ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM PARA AS CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR – CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DA ATIVIDADE

 

VEIGA, Patrícia Maria B. Vilela A. - UCG

 

A abordagem da atividade humana analisada neste texto é uma decorrência da teoria histórico-cultural de Vigotsky complementada por seus seguidores. Desenvolvida como teoria da atividade por Leontiev e mais tarde como formas específicas da atividade humana como a atividade de aprender por Elkonin e Davydov, que tem como principais elementos a tarefa de instrução e ações como controle e avaliação.

Assim, o objetivo deste texto é iniciar um entendimento desta continuidade dos trabalhos de Vigotsky, tendo em vista seu legado intelectual de grande importância e a sua perspectiva de que o desenvolvimento humano e a educação são dois fenômenos inseparáveis. Daí a importância de considerar as contribuições da Teoria Histórico-Cultural da Atividade na atividade de aprendizagem da criança, ancorada e fundamentada na mediação da Escola na formação do pensamento teórico desta criança.

A estrutura da atividade, de acordo com Davydov, é composta por elementos tais como: desejos, necessidades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações, meios usados para as ações e planos que partem de tipos de atividades inerentes ao ser humano e desenvolvidos em gêneros como o trabalho, a atividade artística e, também, o esporte e a atividade de aprendizagem.

A compreensão da atividade da aprendizagem está ligada à análise de sua estrutura que compreende dois importantes elementos: o problema e a ação. A resolução do primeiro elemento é característica dos conteúdos teóricos. A ação é o modo para trazer essas resoluções. Assim, a atividade de aprendizagem é essencial para as crianças que se encontram num período de processo de aquisição de conhecimento e transformação do objeto de estudo, pois a educação é instrumento de desenvolvimento do seu pensamento.

            O desenvolvimento do pensamento das crianças – teórico e/ou formal, exige um ambiente que proporcione a descoberta. As crianças da mesma idade trabalham em cooperação e o processo de aprendizagem orienta os alunos à resolução do problema comum, à criação de um resultado comum e à identificação das características do objeto concreto partindo para sua transformação, que para Davydov, é ajudar o aluno a desenvolver internamente procedimentos lógicos de caráter generalizante, isto é, aplicáveis a qualquer disciplina e que favoreçam a formação de conceitos e capacidade de pensamento.

            O ponto de partida para o conhecimento teórico – generalização teórica – é a experiência empírica do escolar. Mas a generalização teórica se diferencia da empírica quando esta valoriza as propriedades comuns do objeto. A teórica analisa o papel, a função e a relação entre as coisas no contexto de um sistema permitindo ao indivíduo, após a resolução de problemas, a apropriação dos conhecimentos.

            “Quando Davydov fala de atividade de aprendizagem, ele quer dizer que a forma inicial da interação sujeito (aluno)-objeto é uma atividade concreta” (LIPMAN, 1997, P.157). É o resultado dessa interação, do uso de instrumentos científicos e da reconstrução e reestruturação do objeto de estudo mediante uma atividade de grupo e uma reestruturação do modo de pensar das crianças que garantem seu desenvolvimento.

            Essa interação sujeito-objeto na sala de aula, a ajuda do professor/adulto e a cooperação entre os alunos, pouco a pouco tornam o aluno mais independente e mais apto para a aprendizagem. O que confirma a idéia da importância da atividade coletiva e de interação como um mecanismo interior da atividade individual.

 

1                                A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO DA CRIANÇA

 

Durante as décadas de 1920 e 1930 surge o termo “Teoria da Atividade” na Escola Histórico-cultural Soviética de Psicologia, que, num sentido mais amplo, estuda as práticas humanas em nível individual e social. E é no final da década de 70 que se inicia um período de intenso debate sobre os princípios fundamentais dessa teoria.

Princípios estes, que constituem um sistema conceitual geral. Assim podem ser vistos como os da unidade entre a consciência (mente humana) e a atividade (interação humana com a realidade objetiva); o da orientação a objetos na qual os seres humanos vivem num ambiente que é significativo para eles e diferenciando os procedimentos humanos em vários níveis e que determina a estrutura hierárquica da atividade (atividade, ação e operação); o da internalização-externalização que descrevem os mecanismos básicos da origem dos processos mentais; o da mediação que fala por si só; e, finalmente, o do conhecimento de como um fenômeno se desenvolveu até sua forma atual chamado de princípio do desenvolvimento.

O conceito de atividade, seguindo a Teoria da Atividade, é a forma de agir do sujeito perante o objeto tanto na forma individual, considerando seus três elementos: sujeito, objeto e a ferramenta de mediação; quanto na forma coletiva que adiciona o elemento comunidade quando novas formas de mediação, além das ferramentas, são incorporadas – as regras (estabelecidas pelas relações sociais historicamente determinadas).

Assim, considerando que o desenvolvimento humano e a educação são fenômenos inseparáveis, pergunta-se como a escola medeia a formação do pensamento da criança. Segundo SEMINOVA (1996), é fundamental a análise e a realização do ensino escolar ancorado ao seu caráter científico, a certas noções pedagógicas e psicológicas que sustentam esse caráter, e às regras no processo escolar de ensino e aprendizagem para as crianças.

Esta preocupação com a aquisição dos conceitos teóricos e formação do pensamento teórico por parte da criança tem como objetivo o aprendizado apropriado diferenciando, a partir das teses de Davidov, a generalização teórica da empírica. Essa generalização teórica (do conteúdo), é a solução para os problemas fundamentais do ensino escolar contemporâneo. É necessário orientação para a formação e desenvolvimento do pensamento científico-teórico na criança.

La tarea de poner la instrucción em consonância con los adelantos de la revolución científico-técnica supone no el rutinario perfeccionamiento del contenido y de las metodologias de la enseñanza, sino la substituición de los métodos vigentes de estructuración de las disciplinas por otros princípios selectivos y de despliegue del material de estúdio. (...) Los nuevos princípios han de ser tales que su aplicación lleve a formar em todos los alumnos las bases del pensamiento científico-teórico (DAVIDOV, 1983, p. 371).

Partindo da Teoria de Vigotski, da qual decorre a Teoria da atividade, e sem esquecer seus méritos, considera-se seus conceitos básicos para a educação escolar que entende o ensino como mediação e que destaca o papel do professor.

Esse caráter mediado das funções psicológicas humanas que resultam nas funções mentais superiores - fusão da inteligência prática (uso de ferramentas) e do pensamento verbal (uso de signos) - caracterizando que, para a abordagem histórico-cultural, a origem do comportamento tipicamente humano está relacionada à atividade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos.

A importância dos signos culturais, para Vigotsky, está na transição do indivíduo de um nível inferior das funções mentais para um nível superior de funcionamento psicológico mediados através de ferramentas psicológicas que Vigotsky vê como os signos – símbolo de significado definido evoluindo no contexto histórico da cultura.

Na educação escolar, os signos transformam-se de uma forma externa (interpsicológico) para uma forma interna (intrapsicológico), caracterizando o que Vigostsky chamou de processo de internalização. Para DAVIDOV (1983), a idéia de significado do signo cria um caminho para o desenvolvimento de um princípio explicativo da atividade.

Um dos conceitos-chave da Teoria histórico-cultural da atividade de Vigostky para o desenvolvimento da criança e sua aprendizagem é que a escola não deve se adequar ao nível real de desenvolvimento[1] da criança, e sim antecipar-se a este nível criando condições, com a ajuda do professor e de crianças mais experientes, para a construção do que chama de Zona de Desenvolvimento Proximal [2]. 

Nesse período escolar e de desenvolvimento cultural, a atividade de estudo e conhecimento deve ser a organizadora do comportamento da criança. As modalidades de representação e cognição são mais complexas (escrita, linguagem, reflexão, análise e planejamento) e as necessidades e motivações relacionam-se às tarefas escolares e à participação de práticas coletivas evidenciando aí, o início da mediação estabelecida pelas relações sociais e historicamente determinadas que são as regras.

Enfim, Vigotsky estava convencido do caráter histórico-cultural e social do pensamento verbal e da importância da intervenção pedagógica no sentido de desenvolvimento do pensamento com o objetivo claro de alcance das operações formais.

Para os seus seguidores, em destaque Davidov, há muitos tipos, aspectos e formas de atividade, o que dificulta a orientação em sua estrutura e conteúdo, e o trabalho de uma teoria abstrata. A atividade do aprendizado, que é um tipo, é investigada pela escola de Elkonin. Já a estrutura geral da atividade pode ser encontrada em Leontiev, que a considera formada por necessidades, tarefas, ações e operações. Mas para Davidov, que concorda com esta estrutura, Leontiev não considerou um elemento da estrutura psicológica da atividade importante que é o desejo, visto como núcleo básico de uma necessidade, e esta, a base da atividade e inseparável das emoções, que são específicas da atividade humana.

A coisa mais importante na atividade científica não é a reflexão nem o pensamento, nem a tarefa, mas a esfera das necessidades e emoções. (...) As emoções são muito mais fundamentais que os pensamentos, elas são a base para todas a diferentes tarefas que um homem estabelece para si mesmo, incluindo as tarefas do pensar (DAVYDOV, apud LIBÂNEO, p. 15, 2003).

Assim, tendo a educação escolar como instrumento de desenvolvimento do pensamento da criança, RUBTSOV (1996) analisa as conclusões das pesquisas de Davidov relacionados aos saberes, conhecimentos e pensamentos empírico e teórico, suas diferenças, definições e tipos de atividades que delas podem decorrer.

“O conhecimento empírico é elaborado quando se compara os objetos às suas representações, o que permite valorizar as propriedades comuns dos primeiros” (RUBTSOV, 1996, p. 129), e quando se compara os objetos e suas representações dentro desse conhecimento (empírico), torna-se possível a generalização formal das propriedades dos objetos. Outro dado, é que qualquer conhecimento empírico apóia-se nas representações concretas, refletindo, através da observação, as propriedades exteriores dos objetos. Uma palavra ou um termo pode fixar os resultados do conhecimento empírico, e concretizá-lo, é escolher exemplos relativos a uma certa classe formal que pode ser construída a partir da comparação entre os objetos.

“Já o saber teórico repousa numa análise do papel e da função de uma certa relação entre as coisas no interior de um sistema” (RUBTSOV, 1996, p. 129), que procura saber que tipo de relação, real e particular, o caracteriza, servindo, ao mesmo tempo, de base para as outras manifestações do sistema. O conhecimento teórico vem de uma transformação do objeto, seguido de reflexões das suas relações, que é o elo de ligação entre uma relação geral e suas manifestações concretas, e que é concretizado pela transformação fundamentada do saber e expresso por modos de atividades intelectuais.

Para os seguidores de Vigotsky, estes saberes, empírico e teórico, são regidos por algumas diferenças que vão do pensamento empírico que se apóia na aparência do fenômeno considerando que para generalizar basta encontrar o geral, o comum, tornando-se, assim, fragmentado; e o pensamento teórico que vai além da aparência – vai a essência. Sua preocupação é com o objeto do conhecimento em função do que é histórico e cultural e considera o processo do conhecimento de forma sistêmica e não linear. 

É nesse ponto que, segundo DAVIDOV (1983), a solução para os problemas do ensino relacionam-se com o tipo de pensamento que a escola projeta nos alunos através dos conteúdos e métodos de ensino. É preciso uma orientação desse sistema para o desenvolvimento do pensamento teórico-científico nas crianças.

La solución de los problemas cardinales de la enseñanza escolar contemporánea  está relacionada en fin de cuentas com el cambio del tipo de pensamiento proyectado por los objetivos, el contenido y los métodos de la enseñanza. Es necesario reorientar todo el sistema de instrucción a formar em los niños no el pensamiento discursivo-empírico sino a desarrollar en ellos el pensamiento científico-teórico contemporâneo (DAVIDOV, 1983, p. 442) 

 

2                                ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM PARA A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO TEÓRICO MEDIANTE EDUCAÇÃO ESPECÍFICA

 

            A compreensão da atividade de aprendizagem está ligada à análise de sua estrutura que compreende dois importantes elementos: o problema e a ação, que segundo RUBTSOV (1996, p. 131), pode-se “definir o processo de resolução de um problema como o da aquisição das formas de ação gerais típicas (esse processo é característico dos conteúdos teóricos)”.

Assim, na atividade de aprendizagem, o conceito de problema da aprendizagem está atrelado à ação cognitiva que se caracteriza pelo modo como o objeto é analisado. Esta análise resulta na dedução contextualizada (pensamento teórico-dedutivo) de uma propriedade concreta, isto é, na reconstrução do objeto a partir do exame de seus princípios estruturais.

A solução de tarefas de aprendizagem, isto é, a solução de problemas e o desenvolvimento do pensamento teórico do escolar dependem de um conjunto de ações que vão da transformação e apropriação do objeto de aprendizagem descobrindo sua estrutura geral de formação; de conceitos mediante a generalização teórica; de transparência do conhecimento; até o controle e a avaliação da abordagem generalizada.  

RUBTSOV (1996), aponta a estrutura da ação da aprendizagem como objeto de várias pesquisas, demonstrando que as dificuldades enfrentadas pelos alunos na resolução de problemas sem a ajuda de pessoas mais experientes vêm do fato de que cada ação corresponde às condições concretas próprias de cada problema:

·         Transformação de um objeto ou de uma situação com vistas a ressaltar as relações fundamentais do sistema analisado;

·         Materialização da relação levantada, sob forma de objetos, desenhos, símbolos;

·         Transformação do modelo dessa relação (...);

·         Valorização e a criação de uma série de problemas concretos e práticos (...);

·         Controle das ações precedentes;

·         Avaliação da aquisição da forma geral, considerada como resultado da resolução de um problema de aprendizagem (RUBTSOV, 1996, p. 133).

A ajuda do adulto em atividades que a criança ainda não tem domínio, tais como avaliação e controle, é tão importante quanto o trabalho conjunto de crianças da mesma idade. Assim, aos poucos, o aluno vai se tornando independente e apto para a aprendizagem que é determinada pela interiorização. Esta atividade em conjunto resulta na necessidade de um trabalho cognitivo e de pesquisa pelas crianças. A classe e os problemas são divididos passando o controle da atividade aos alunos; e conseqüentemente a qualidade do trabalho dependerá da cooperação de cada aluno/equipe.

O objetivo dessa interação é a aprendizagem do aluno. O desenvolvimento educacional, segundo LIPMAN (1997), que se baseia na teoria da atividade da aprendizagem de Elkonin e Davidov, “é mediado pelo conteúdo das matérias específicas” (LIPMAN, 1997, p. 151), apresentando vantagens e desvantagens na construção do pensamento teórico quando se fala do conteúdo das diversas matérias escolares e das matérias específicas, visto que, como desvantagens podem mascarar as ações de aprendizagem do escolar – transformação, modelagem, construção, controle e avaliação do objeto de estudo.

Assim, formar o pensamento teórico do estudante mediante educação específica através da atividade de aprendizagem tem como princípios, que dependem da estrutura da atividade de aprender dos componentes necessários para a prática educacional, os de ensinar ao escolar “as habilidades necessárias para “aprenderem por si mesmos” (LIPMAN, 1997, p. 150). Para DAVIDOV (1983, p. 444):

Y la asignatura estructurada en base a los princípios de esa generalización corresponde a la exposición científica de las matérias realmente investigadas. Mas la asimilación de su contenido há de efectuarse por los escolares mediante atividade de estúdio independiente, que em sucinta forma “cuasi-investigativa” reproduce la situación y las condiciones materiales-objetivas de procedência de los conceptos estudiados. La enseñanza de las disciplinas que organizan y aseguran esa actividade docente puede servir de cimiento para formar em los escolares las bases del pensamiento teórico.

 

3                                PONTO DE PARTIDA: EXPERIÊNCIA EMPÍRICA DO ESCOLAR – FORMA INICIAL DA INTERAÇÃO SUJEITO X OBJETO É UMA ATIVIDADE CONCRETA   

 

            Segundo a teoria da atividade de aprendizagem, o momento da entrada da criança na escola é o ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento teórico desta criança que parte da sua  experiência empírica, e se forma mediante educação específica inserida na atividade de aprendizagem. A interação inicial sujeito x objeto é uma atividade concreta.

            Para SEMENOVA (1996), a aquisição dos conceitos teóricos é o principal objetivo da formação do pensamento teórico na criança, permitindo, assim, um novo tipo de organização da aprendizagem mais apropriada.

Apoiado em sua teoria da “generalização teórica”, Davidov elabora os princípios essenciais da transposição dos conceitos científicos modernos para o processo de aprendizagem, assim como certos princípios organizacionais da atividade das crianças, orientando essa atividade para a aquisição do conteúdo desses conceitos (SEMENOVA, 1996, p. 160).

            Com base na teoria da atividade, toda atividade de estudo – de aprendizagem - é composta de elementos ou componentes que são de grande importância para o processo de assimilação do conteúdo teórico-científico, quais sejam: um sujeito; um objeto; um motivo; um objetivo; um sistema de operações; a base de orientação; os meios para a realização da atividade; as condições em que se realiza; e o produto.

            O sujeito da atividade é o que vai realizar a ação, neste caso, o estudante vai partir da experiência empírica – atividade concreta – para a transformação do objeto em produto da atividade. Este objeto da atividade de estudo visto como o nível de conhecimento, habilidades, capacidades que o aluno tem quando inicia o processo de aprendizagem.

            Este processo que parte da ação do sujeito sobre o objeto deve ser precedido de um motivo, de um objetivo e de procedimentos que revertem a ação, em atividade. Para tal, é também necessário uma base de orientação da atividade que representa a ação, um sistema de condições para a sua realização e a imagem do produto que se quer alcançar. 

            Importa, também, os meios para a realização da atividade, que são os instrumentos adequados que se encontram entre o sujeito e o objeto. São meios materiais (objetos, instrumentos), informativos lingüísticos e psicológicos somados, ainda, às condições físicas de espaço e as condições psicológicas e sociais em que a atividade se desenvolve.

            E, finalmente, o produto, que é o resultado aspirado, isto é, as transformações alcançadas no objeto inicial coincidente com o objetivo traçado, e que medem e indicam a qualidade de efetivação da aprendizagem.

            Esta qualidade é avaliada mediante um sistema de características ou aspectos como a forma em que se realiza a ação, a generalização, o grau de fracionamento da ação, e a permanência da habilidade formada – a solidez, que permitem definir as ações como automatizadas ou não, conscientes ou não, gerais e particulares, concretas e abstratas, estáveis ou não, e a definição entre ações concretas ou mentais.   

            Definir qual dessas características que melhor se aplica para avaliar a qualidade da aprendizagem – a assimilação dos conhecimentos e formação das habilidades – vai depender da especificidade do objeto de estudo associado ao papel fundamental do professor.

 

3.1              OBJETO DE ESTUDO – OBJETOS CIENTÍFICOS (SIGNOS JÁ EXISTENTES)

 

O desenvolvimento educacional da criança abordado pela teoria da atividade de aprendizagem visa à compreensão, pelo estudante, do objeto de estudo – objetos científicos – mediados pelo conteúdo das matérias específicas (matemática, artes, linguagem...). A criança deverá pensar este objeto teoricamente, formando um conceito teórico que parte de instrumentos científicos já existentes e não inventados (sistemas, mapas, modelos,...) as quais serão internalizados após atividades e grupos de reconstrução e reestruturação desse objeto de estudo. Isto é, os signos já existem na cultura e na ciência, e devem ser acessíveis a esta reconstrução/reestruturação – não existe realidade sem transformação.

Segundo LEONTIEV (1983), que considera o estudo, a presença da criança na escola dá um sentido real às exigências para com suas obrigações, que se tornam mais concretas. O rigor das cobranças serão maiores – rigor na escola e na avaliação. Este rigor das cobranças demonstra a dependência do desenvolvimento psíquico da criança em relação aos tipos de atividade caracterizada pelo estágio de desenvolvimento em que se encontra a criança. É uma análise do desenvolvimento da atividade da criança e “como ela é construída nas condições concretas de vida” ( LEONTIEV, 1983, p. 63).

É importante ressaltar que por atividade, neste caso, a atividade de aprender, entende-se aquela na qual seu objeto de estudo é estimulado e dirigido com um objetivo para a sua execução, isto é, um motivo. Sem ele (o motivo), considera-se apenas um ato ou ação que LEONTIEV (1983), exemplifica a diferença entre a atividade e a ação quando um aluno que está estudando um determinado livro para uma prova e descobre que este livro não será abordado no exame. Se o objetivo for apenas o de preparar-se para o exame e não o interesse pelo conteúdo do livro, o aluno abandonará a leitura e “aquilo para o qual sua leitura se dirigia não coincidia com aquilo que o induzia a ler. Neste caso (...), a leitura não era propriamente uma atividade (...) Porque o objetivo de uma ação, por si mesma, não estimula a agir” (LEONTIEV, 1983, p. 68-69).

 

3.2       RECONSTRUÇÃO/REESTRUTURAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

 

            É comum entre todas as teorias da aprendizagem de que a aprendizagem é uma atividade humana. À atividade são inerentes os momentos de orientação, execução, controle e avaliação. E para Davydov, esses momentos na promoção da aprendizagem, pelos professores, acabam na maioria das vezes formando, no aluno, somente o pensamento de caráter empírico e cumulativo.

            Segundo LIBÂNEO (2002, p. 7), “o ensino, mais do que promover a acumulação de conhecimentos pelo aluno, cria modos e condições de desenvolver a capacidade de colocar-se ante a realidade para pensá-la e atuar nela”.

            Como alcançar o pensamento teórico no momento da aprendizagem, de acordo com a Teoria histórico-cultural da atividade, depende dos professores trabalharem com um método para pensar que proporcione ao estudante atuar sobre o objeto de estudo de forma mental, verbal e material – é quando se realiza uma atividade baseada não no momento, mas no sentido e na organização dos conteúdos de forma à alcançarem a generalização teórica.

            A assimilação de conceitos, por parte do estudante, deve ser precedida da análise das condições da origem desses conceitos. Isto é, os conhecimentos não devem ser trabalhados de forma acabada, pois assim, o aprendiz não conseguirá generalizar o conhecimento para outras situações. Para DAVYDOV (1983, p. 112):

El critério fundamental para juzgar si la generalización de los conocimientos es válida, lo constituye la aptitud del nino para dar um ejemplo concreto o uma ilustración que correspondan a los conocimientos recibidos. Estas particularidades de su pensamiento son la base de la amplia utilización del material ilustrativo en la enseñanza primaria.

            Assim, assimilar o conhecimento teórico não significa apenas a sua apropriação, mas, além disso, a consciência dos procedimentos mentais ativados para esse conhecimento e a compreensão do objeto de estudo através de atividades para o alcance do ideal. É o que se chama de o aprender a aprender e que envolve todos os elementos da atividade: desejo, necessidades, emoções, tarefas, ações e os motivos, meios e os planos para as ações. No dizer de LIBÂNEO (2002, p. 7):

No desenvolvimento dos processos de ensinar a aprender a aprender, à medida que envolvem situações específicas em sala de aula com a intervenção pedagógica do professor, é necessário levar em conta alguns fatores que afetam a motivação (...) Trata-se, primeiro, de que os conteúdos tenham significação e valor dentro do contexto cultural de vida dos alunos; segundo, de criar um clima de interação social propiciador da cooperação entre alunos e entre o professor e os alunos (...); terceiro, de uma atitude do professor que, ao lado de sua função de dirigir a classe, também é um guia da atividade independente dos alunos, o que implica habilidades de comunicação e de interação; quarto, de uma convicção do professor de que ele é o profissional capacitado a orientar a atividade cognitiva do aluno.  

            O princípio básico para o pensamento teórico, segundo a teoria da atividade de aprendizagem de Davydov, partir do pensamento empírico e apropriar-se, de maneira consciente, do pensamento teórico viabilizado por caminhos que esta teoria sugere para a organização das disciplinas.

            Para o alcance dos princípios básicos para o pensamento teórico, é importante compreender que organizar e sistematizar atividades pedagógicas deve implicar partir do conhecimento geral/abstrato para os particulares/concretos. Ou seja, buscar a origem do conceito como forma para compreender o concreto, o particular.  

            As atividades ou ações devem trazer a tona o pensamento abstrato do aluno, através de mapas mentais, gráficos, quadros, etc. Assim, o aprendiz passa a raciocinar em função da essência do fenômeno viabilizando a relação entre o conhecimento geral, o abstrato e os particulares – concretos. É o movimento entre o caráter objetivo e o caráter subjetivo do conhecimento. Para LIBÂNEO (2002. p. 1):

As crianças e jovens vão à escola para aprender cultura. Para isso é necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva (...) Podemos falar de um pensar crítico que alia ao desenvolvimento do raciocínio a análise e o julgamento (...) O raciocínio é uma habilidade, portanto poderá ser ensinado, estudado e aprendido.           

            Neste sentido, o aluno poderá refletir sobre a origem (gênese) do conhecimento teórico – marcado pelo conteúdo – e  sobre os processos mentais – a forma – que o fizeram chegar às relações existentes na estrutura do objeto de estudo.

            Aliado a estas características, Davydov ressalta a importância e necessidade de considerar o período de desenvolvimento psíquico da criança com o tipo básico e principal da atividade a ser aplicada, e também à disposição interior desse aluno e suas características individuais ligados a um processo de assimilação de conhecimentos que tinha significado e valor social para eles.

            Para a criança, a incorporação à vida escolar resulta em uma reestruturação psicológica essencial quando são adquiridos novos hábitos e novas relações – professor e colegas. A estruturação da atividade – fator relevante para a psicologia pedagógica – então, deve resultar na assimilação consciente dos conhecimentos e desses novos hábitos por parte dos alunos.

            A estrutura da atividade de estudar, para DAVYDOV (1983), é determinada pelas tarefas (situações de estudo); as ações de estudo; o controle; e a avaliação. O sistema de situações é trabalhado com as crianças de forma que reconheçam para que estudar esse ou aquele material, e para que recebam modelos de procedimentos gerais para resolver as tarefas concretas, que conduzidas pelo professor resultem nas ações de estudo e assimilação.

            Para tal, é necessário, ainda segundo DAVYDOV (1983), um outro tipo de ação que é o controle. Este promove no estudante condições de melhorar os resultados no processo de assimilação. Inicialmente cabe ao professor a sua organização. Mas, com o tempo as crianças serão capazes de comparar eles mesmos os resultados de suas ações com o modelo dado, ou seja, é quando se forma o seu auto controle no processo.

            A avaliação, como parte da estrutura da atividade de estudar, está diretamente ligada ao controle e também é assumida pelo aluno com o passar do tempo, registrando a correspondência ou não, entre os resultados da assimilação e as exigências da situação de estudo. Indica, também, as causas da não assimilação, orientando para que se obtenha melhores resultados. Assim, para DAVYDOV:

Conservando en las notas determinado significado, es más esencial valerse de lãs possibilidades psicológicas de la evaluación como médio para hacer uma descripción detalhada del estado de las acciones de estúdio de los niños. En base a esa descripción se puede orientar más definidamente em los escolares pequeños la formación de los componentes básicos del estúdio como actividad (DAVYDOV, 1985, p. 96).

            Na formação da atividade de estudar é importante que professores e alunos, no processo de aprendizagem, e em todos os graus de ensino, criem situações de estudo que culminem na integração da estrutura da atividade de aprendizagem que deverá encontrar e demonstrar as ações de estudo, as ações de controle, e a avaliação de forma correspondentes, resultando, para o aluno, na compreensão do sentido dessas situações de estudo e na reprodução consciente dessas ações.

            Ações tais, mostradas aos alunos num plano objetivo, verbalizado ou mental, traduzindo-se em condições para que as ações objetivas adquiram uma forma mental e que sejam generalizadas, resumidas e assimiladas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Mediante esta breve reflexão da abordagem da atividade humana e mais especificamente a atividade de aprendizagem, este texto recorreu e partiu das idéias vigotskianas de mediação da aprendizagem nas relações entre o desenvolvimento mental do aluno em situação de aprendizagem, complementada por seus seguidores (Leontiev, Elkonin e Davydov) através da estruturação e análise da atividade, da generalização teórica e da interação aluno/objeto como atividade consciente, percebendo a importância cada vez maior da ação pedagógica do professor que fomenta possibilidades para as crianças em idade escolar.

            Neste processo, é de fundamental importância a ação do professor que, para Davydov, ajuda o aluno a desenvolver (na cabeça) procedimentos lógicos de caráter generalizante, ou seja, aplicáveis a qualquer disciplina e que favoreçam a formação de conceitos, a capacidade de pensamento e a assimilação consciente. Desta maneira VIGOTSKY (1993, p. 89) destaca:

O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã. Portanto, o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia, deve voltar-se não tanto para as funções já maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento.

            Para os seguidores de Vigotsky, este ideal de educação somente será alcançado no momento em que o ensino favorecer não apenas o conhecimento empírico, mas principalmente partir dele tendo como meta o pensamento teórico. Este sim contribui para a formação do aprendiz com o poder de generalização, frente às novas situações, de maneira consciente.

            Desta forma, partindo da teoria de Vigostsky, a educação escolar é de fundamental importância no processo de mediação das funções psicológicas humanas, resultando nas funções mentais superiores, e conseqüente valorização e destaque do papel do professor.

            Esse fato é confirmado nos estudos de Davydov sobre a atividade de aprendizagem, quando a educação escolar é um instrumento do desenvolvimento da criança e ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento teórico, relacionando o ensino ao tipo de pensamento – empírico e/ou teórico – que é projetado no aluno pela Escola.

            Para a teoria da atividade de aprendizagem, o desenvolvimento educacional da criança tem como objetivo a compreensão, pelo estudante, do objeto de estudo através de sua reconstrução e reestruturação.       Neste processo é impotante a assimilação de conceitos precedidos da análise de sua origem por parte do aprendiz, culminando na generalização do conhecimento para outras situações.

            Em suma, o objeto de estudo apresentado neste trabalho expressou-se na perspectiva de que o desenvolvimento humano e a educação são dois fenômenos inseparáveis, e por isso a Escola tem grande atuação na formação do pensamento da criança, que para DAVYDOV e RADZIKHOVSKII (1988), a aquisição dos conceitos teóricos e a formação do pensamento teórico, por parte da criança, e conseqüente generalização é a solução para os problemas fundamentais do ensino escolar contemporâneo. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DAVYVOV, V. V.Desarrolo psíquico en el escolar pequeno. In: Coletivo de Autores. Psicologia evolutiva y pedagógica. Editorial Progresso. Moscou, 1985.

__________. Tipos de generalización en la enseñanza. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1983.

DAVYDOV, V. V., RADZIKHOVSKII, L. A. Vygotsky theory and the activity – oriented approach in psycology. In: WERTSCH, James (org.). Culture communication and cognition: vygotskian perspectives. New York: Cambrigde University Press, 1988.

LEONTIEV, Alexei N. Actividad, conciencia y personalidade. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1983.

LIBÂNEO, José Carlos. A didática e a pedagogia do pensar: formando sujeitos pensantes e críticos, 2002. (digitado).

__________. A didática e aprendizagem do pensar e do aprender – Davydov e a teoria histórico-cultural da atividade. Trabalho encomendado, APENd, 2003, GT 04. 

LIPMAN, Mattew. Natasha: diálogos vygotiskianos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

RUBTSOV, V. A atividade de aprendizado e os problemas referentes à formação do pensamento teórico dos escolares. In: GARNIER, C., BEDNARZ, N. e ULANOVSKAYA, I.  Após Vygotsky y Piaget. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.

SEMENOVA, Marina. A formação teórica e científica do pensamento nos escolares. In: GARNIER, C., BEDNARZ, N. e ULANOVSKAYA, I. Após Vigotsky y Piaget. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.

VIGOSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.              

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[1] Nível real de desenvolvimento refere-se, segundo Vigotsky, às conquistas já consolidadas na criança, isto é, processos mentais da criança que já estão establecidos.

[2] Zona de Desenvolvimento proximal, segundo Vigotsky, é a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança , ou seja, aquilo que ela é capaz de fazer sozinha, e aquilo que ela  realiza em conjunto com o seu grupo social.