A concepção de aprendizagem nos ciclos de formação – Algumas
aproximações e algumas lacunas em relação às idéias de Vygotsky e Davídov
Nilza Maria de Oliveira*
Resumo : O trabalho visa
apreender a concepção de aprendizagem em propostas dos ciclos de formação, a
partir de documentos oficiais de alguns estados brasileiros e da Secretaria
Municipal da cidade de Goiânia, buscando elementos de aproximação, mas também
algumas diferenças , em relação à psicologia histórico-cultural formulada por
Vygotsky e desenvolvida por Davídov.
Palavras chave : aprendizagem escolar, ciclos de desenvolvimento,
formação de conceitos, pensamento teórico.
Introdução
Iniciamos nossa discussão apresentando as idéias de Vygotsky sobre o
processo de aprendizagem, acrescentando a contribuição de Vasili Davídov, um
dos seguidores da teoria de Vygotsky, sobre a formação do pensamento teórico,
com o objetivo de tentar estabelecer uma comparação entre estas idéias e a
proposta teórica dos Ciclos de Formação. Saliente-se, todavia, que esta
comparação é um exercício de reflexão teórica, sem pressupor que as referidas
propostas estejam vinculadas, explicitamente ao referencial teórico desses dois
autores.
Consideramos que não podemos falar em concepção de aprendizagem, sem
antes refletirmos sobre o tipo de pensamento que se forma a partir de uma
determinada concepção do processo de aprender, pois o mesmo supõe uma visão de
mundo, de sociedade , de homem,etc... Além disso, tendo em vista que estamos
analisando um Sistema que está em construção, o Ciclo de Formação, faz –
se necessário compreender as
implicações teóricas que fundamentam estas mudanças em processo no âmbito
educacional
e suas conseqüências no âmbito
educativo .
_________________________________________________________________________
* Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Goiás
e professora da Rede Municipal de Goiânia,agradece a contribuição do seu
orientador professor Doutor José Carlos Libâneo.
Pressupostos para uma reflexão
O processo de desenvolvimento e construção do pensamento do aluno na
atualidade podem ser visualizados em caminhos que indicam o tipo de homem a ser
educado pela escola. Como diz Davidov (1986), a escola tradicional percorre o
caminho da lógica empírica e desenvolve no aluno o pensamento empírico, o que
inclusive sempre perpassou os muros desta, pois esteve e está presente na vida
cotidiana das pessoas. Entretanto , atualmente, a sociedade exige que a escola
ofereça um outro tipo de formação para
o aluno. E, sabendo que o aluno tem o seu pensamento construído na teia das
relações coletivas, que como Vygotsky
afirma, essa construção inicia – se antes de a criança entrar na escola,
compreendemos a dificuldade de se considerar a possibilidade de construção do
pensamento desta, oferecendo – lhe outras bases, que não a empírica.
Assim, é de fundamental importância reconhecermos que o pensamento dos atuais
professores formou-se dentro da concepção tradicional, ou seja, em bases
empíricas e que eles convivem numa sociedade fundamentada nestas bases, portanto, precisamos refletir sobre o processo de aprendizagem no ciclo
de formação, partindo desta realidade. São as condições reais de vida e de formação desses educadores que vão
oferecer a base para introdução das mudanças na concepção de aprendizagem no
meio educacional e, mais amplamente, no
sistema de ciclos.
Em função das características peculiares do mundo atual, especialmente aquelas ligadas à revolução
técnico–científica, muitos países estão tentando modificar tanto os conteúdos
quanto os métodos de ensino. Assim busca-se um tipo de educação que seja adequada para o cidadão do mundo atual, principalmente
considerando-se que não é mais possível uma educação meramente repassadora de
conhecimentos. Há que se pensar em práticas educativas voltadas para o
desenvolvimento das capacidades mentais. Surgem, pois, questões a resolver
nesse contexto, a principal delas é explicitada por Davídov (1998) que
pergunta: “Como desenvolver nos alunos
aquelas capacidades intelectuais que lhes permitam assimilar plenamente e em
seguida utilizar com êxito o que assimilou?”
De como a escola enxerga o processo de aprender, dependerá o seu êxito
ou o seu fracasso frente a novas
tarefas postas pelo mundo contemporâneo. O que temos em mente é que quando
estamos pensando revelamos como aprendemos e porque aprendemos o que aprendemos,
sendo que se pensamos com independência
, de forma reflexiva é porque nosso pensamento foi desenvolvido na perspectiva
da lógica dialética .
Certamente, a escola, antes de
tudo, precisa reconhecer que sua tarefa primeira é, sem dúvida, “ensinar os
alunos a orientar-se independentemente da informação científica ou de qualquer
outra.“ (Davídov,1988,p.3) Para este autor,
“aprender” é resultado de um ensino impulsionador do desenvolvimento, e
para isto, a escola deve organizá-lo de maneira que ajude o aluno a pensar,
decidir e refletir sobre suas condições sociais e econômicas.
O ciclo de formação e aprendizagem
A proposta de Sistema em Ciclos de Formação aparece no cenário nacional
brasileiro numa tentativa de se mudar a situação do ensino-aprendizagem, tendo
em vista todas as implicações e dificuldades decorrentes do sistema de
seriação. A organização do ensino por ciclos, segundo PIMENTA (2001,p.6), ”não
constitui uma novidade na história da educação brasileira, pois propostas de
ciclo já foram objeto de vivência e
experimentação nas escolas públicas em nosso País, desde as décadas de 70 e 80,
sendo as mais conhecidas o ciclo básico e o bloco único.” Como se sabe, o maior objetivo dos ciclos é a diminuição dos
índices de repetência e evasão escolar. Para entendermos melhor a proposta do
ciclo recorremos a BARRETO (apud Pimenta e outros,2001,p.6) que diz:
“O ciclo pressupõe a ordenação
dos conhecimentos (conteúdos escolares) em unidades de tempo maiores e mais
flexíveis, de forma a favorecer o trabalho com clientelas de diferentes
procedências, estilos e ritmos de aprendizagem, sem impedir que o professor e a
escola percam de vista as exigências da
aprendizagem postas para cada nível de ensino”.
“A concepção de ciclo é uma
noção pedagógica vinculada à evolução da aprendizagem de cada educando e à
avaliação de seus avanços e dificuldades. Contempla uma dupla preocupação:
trabalhar as especificidades de cada educando e organizar mais coerentemente a
continuidade da aprendizagem, tendo em vista uma perspectiva mais ampla e uma efetiva integração dos professores do
mesmo ciclo.”
Assim, o ciclo de formação pretende diferenciar–se, principalmente no
que diz respeito à concepção de aprendizagem. Esta se apresenta da seguinte
maneira na proposta da rede Municipal de Goiânia (SME,2002,p.4,9,10) :
“(...) Por isso, quando o eixo central da proposta pedagógica da
Secretaria Municipal de Goiânia é a formação integral do educando, ela só pode
optar por uma forma de organizar as atividades escolares que leve em conta os
diversos Ciclos de Desenvolvimento Humano porque passam os sujeitos e as
diferentes fases de formação do aluno.”
“(...) O fazer pedagógico pode contribuir para a formação
tanto de indivíduos unilaterais, alienados e acomodados à sua realidade, como
de sujeitos omnilaterais, críticos, participativos, que interferem em sua
realidade no intuito de transformá-la.
(...)Parte dos educadores desconsidera a condição de
sujeito dos alunos,
distancia-se de sua realidade e de suas necessidades, o que torna o espaço educacional algo monótono,
que tem a disciplina como um fim em si mesma.(...)” (p.09 e 10- Ações e
concepções)
A proposta parte do princípio
de que o aluno é sujeito na construção de sua aprendizagem e portanto deve ser
o foco de toda a atenção por parte de todos no Sistema de Ensino. E a escola
deve se organizar para que o coletivo se coloque à disposição da aprendizagem
do aluno com o objetivo de “criar
condições para que este cresça vivenciando e partilhando experiências comuns
aos de sua idade”. Nesta proposta, a aprendizagem ocorre num processo
mediado pelo meio cultural , aspecto evidenciado quando enfatiza que é “importante para nossas vidas a convivência com pessoas da
mesma idade, com as quais possamos partilhar, tanto as descobertas e
experiências quanto os segredinhos e as brincadeiras próprias da
idade.”(SME,2002,p.6)
Outra proposta de sistema
organizado em Ciclos de Formação é a da
Escola Plural de Minas Gerais, que de acordo com DALBEN (2000,p.59-60) assim se
apresenta:
“(...)Por
conseguinte, a abordagem da organização do
ensino por ciclos de formação adotada na Escola Plural muda o eixo
lógico do processo de escolarização. A
centralidade dos conteúdos a serem transmitidos é deslocada para a
relação dos sujeitos com o conhecimento e a sua capacidade de significar estes
conhecimentos.”
“(...)Nesta perspectiva, o professor buscará uma intervenção
conveniente e significativa para estimular aprendizagens e o desejo por novos
conhecimentos.”
“Com certeza uma criança de
sete anos é uma criança de sete anos, sendo bem diferente de um adolescente de
13 anos, mas as experiências vividas
por crianças de sete anos, em grupos sócioculturais diferentes serão bem diferentes
e isso, realmente será significativo na formação das identidades pessoais. Por
outro lado, crianças de mesma idade e de grupos sociais semelhantes são também
diferentes pelas suas capacidades e habilidades individuais.”
“Nesse sentido, será fundamental
na construção e organização do processo de ensino e aprendizagem a compreensão
desses aspectos. E , nessa perspectiva, o professor deverá articular três
âmbitos de conhecimentos para promover uma intervenção significativa.
1 – O
reconhecimento das fases de desenvolvimento dos alunos para a apresentação de
atividades adequadas ao grupo de iguais.
2 –
o reconhecimento de
características de ordem pessoal,relacionadas ao desenvolvimento de cada
aluno,enquanto um ser sujeito único,para um atendimento diferenciado;e ainda,
3 - o reconhecimento de experiências
sócioculturais desse grupo, para a compreensão das relações cognitivas que
podem ser estabelecidas entre o
conhecimento escolar e o conhecimento socialmente construído em suas vivências
anteriores (envolvendo valores, formas de enxergar o mundo, hierarquias, ideologias e preconceitos). ”
È possível perceber que nas duas propostas o foco da aprendizagem é
deslocado para o aluno, além de indicar outro aspecto importante para garantir
a nova forma de se conceber o processo de ensino e aprendizagem: a organização
do tempo escolar. Nos dois casos é proposta uma reorganização do tempo escolar
de forma a favorecer melhores condições de aprendizagens do aluno, porque,
ao final de um ano de estudo, não há
reprovação pois a aprendizagem é considerada um processo contínuo e não termina
porque terminou o ano. Possibilita-se, pois, ao aluno que continue avançando no
seu processo de aprendizagem sem interrupção.
De acordo com PIMENTA (2001,p.7) entre os aspectos positivos
apresentados pelo ciclo básico de alfabetização implantado no Estado de São
Paulo e outros estados, está a questão da mudança na concepção da aprendizagem:
ela enumera entre outros aspectos “a percepção da aprendizagem como processo, superando a visão
compartimentada e mecânica da seriação;
e a compreensão do processo de avaliação como forma de acompanhamento do
processo de ensino aprendizagem.”
Em São Paulo, como nos outros
estados, foram implantadas as mudanças de uma forma que é questionada pelos
professores, em que se queixam de sua não participação efetiva, apesar da
tentativas do governo ao “implantar a Jornada
Única do Trabalho Docente no Ciclo Básico.” Mais à frente, abordaremos a
questão de se essas intenções contidas nas propostas do Ciclo de formação
realmente se tornaram “uma medida efetiva de inovação”, tal como discute
PIMENTA (2001,p.8)
Em Porto Alegre foi implantado o projeto “Escola Cidadã’ como uma
alternativa e tentativa de solucionar os problemas mais urgentes da aprendizagem.
Nesta proposta aparece novamente a questão da organização do tempo escolar como
algo muito importante a se considerar, além de que é perceptível ,como nas
demais propostas, a concepção de
aprendizagem como processo, não excluindo as experiências que o aluno
traz consigo desde o nascimento, considerando-os seres em permanente
desenvolvimento, o que está expresso nas palavras do Secretário Municipal de
Educação de Porto Alegre :( Porto Alegre,2000,p.4) :
“(...) As crianças e os adolescentes são seres em permanente desenvolvimento que não podem ser
regrados pelo calendário escolar ou
pelo ano letivo. O tempo de aprendizagem do educando não pode ser
submetido à camisa de força do tempo do
ano letivo.”
“A escola por
Ciclos de Formação vê a aprendizagem como um processo, onde não há períodos ou
etapas preparatórias para aprendizagens posteriores, mas em permanente
desenvolvimento. Ao invés de punir o aluno pelo que não aprendeu , a Escola Cidadã busca valorizar as aprendizagens
já adquiridas ,assumindo a responsabilidade na mobilização das energias, da
teoria e da prática acumuladas por todos os sujeitos que compõem a comunidade
escolar”
Considerando as idéias apresentadas até aqui, é possível ter uma
visualização da concepção de aprendizagem no Ciclo de Desenvolvimento: um
processo contínuo, interativo, em que se leva em conta os conhecimentos
culturais acumuladas ao longo do tempo pelo homem, as características pessoais
do aluno e principalmente as vivências
sócioculturais ( realidade concreta na qual os educando estão inseridos
). Assim, a escola é um espaço de formação coletiva de sujeitos conscientes de
sua realidade enquanto cidadãos.
Todavia, há algumas dúvidas em relação a aspectos importantes da
natureza do processo de aprendizagem escolar. Não está claro, por exemplo, nas
propostas de ensino por Ciclos de Desenvolvimento, se o peso maior é atribuído
aos conteúdos ou aos processos formativos, ou ainda, se a concepção de
aprendizagem adotada realmente propicia ao aluno o desenvolvimento de
ferramentas mentais para desenvolver conceitos generalizantes, considerando que é a internalização dos
mesmos que propicia aos alunos os modos de
compreender e atuar a realidade. Outra dúvida refere-se ao lugar
reservado ao desenvolvimento de um pensamento crítico nos alunos a partir da
valorização da formação de conceitos, já que algumas das propostas valorizam
sobremaneira um currículo baseado nas vivencias socioculturais, destacando o
papel da escola como espaço de socialização. Supomos ser perigoso conferir à
escola apenas uma característica de espaço de socialização, sem se considerar
aspectos importantes do desenvolvimento cognitivo.
Vygotsky e processo de aprendizagem
Antes de qualquer discussão acerca de Vygotsky, é de fundamental importância esclarecer que os aspectos de sua teoria aqui apresentados
nasceram de uma necessidade , principalmente da área de psicologia, de
desenvolver uma teoria que pudesse contestar
os conceitos sobre a relação entre ensino e desenvolvimento, naquele contexto entre os anos 20-30, pois o Sistema de Ensino da União Soviética
requeria outros rumos devido à revolução comunista. (Davídov,1988,p.54)
Para iniciarmos a discussão sobre a questão da aprendizagem em Vygotsky, começamos por explicitar sua
concepção de aprendizagem. Na tentativa de defini-la considerou como mais
importante, entre outros aspectos de sua teoria, aquele da “ampliação do papel
da aprendizagem no desenvolvimento da criança”. Assim contrapõe – se a Herbart,
no que diz respeito à “idéia de que cada matéria ensinada tem uma importância
concreta no desenvolvimento mental geral da criança, e que as diversas matérias
diferem no valor que representam para este desenvolvimento geral.”
(Vygotsky,1992,p.106), encontrando neste ponto
um referencial para explicitar melhor suas idéias pois esta
concepção, segundo ele “provocou uma
orientação muito conservadora na práxis educativa.” Sua reflexão gira em torno
do fato de que se considerarmos este ponto de vista, estaríamos “prescindindo
do valor real” da disciplina. Propõe que se tome como ponto de partida o “fato
de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar.”
Para ele a “aprendizagem escolar nunca
parte do zero”, assim quando a criança vai para a escola tem toda uma bagagem
historicamente construída e já adquiriu experiências referentes a vários
conteúdos que serão formalmente estudados nesta.
Vygotsky considera que “aprendizagem e desenvolvimento estão
inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança.”(1998,p.110). De
fato não é exclusivamente na escola que a criança vai desenvolver-se como
acreditavam os defensores do ensino tradicional. Esta concepção privilegiava o
ensino das disciplinas, partindo do princípio de que a aprendizagem ocorreria
separadamente do desenvolvimento e que, ensinando determinados conteúdos, o
aluno desenvolveria a sua inteligência
e, após aprender certos conceitos específicos, poderia aplicá-los em qualquer
situação de aprendizagem. Nesta perspectiva havia o entendimento de que
memorizando um conceito, os outros seriam naturalmente assimilados.
Vygotsky se opõe a essa concepção (1992,p.111) ao se propor compreender
a “relação entre aprendizagem e desenvolvimento em geral, e, depois, as
características específicas desta inter-relação na idade escolar.” Desta
maneira apresenta como primeiro pressuposto a teoria da zona de desenvolvimento
potencial. Para explicar melhor isso, começa afirmando ser indiscutível o fato
de que “só em determinada idade, pode-se aprender determinados conteúdos;
álgebra ,por exemplo. ”Mas para definir
se existe “uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a
capacidade potencial de aprendizagem”, não se pode limitar a ter como princípio, um único nível de
desenvolvimento. Para resolver esta questão, Vygotsky(1992,p.12) então,
identifica dois níveis : nível de desenvolvimento efetivo ou real e área de
desenvolvimento potencial,assim ele diz que “A diferença entre o nível das
tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem
desenvolver-se com uma atividade independente define a área de desenvolvimento
potencial da criança.”
O que Vygotsky quis dizer é que com o auxílio deste método é possível
perceber o que o aluno já desenvolveu e o que ainda está em processo, ou seja
, a aprendizagem efetivada e a que
está se efetivando : em que nível
se encontra o aluno. Esta visão do
processo revolucionou a concepção de
aprendizagem no campo pedagógico, já que antes , uma vez diagnosticado o nível
da criança, seu limite estava aí, não haveria possibilidade de continuar
aprendendo. Na verdade a idéia é a de que seria preciso recuperar a criança
para que conseguisse alcançar aquele nível e só depois teria condições de
continuar a aprender,e, como Vygotsky diz, “este modo de apresentar o problema
contém a idéia de que o ensino deve orientar-se baseando no desenvolvimento já
produzido, na etapa já superada.” Desta forma, na escola pressupõe-se que o
educador tenha em mente que a aprendizagem é um processo e a sua prática educativa
terá como fundamento buscar sempre
saber as possibilidades de aprendizagem que o aluno tem , descobrir o nível em
que ele se encontra através da avaliação para então mediar e contribuir com o
processo de aprender.
Outra questão importante é a de que a
aprendizagem se dá num processo social e individual mediado pela
linguagem, fato evidenciado quando ele afirma:
”Todas as
funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do
desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas
atividades sociais, ou seja ,como funções interpsíquicas: a segunda, nas
atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança,ou
seja, como funções intrapsíquicas .” (1992,p.114)
Compreende-se então que, para Vygotsky , aprender não é desenvolver-se,
mas, uma “correta organização da aprendizagem conduz ao desenvolvimento
mental”, é a aprendizagem que gera o desenvolvimento; ela é a fonte ativadora
do desenvolvimento ; o conhecimento é o resultado do processo de aprendizagem
bem organizado , obtido historicamente
nas atividades coletivas que ativam os processos internos do aprendiz . Assim o
“processo de aprendizagem cria a área de desenvolvimento potencial”.
As
contribuições de Davídov
Davídov (1988), traz uma rediscussão da proposta vigotskiana.
Percebe-se que desenvolve suas idéias seguindo a perspectiva
histórico-cultural do conhecimento. Segundo ele, uma concepção ideal de
aprendizagem é aquela que “reconhece o papel progressivo do ensino” e que se
“esforça por conservar para o desenvolvimento alguns outros fatores externos e
internos (entre eles, os orgânicos, os inatos,etc...).” Ele quer dizer que o
desenvolvimento do pensamento numa perspectiva dialética pressupõe que sejam
consideradas tanto as experiências sociais ,coletivas, quantos as individuais,
internas.
Seguindo esta perspectiva, Davídov (1988,p.27) analisa a atividade humana de acordo com a lógica
dialética. Ele escreve:”(...) A essência da atividade humana pode ser descoberta
no processo de análise do conteúdo dos conceitos inter-relacionados como
trabalho, organização social, universalidade, liberdade, consciência,
proposição de finalidade, cujo portador é o sujeito genérico.” Sobre a
aprendizagem DAVÍDOV (1988,P. 1) afirma que :
“ No processo de aprendizagem,que é a atividade principal dos primeiros anos da idade escolar,as crianças reproduzem não somente o
conhecimento e habilidades correspondentes aos fundamentos daquelas formas de
consciência social,mas também as capacidades construídas historicamente,que
estão na base da consciência e do pensamento teóricos: reflexão, análise e
experimento mental. (...) Mas a atividade de aprendizagem (na escola) tem um
conteúdo e uma estrutura especiais e deve ser diferenciada de ouros tipos de
atividade que as crianças realizam tanto nos anos iniciais da escolarização
quanto em outros momentos de vida(por exemplo,da atividade lúdica,da atividade
sócio – organizacional,da atividade relacionada ao trabalho). Embora na idade
esolar inicial as crianças realizem todas as atividades citadas e outras
adicionais,a atividade principal e conducente nesta fase é a atividade de
aprendizagem formal.”
Em razão disso, concluímos que,
ao expressar estas idéias quer
dizer que toda atividade humana tem causa na necessidade social, portanto está
determinada pela prática social do homem; é isto que dá sentido à teoria do pensamento teórico. Assim, a prática
de ensinar na perspectiva da dialética, tem sempre finalidades traçadas segundo
as necessidades de uma determinada sociedade.
Em sua pesquisa, Davídov investigou o ensino tradicional que, a seu
ver, forma na criança o pensamento empírico. O processo de aprender, na
perspectiva da teoria empírica, se caracteriza “pela formação nos alunos de
generalizações conceituais”, mas de
tipo empírico (1988,p.101-102). O conceito “aprendido” pelo aluno não é outra
coisa que “algo que se repete,estável e invariável e que serve para definir
vários objetos.” O que esse autor salienta é o processo estanque e classificatório
dos conteúdos assimilados , pois de uma forma ou de outra, a escola acaba apenas repassando informações sem nenhum
tipo de reflexão que possibilite ao aluno efetivar reconstruções internas e
beneficiar-se dos conteúdos. Ele assim define o processo em que se dá a ação do
professor: (1988,p.102):
“A palavra do
mestre organiza a observação dos alunos , precisando o objeto de observação,
orienta a análise para diferenciar os aspectos essenciais dos fenômenos,
daqueles que não são, e finalmente, a palavra fim, associada aos aspectos
distinguidos, comuns para toda uma série de fenômenos, se converte em seu conceito generalizador.”
Do ponto de vista da lógica
formal, que dá suporte à formação do pensamento empírico, os processos de
construção do pensamento se dão, como diz Davídov, a partir da “comparação de
dados sensoriais com o objetivo de generalizar e realizar sua classificação e a
identificação destes com a finalidade
da inclusão em outra classe.” Na prática isso se dá quando o professor apresenta
conceitos já prontos para o aluno, de maneira que ele possa definir outros
objetos a partir deste conceito de forma generalizante.O aluno, de certo modo,
não encontra oportunidade de efetivar, ele mesmo, essa generalização:
“(...) A
coincidência se observa aqui em primeiro lugar, na interpretação geral somente
como igual ou semelhante no grupo de objeto; em segundo lugar, na interpretação
do essencial somente como aspecto distintivo da classe de objetos, em terceiro
lugar, na descrição do trajeto da percepção e representação e chega logo ao
conceito do objeto.”(Davídov,1988,p.103).
Esta foi a resposta , segundo Davídov , dada pela psicologia calcada no empiricismo, ao dizer que para
aprender, ao aluno bastava resolver exercícios com a mesma lógica geral para
fixar os conceitos gerais. Assim a mudança de pensamento ocorre, mas pelos
exercícios repetitivos que dão a ilusão de aprendizagem, pois esta não é
duradoura.
A sociedade atual está vivenciando momentos de transformação, pondo novos
problemas e exigências para a escolarização.
Como percebeu o próprio Davídov, “o saber contemporâneo pressupõe que o
homem domine o processo de origem e desenvolvimento das coisas mediante o
pensamento construído, o que aliás é o que estuda e descreve a lógica
dialética”. Mas esta também pressupõe que a forma de aprender, com o aluno
construindo a sua aprendizagem, o seu conhecimento, implica numa capacidade de
análise desta sociedade a fim de transforma – la para que sua existência esteja voltada às necessidades coletivas
.
Esta é a diferença entre ensinar numa perspectiva dialética, pois
corresponde a uma maneira diferenciada de apreender os conhecimentos. A escola,
segundo Davídov , deve “ensinar os alunos a pensar teoricamente”. Para
desenvolver o pensamento teórico, ”há um procedimento especial em que o homem
enfoca a compreensão das coisas e dos acontecimentos por via de análises das
condições históricas de sua origem e seu desenvolvimento.” Quando os alunos
estudam, refletindo sobre suas origens e condições históricas, começam a pensar
teoricamente. Esta é portanto, a sua
contribuição na questão da concepção de aprendizagem. È possível perceber que é
esta perspectiva que orienta a discussão sobre a questão da aprendizagem na
escola, como é concebida, principalmente pelo Ciclo de Desenvolvimento.
Entretanto surge uma outra questão relevante
que é ensino dos conteúdos escolares. A proposta da Rede Municipal de Ensino contempla – o , mas a ênfase é
dada às vivências socioculturais.
Outrossim, aprendizagem é o movimento, o processo mediado, tanto pelo
social quanto pelas estruturas internas do indivíduo, que dialeticamente vão se
desenvolvendo durante a atividade do
sujeito. E ainda, como considera Davídov, “o objeto obtém esta mediação em
relação a si mesmo, porém somente através de determinados procedimentos de
atividade do homem e a forma de movimento do objeto se reproduz esta
atividade”. A grande máxima é ter a consciência que esse movimento ocorre sobre
a base das necessidades sociais do indivíduo. Sendo atualmente a necessidade
social, a formação de alunos com capacidades das ditas inteligências múltiplas, precisamos aproveitar para
desenvolver neles a capacidade crítica para darem conta da análise de sua
posição face à realidade em que vivem e que sejam capazes de propor soluções à
problemática das desigualdades sociais
e aos problemas sociais pertinentes a esta . È o que diz Davídov
(1988p.59):
(...)Mas se a sociedade dada deve formar nas crianças um novo
conjunto de capacidades, resulta
indispensável criar um sistema
de educação e ensino que organize o funcionamento efetivo de novos tipos de
atividades produtivas. Neste caso o papel impulsionador deste sistema atua de
forma aberta e se converte em objeto de discussão social especial,de análise e
organização consciente, orientada a um objetivo definido.”
Pode-se dizer que estão claras
para nós as idéias e a concepção de
aprendizagem do ciclo de formação.Teoricamente, a proposta do ciclo parte da
perspectiva de que o aluno é sujeito no
processo de aprender, esperando-se que nas escolas “se criem condições para que
o educando cresça vivenciando,
partilhando experiências comuns aos de sua idade” . É notório que se
preocupa em considerar a aprendizagem como um processo mediado pelo
meio cultural, principalmente quando salienta que “é importante para nossas
vidas a convivência com pessoas da mesma idade, com as quais possamos
partilhar, tanto as descobertas e experiências,quanto aos segredinhos e
brincadeiras próprias da mesma idade”.(SME,2000,p.6), mas o que nos
preocupa é que falta para os envolvidos
no processo o entendimento do que
seriam e o que conteriam estas vivências socioculturais dos alunos na escola,
especialmente, como essas experiências se vinculam a conteúdos relevantes para
a formação dos conceitos científicos.
Também Vygotsky e Davídov
consideram que a aprendizagem deve partir do que a criança já possui das suas
vivências, das trocas diárias, mas não se pode ficar só nessas vivências, pois
para aprender a criança tem que ter acesso aos conteúdos produzidos e
acumulados pelo homem, à cultura de sua sociedade. Ao considerarmos aquilo que
o próprio Vigotsky chamou de zona de
desenvolvimento proximal, podemos perceber que o professor deve partir do processo
em evidência , não do que o aluno já aprendeu, para então oferecer-lhe
oportunidades de aprender conceitos relevantes que lhe possibilitem analisar e
transformar a realidade em que vive.
Outra coisa importante prevista no sistema por Ciclos é a questão do
desligar–se dos aspectos disciplinares , tão criticados por Vygotsky, prevendo que o aluno consiga desenvolver as
suas potencialidades (desenvolvimento em processo). Entretanto é preciso
acordar para o fato de que apenas isso não é suficiente para que haja uma
mudança efetiva com relação à forma e métodos de ensinar, melhor dizendo, uma
mudança na prática efetiva da sala de aula. Ocorre que, os professores, têm
grande dificuldade em compreender a questão da zona de desenvolvimento
proximal, que possibilita ao mesmo observar o nível de desenvolvimento proximal
da criança, sem condicionar a aprendizagem escolar a uma continuidade daquilo
que a criança já recebeu de informação, como é feito no sistema de seriação.
Partir da área de desenvolvimento em potencial e saber quais os
conteúdos seriam pertinentes para desenvolver a aprendizagem do aluno para
torná-la área de desenvolvimento
efetivo é a dificuldade apresentada pela maioria dos educadores. E segundo Mainardes,”(...)Ainda que a concepção de interações sociais
na sala de aula aponte para o potencial das diferentes estratégias de
pensamento e ação dos alunos, a sua incorporação à pratica pedagógica é ainda
lenta e reduzida. “MONEREO(2001,P.10) diz que “para ensinar estratégias de
pensamento se necessita primeiramente contar com professores que as utilizem no
plano pessoal e profissional,para que não só pensem no que ensinam,mas que
também ensinem o que pensam e como o pensam.” Segundo MONEREO (2001,P.09)
professores atuantes como sujeitos e agentes de uma proposta inclusiva tal como
requer a do Ciclo de Desenvolvimento seriam aqueles que também “ampliam
estratégias de pensamento,quando atuam como aprendizes dos temas de sua
especialidade,que evitam a rotinização de suas aulas e toma decisões sobre como
preparar atividades para facilitar a reflexão metacognitiva,isto é, que ensinam
o desejo e a possibilidade de controlar as próprias decisões.” Porquanto
tornamos a dizer que a questão a considerar após tudo isso, é se os professores
do ciclo estão envolvidos nesse processo, se se sentem parte dele. E mais
ainda, se estão conseguindo compreender que também são sujeitos históricos
destas mudanças e se têm uma formação profissional adequada.
Conclusão
Em relação às concepções de aprendizagem aqui explicitadas pode- se dizer que teoricamente entre a pedagogia
em que se apóiam as idéias do Ciclo de Desenvolvimento e as idéias de
Vygotsky há semelhanças quanto à ênfase
nos aspectos socioculturais e vivências, atividade compartilhada entre
professor aluno e alunos/alunos, além da questão da zona de desenvolvimento
proximal. Entretanto apresenta diferenças no que diz respeito à pouca
acentuação que dá ao ensino, aos conteúdos e à formação de conceitos pelos
alunos.Além disso, há indícios de que os professores continuam com suas
práticas baseadas nas idéias empíricas de construção do conhecimento , mesmo
que em suas premissas considerem que o conhecimento é o produto de uma
aprendizagem através da qual o sujeito interage com o coletivo, com a sociedade
e com a natureza do próprio objeto.
E quanto às idéias de Davídov
as semelhanças são aquelas já
mencionadas em Vygotsky pois este é um seguidor das mesmas, porém as diferenças são bem mais acentuadas e é neste
ponto que enxergamos as lacunas na proposta do Ciclo de Desenvolvimento, pois
esta última não contempla a atividade de aprendizagem como possibilidade de desenvolver o pensamento
teórico,de forma que o aluno possa construir conceitos. Davídov (1988,p.8)
considera que “ (...) a formação e o ensino (apropriação) são formas universais
de desenvolvimento mental do homem e apropriação e desenvolvimento não podem
ser dois processos independentes (...)” Ele quer dizer que quando o aluno
aprende , na verdade desvenda a forma como se aprende o conteúdo,percorre o caminho
que o cientista percorreu para elaborar
o conceito. E esta forma de aprender são as relações internas do
movimento de aprendizagem.
Finalmente podemos considerar
que quando se monta um currículo que evidencia em demasia as vivências
socioculturais, corre-se o risco de se sobrepor o desenvolvimento cultural ao
cognitivo e esse reducionismo pode provocar a mesma exclusão do currículo
disciplinador.” Esta é a nossa preocupação,porque como LIBÂNEO (2003,p.1) diz ,
“ as crianças e os jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os
meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para isso, é
necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento,melhorar
a capacidade reflexiva.”
Outrossim, as mudanças nos sistemas de ensino carregam em si
significados relevantes, pois pressupõem alterações nos comportamentos das
pessoas envolvidas de uma maneira geral, nas práticas educativas , na
administração deste, no comportamento
da comunidade (na visão do que esta tem da função social da escola), inclusive
de concepções de todas as ordens. E ainda há
fato de que as reformas educacionais sempre aparecem com
intencionalidades implícitas e explícitas e os discursos giram em torno da
democratização do ensino, com a pretensão de resolver problemas inerentes à
prática, como é o caso do fracasso escolar. E como diz Mainardes(1998,p.26):
“Qualquer mudança educativa não se consolida apenas através de atos legais. As
leis por elas mesmas, não mudam a realidade nem transformam as instituições”.
Concluímos que faz-se importante que as políticas educacionais sejam amplamente
discutidas pelos envolvidos com o processo no sistema educacional.
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