Tal trabalho que o curso
se propõe a realizar é
ousado, criativo e, acima de tudo, tem como desafio maior uma vontade de
construir um conhecimento mais próximo da realidade dos nossos alunos e professores.
Ao falar em redes referimos ao envolvimento e participação
de todos no processo e, neste sentido, o diálogo é o elemento básico. O
diálogo que propicia a informação, o
encontro e a compreensão. Contribui para
aparar asperezas, más interpretações, enfim, para facilitar a
aproximação entre as pessoas. Objetiva-se, com essa prática dialógica, um
processo de humanização da aprendizagem outrora esquecido pela racionalização
constante do conhecimento proposto pelo conteúdo disciplinar. Assim, é através
do diálogo e dessa convivência entre os pares
que se constrói o conhecimento e, na reconstrução de outras formas de
saberes resultantes desse encontro acontece aprendizagem.
Um dos grandes desafios da sociedade do conhecimento que historicamente não objetivou o diálogo é levar o aluno a articular, da melhor maneira possível, os valores de autonomia, liberdade e direito à diferença. Na acepção do Programa da UNESCO Aprender para o século XXI (Serrano, 2002), quatro pilares são destacados para atender a educação contemporânea e do futuro: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a viver juntos e aprender a ser. Em outras palavras, redimensiona a prática pedagógica na recuperação do diálogo na sala de aula, que propicia à cidadania, o respeito, à aceitação do pluralismo e da diversidade e à tolerância.
Cabe lembrar que na busca constante para se estabelecer modelos e modos de ensino pretendidos, tem sido freqüente, ao longo da história da educação, principalmente de algumas teorias da aprendizagem, o desprezo às diferenças, na medida em que se valoriza a formação da identidade individualista e padronizada do homem. Os pilares científicos sobre os quais a noção de identidade foi tradicionalmente concebida como por exemplo: racionalidade, auto-conhecimento e objetividade, nessa nova proposta educativa, dão lugar às categorias plurais e múltiplas, emergindo no saber em “redes” a diversidade de idéias e de culturas. Torna-se, dessa maneira, mais apropriado utilizar “identidades”, privilegiando o diálogo e a diversidade, a fim de tecer os fios da rede.
No século XX muito se falou da relação entre os processos de aprendizagem e de ensino respeitando a “realidade do aluno”. A educação envolvendo saberes contextuais tornou-se uma exigência, ao mesmo tempo em que foi também uma necessidade da própria sociedade, conforme apontou Suchodolski[2] , quando almejava unir educação e vida. Na busca do elo entre a educação e a vida aparece a dicotomia entre a idéia de homem tal como se pretende ser e a idéia do homem tal como é.
Como herdeiros de formação dessa racionalidade positivista, que limitou-se a uma visão linear e reducionista das múltiplas dimensões que intervêm nas situações educativas, ao organizar-se a partir de princípios descontextualizados, gerou orientações e diretrizes acerca dos processos de ensino cuja utilidade merece reflexões. A compartimentação entre os saberes deixou de privilegiar as finalidades educativas fundamentais:
“1) formar espíritos
capazes de organizar seus conhecimentos em vez de armazená-los por uma
acumulação de saberes (‘Antes uma cabeça bem-feita que uma cabeça muito cheia’,
Montaigne); 2) ensinar a condição humana (‘ Nosso verdadeiro estudo é o da
condição humana’, Rousseau); 3) ensinar a viver (‘Viver é o ofício que lhe
quero ensinar’ Rousseau, Émile); 4)
refazer uma escola de cidadania.”(MORIN, 2002:18).
Essa perspectiva humanizante proposta por Morin, resgata os princípios que devem nortear uma educação que não se proponha apenas a impor aos alunos um “conteudismo
disciplinar”, mas sugerir uma nova proposta de vida, que recupere também valores, atitudes e a subjetividade.
O trabalho no Curso de Pedagogia, ao fazer a tecitura das redes, busca congregar e integrar os diversos elementos para formar educadores humanizados, a partir dos componentes da prática educativa: o sujeito que se educa e o educador, o saber e o cotidiano, o conteúdo e a práxis . Na acepção de Libanêo (2002: 6), os níveis distintos da prática pedagógica requerem uma variedade de agentes pedagógicos e de requisitos específicos para o exercício profissional que um sistema de formação de educadores não pode ignorar. O mesmo autor volta o seu olhar para o processo de formação de educadores enfocando as variáveis de atuação:
“O
curso de Pedagogia deve formar o
pedagogo stricto sensu, isto é, um
profissional qualificado para atuar em vários campos educativos para atender
demandas sócio-educativas de tipo formal e informal, decorrentes de novas realidades
¾ novas tecnologias, novos atores sociais,
ampliação das formas de lazer, mudanças nos ritmos de vida, presença dos meios
de comunicação e informação, mudanças
profissionais, desenvolvimento sustentado, preservação ambiental ¾ não apenas na gestão, supervisão e
coordenação pedagógica de escolas, como também na pesquisa, na administração
dos sistemas de ensino(....)”(2002: 38-39).
O desafio de educar educadores fica muito além do domínio das técnicas, dos métodos e das teorias. Precisa manter-se em uma estrutura sempre renovável porque essa leitura nunca se finda. Urge um saber pedagógico para ser vivido mais do que transmitido. Aprendido em um diálogo atento, próximo de nossas vivências sucessos e frustrações.
A dimensão básica da ação educativa: aprender a ser, desenvolve-se no convívio com semelhantes e reveste-se em temporalidades do fazer-nos humanos, no convívio com sujeitos respeitados para expressar significados e aprender significados no convívio próprio de seu tempo cultural; no dizer de Arroyo: ¾ “O ofício que carregamos tem uma construção social, cultural e política que está amassada com materiais, com interesses que extrapolam a escola” ( 2000: 35). O “socialmente construído” na sala de aula aflora nos nossos sentidos, na nossa maneira de ver o mundo e no nosso jeito de aprender. Na formação de educadores, deve haver o entendimento que aquilo que aprendemos macula-se na nossa alma, dando-nos uma nova maneira de enxergarmos a realidade e transformarmos os espaços de convivência.
Na visão de Arroyo (1996), apesar do/a educador/a ter sido historicamente formado para lidar com o currículo imposto, normas singulares, métodos únicos, provas despersonalizadas e conteudistas, escola padronalizada e imposta a todos(as) e a tratamento reduzido dos processos de ensino-Aprendizagem-, tem havido, nas últimas décadas, sensibilidade para incorporar novas temáticas nas pesquisas, novos conteúdos e saberes nos currículos, novas fontes de informação, novas linguagens e novos processos de construção dos conhecimentos. Nessa perspectiva, acrescenta-se ao currículo conceitos antes impensados na academia, a exemplo do imaginário, entendido como um conjunto de significantes (imagens, palavras) com os seus significados (representações) que envolvem significações além do aparente, do concreto do que denominamos de real.
Conforme assinala Coll (1999) uma aprendizagem é significativa quando esta estabelece relações de sentido, fazendo com que o aluno seja capaz de relacionar entre o que já conhece, o que está por conhecer e o novo conteúdo que lhe é apresentado como objeto de aprendizagem.
A
universidade deve ter como parâmetro o princípio do que chamamos “academia em
conexão com a humanidade”, pois as suas produções devem ser resultado não
apenas da aprendizagem acadêmica, mas também da aprendizagem de atitudes e
valores. Com este intuito objetivamos que os saberes ampliem a convivência
democrática e as relações interpessoais em geral, aprendizagens que entrariam
nessa dimensão amplificadora da escola clássica, que chamamos de educação
integral.
O processo de avaliação da Rede de Saberes, para retomar a nossa reflexão central, vivenciado no Curso de Pedagogia da UNIVERSO, é o indicador mais pontual de um projeto que busca interligar as dimensões do saber, do ser e da historicidade do indivíduo. Perceber as pessoas, imersas nessas dimensões, como seres particulares, indivisíveis e ao mesmo tempo sócio-históricos, faz com que revisemos as possibilidades do fazer pedagógico. Deste modo, o trabalho docente é revisto para atuar de forma coerente, solidária, mais sensível e mais comprometida com a formação técnica, política e humana dos discentes.
A fim de que possamos alcançar as competências para pensar, sentir, realizar e fazer é o que constitui o centro da nossa proposta. Não é possível trabalhar com a idéia de Rede, senão houver uma disponibilidade para o diálogo, a integração e a busca de soluções em equipe. Assim, iniciativas individuais e individualizadas que visam contemplar ações isoladas são inviáveis pela própria característica do “tecer da rede”.
A especificidade da Rede de
saberes é o fato de ser humanista e
ecológica por natureza e por princípio. Quando uma equipe docente admite tais
características, é sinal de que essa equipe conseguiu superar o pensamento
analítico-mecanicista em que nós professores fomos formados. Nossa equipe está
engatinhando para introjetar uma série de postulações sobre a natureza humana e
as relações fundamentais para nossas vidas e de nossos aprendizes, já que é a
primeira experiência de todos os docentes .
O papel do/a educador/a nesse contexto, é educar educando-se. Isto é, produz o trabalho teórico vivenciando a prática educativa transdisciplinar, desenvolvendo-a a partir de diferentes formas de diálogos e acompanhamento na dinâmica da sala de aula e fora dela. O trabalho docente no movimento avaliativo em Rede de Saberes Contextuais, possibilita a aprendizagem transdisciplinar, ou melhor, aprendizagem transcontextual, conectada com o ego, com os desejos, com as intenções, com os gostos das pessoas, ou seja, com as representações gerando encorajamento para o uso consciente das estratégias desencadeadoras da matética[3].
Compreendendo tal perspectiva, temos experenciado
um processo avaliativo complexo e apaixonante, difícil e prazeroso, inovador
mas carregado de contradições e amarras de um Sistema de Ensino pesado,
burocrático, lento e descompassado com o ritmo do cotidiano educacional. Esse
contexto reforça a turbulência e angústia de reivindicarmos uma proposta
educacional inovadora, mas ao mesmo tempo convivermos com uma cultura de
formação conservacionista de nossas escolas que ainda
mantêm uma organização de espaços, tempos e conhecimentos que não respondem a
essas necessidades básicas para uma outra forma de organização do conhecimento.
A contradição reside em um outro fato
curioso: a solicitude dos alunos e dos professores em uma outra forma
avaliativa e postura didática, ao mesmo tempo em que têm grandes dificuldades
em lidar com a situação de participar de uma proposta que contempla a avaliação
de sua postura não somente intelectual, mas de atitudes como um todo.
Delval (1998) observa que freqüentemente as Instituições Universitárias não elegem como objetivo primordial a integração dos conhecimentos científicos com aquilo que o aluno aprende fora dela, o que cria contradições e desajustes entre o saber escolar, o saber extra-escolar e a engrenagem institucional.
O processo de avaliação vivenciado no Curso de Pedagogia tem exigido uma
reflexão sobre a profissão docente, o processo de avaliação e a
responsabilidade de formar educadores.
Os (as) profissionais passam a se envolver com a “realidade” do (a) aluno (a),
compreendendo suas necessidades, limitações e possibilidades para a construção
do saber. Nós, professores nos aproximamos e interagimos no afã da melhoria
metodológica, maximização e otimização das ações pedagógicas; o processo
pedagógico é mais trabalhoso, contudo com mais prazer e mais comprometimento
com o sucesso acadêmico dos discentes.
Pensar e fazer a avaliação ao mesmo tempo, implica pontuar algumas
questões: a) avaliação nesse entendimento é
um processo cotidiano evidenciando situações que marcam a história acadêmica do
aluno e também do professor; b) o processo do como aprender não é único e
acabado e, para tanto, existem
metodologias e ambientes diversificados, assim como a participação efetiva dos
sujeitos que interferem na aprendizagem; c) o envolvimento de todos os
contextos e de todos os professores dos períodos é a premissa fundamental para a construção das habilidades
técnicas, cognitivas, políticas e
humanas (valorativas).
A responsabilidade de formar
educadores perpassa a nossa condição de seres humanos, entendendo que a ciência
não tem todas as respostas e aquelas ditas dadas devem ser repensadas. É ter
ciência da necessidade de aceitar que nós e nossos alunos temos uma
inteligência espiritual além da outras inteligências. Na acepção que lhe dá
Cury (2003:112):
“A
ciência, através do seu orgulho débil, desprezou a eterna e incansável procura
do homem pelo sentido da sua vida. Agora, estamos entendendo que o
desenvolvimento da inteligência espiritual por meio da oração, meditação e
busca de respostas existenciais aquieta o pensamento e apazigua as águas da
emoção. Embora haja radicalismos (...), procurar por Deus, conhecê-lo e amá-lo
é um ato inteligentíssimo. O amor do ser humano pelo Autor da vida produz força
na fragilidade, consolo nas tempestades, segurança no caos.”
Precisamos então inaugurar um novo
momento educativo no qual a pessoa seja resgatada nas suas representações
sociais mais significativas. Partindo do pressuposto de que a educação deva
ocorrer em um espaço sem dilacerar vidas, sonhos e formações, mas conciliando
estes aspectos com a emergência de novas formas de formação intelectual, foi pensado o Currículo em Rede
de Saberes Contextuais. Sabemos que essa é uma experiência tímida diante de
séculos de conhecimento disciplinar, porém, configura um começo para o
aprofundamento que entendemos por ensinar e aprender.
Referência Bibliográfica:
AZEVEDO, Joanir Gomes de. A tessitura do conhecimento em redes. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa (org.). Pesquisa no / do cotidiano das escolas – sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 20001.
ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: imagens e auto imagens. Petrópolis: Vozes, 2000.
CANDAU, Vera Maria.(org). Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas. Petrópolis: Vozes, 2002.
COLL, César. (0rg). O construtivismo na sala de aula. 6ed. São Paulo: Ática, 1999.
CURY, Augusto. Dez leis para ser feliz: ferramentas para se apaixonar pela vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
DELVAL, Juan. Aprender a aprender. 2 ed. Campinas, Sp: Papirus, 1998.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 5 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MORIN, Edgar (org.). Jornadas temáticas - A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 2ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2002.
SERRANO,
Gloria Pérz. Educação em valores: como educar para a democracia. 2 ed. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
* Professoras do Curso de Pedagogia da Universidade Salgado de Oliveira, partícipes da experiência na Matriz em Rede de Saberes Contextuais.
[1] Educação sintônica apreende a sintonia com o ego, com desejos, com intenções e gostos das pessoas emanando prazer e alegria, em conhecer, em desvendar, em inventar.... em aprender.
[2] apud Libâneo, 1998, p. 78
[3] A arte de aprender por meio de conexões e significados.