O FOLCLORE GOIANO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: caminhando – encontrando
pessoas – re(in)ventando o que tentam arrancar de
forma estúpida da nossa memória.
Luiz Carlos dos Santos·
Não apenas
contos e cantos,
mas a maquinaria faz nascer
hábitos, costumes, gestos,supertições, alimentação,
indumentária, sátiras, lirismo,
assimilados nos grupos
sociais participantes. Onde estiver um homem ai viverá uma fonte de
criação e divulgação folclórica. O
folclore estuda a
solução popular na vida em
sociedade.
Qualquer
objeto que projete interesse humano,
além de sua finalidade
imediata, material e lógica,
é folclórico.
Câmara Cascudo
___________________________________________ .
Pai do mato. Por Nilton Donizete, 8. 2a.
série. Itaberaí/2000
É
consenso entre os historiadores que um dos canais fundamentais da difusão de
conhecimentos, desde os primórdios da humanidade, foi a migração dos indivíduos. Na busca de um novo lar, os migrantes levam consigo elementos
culturais da comunidade de origem.. Em
contato com outras culturas, emergirá uma nova síntese/identidade. Toda cultura
é única, singular por maior que sejam as influências recebidas de outras
comunidades. Os elementos culturais vindos de fora são permanentemente
re-decodificados pela cultura que os recebe.
Quando
as bandeiras se embrenharam no sertão, na época colonial e posteriores, levavam
consigo os mitos do lugar. Por outro lado,
foram as lendas fornecidas pelos nativos acerca do sertão que forneceram parte do combustível
para as marchas. Eram lendas de montanhas resplandecentes de ouro ou prata,
lagoas encantadas e de esmeraldas. Mais tarde emergiriam os bezerros e potes de
ouro.
Uma vez superada a fase inicial de
reconhecimento básico do terreno, viriam as fases de fixação. Eram indivíduos que surgiam de diferentes lugares e
posições sociais.
Uma
vez em território diferente e em contato com as mitologias do lugar, nascem
novas histórias fabulosas. O que ia nascendo desses encontros de civilizações
era uma coisa única e singular com contornos próprios dos lugares. Mas que
carregarão os traços básicos das
origens, os fundamentos acerca os dramas humanos que fundaram uma ou
lenda.
Gaston Bachelard, na Introdução do livro “O
Simbolismo na Mitologia Grega”, afirma
que todo mito é um drama humano condensado e
é por essa razão que todo mito pode servir de símbolo para uma situação
dramática atual. Qualquer grupo social edifica permanentemente suas mitologias.
O perigo reside na apropriação dessas mitologias pelos grupos de poder a fim de
legitimar sua dominação sobre o restante da sociedade.
Caminhar’, encontrar com os outros, trocar
experiências. Foi assim o processo que pretendemos expor em nosso artigo.
Mostraremos como foi o processo de amadurecimento/sublimação e apropriação das
coisas do folclore goiano nos cursos/assessorias pedagógicas sobre o ensino de
história para professores do Ensino Fundamental e
Médio de diversos municípios na região
da Diocese de Goiás. Foi no decorrer da experiência externa que começamos a introduzir,
gradativamente e na medida que as ministradas por mim na UCG e UEG permitiam
tal abordagem. Mas retomemos o curso
das coisas, a caminhada.
Tudo
teve início lá pelos anos 1996, quando fomos convidados para prestar assessoria
pedagógica para professores de seis escolas públicas na cidade de Goiás. A
assessoria tinha como objetivo a produção de 4 livros de história para as
quatro séries iniciais do Ensino Fundamental. Nosso desafio consistia em fazer com que a própria comunidade escolar
produzisse os tais livros. Teve momentos que acreditei piamente que o mundo
estava louco. Nunca tinha trabalhado num empreendimento daquela envergadura.
Mas as coisas acabaram fluindo, mesmo com muito tropeços.
A
metodologia, à primeira vista, era simples. Iniciaríamos a discussão teórica
acerca dos temas geradores que apropriamos no Programa Curricular do Estado,
visto que os livros tinham que passar pelas exigências da Lei. Depois da
discussão teórica sobre os temas necessários, os professores assessorados buscariam
junto aos seus alunos textos e desenhos sobre os assuntos. Cada estudante
deveria colocar no papel a idéia que tinha sobre os assuntos dados. O passo
seguinte era a socialização dos trabalhos com os colegas da sala, na escola
campo. Feito isto, o professor assessorado tentaria, junto com os próprios
alunos, produzir um texto síntese. Para
tais atividades tínhamos feito uma previsão de dois anos para cumprir o
projeto, já que eram 4 livros e não poderíamos sobrecarregar as crianças e
muito menos criar algum embaraços ao cumprimento dos programas
curriculares das escolas campo onde os
professores assessorados trabalhavam. Mais um passo se fazia necessário nessa
fase de coleta do material. Uma parte do dia dos encontros com os professores
assessorados era gasto para a socialização dos trabalhos com as escolas e a
produção de um novo texto síntese que iria para o livro específico. Durante a
caminhada muita coisa precisou ser revista.
Percebemos,
logo de início, que pelo menos um terço dos professores não estavam dispostos
‘a mexer com feitura de livros’ e o argumento era aparentemente simples: os
livros de história que vinham usando estava bom demais. Convidamos o grupo
dissidente a procurar uma outra assessoria, já que haviam outras três na
cidade e nos mesmos datas que a nossa,
um vez no mês. Outras questões foram surgindo. Duas delas e que nos importa
aqui foi ama certa fragilidade que percebemos
nos professores assessorados acerca dos seus conhecimentos dos temas da história do lugar. Tinham um certo
domínio só do trivial. A segunda questão passava pela não prática da busca das
fontes de pesquisa histórica (orais, materiais ou escritas) existentes com
abundância na cidade. As aulas de história do município eram ministradas com
base numa daquelas apostilas bem tradicionais. Foi a partir destas descobertas
que comecei a chegar na cidade de Goiás na manhã anterior ao dia dos encontros
pedagógicos. Adotei tal prática quando migrei para fazer trabalhos em outros
municípios.
O dia de contato com a comunidade contribuiu
satisfatoriamente para as assessorias. Recolhíamos entrevistas com pessoas comuns, registrávamos as coisas e arquitetura da cidade, e levantamos o que era possível nos arquivos
públicos. Assim passei a ter um cabedal formidável para os encontros de
assessoria. Tal cabedal foi
importantíssimo no momento que fomos para os trabalhos externos com os
professores assessorados. Ai apareceu coisa do arco-da-velha – professores que
nasceram na região nunca tinham entrado nos museus da cidade.
De todos os avanços, um se tornaria na chave do
sucesso, os livros se fundariam na idéia de que deveriam ser ‘instrumentos de mediação para a construção
de novos livros’ no futuro. Já que até um certo momento os professores
assessorados pleiteavam ‘um livro do professor’ separado dos destinados aos
alunos. A idéia foi bem sintetizada por
um membro do grupo assessorado: ‘os
livros que estamos construindo não devem ser vistos como muletas, mas uma
motivação para a construção de outros, permanentemente’. Foi com projeção de tal caminhada que o grupo optou
por conteúdos menos extensos e propostas de ‘atividades’ que viriam dar sustentáculo à caminhada futura. O tema folclore vai aparece de forma
aparentemente simples nos livros 3 e 4,
que tratam da história do Município e Estado
respectivamente.
No
livro três trabalhamos com a ‘lenda do filão de ouro’, uma coisa muito forte na
região. Mas o primordial aqui, e no livro quatro, como as salientamos acima,
são as atividades propostas que reportam o
estudante à busquem dos
tesouros do folclore local, e automaticamente, no livro 4, o goiano.
O ponto ‘de mutação’ talvez tenha emergido com
o texto coletivo das crianças, no livro
4, sobre o ‘O Nosso Estado’, quando indica que
O nosso Estado, é rico
em lendas, cavernas, curupiras, pais do mato, negrinhos d’água, sacis. (...)
O
ciclo parecia concluído, mas na verdade
estava começando. A ‘idéia de
ciclo’ talvez seja algo muito limitado
para uma caminhada que trate da cultura
de uma comunidade qualquer. Seria
melhor pensar num arco-íris. Ele
bebe água aqui, bebe ali. Tem a história que se passarmos debaixo dele mudamos
de sexo, que na sua ponta tem um caldeirão de ouro. É história para dar com pau.. Tudo isso é
simplesmente magnífico, como teria de
ser mesmo, uma vez que nunca conseguimos chegar numa das pontas do ‘arco da
velha’, e muito menos passar por debaixo do mesmo. Ele está sempre se afastando
de nós, mudando de lugar, conforme nos deslocamos. É evidente que deveremos esclarecer
aos estudantes que o arco-íris é um fenômeno da natureza. Dizer que não é
mágico, jamais. Magia e razão são partes de um todo multifacetado. É numa
caminhada que vamos descobrindo coisas fabulosas, sejam da razão ou do coração
– e mesmo as duas coisas juntas.
Num
dia, inteirinho,que passamos no Gabinete Literário na cidade de Goiás, entre tantas preciosidades, encontramos uma 1a.
edição do livro ‘Folklore Goiano’ de José Aparecido Teixeira, editado em
1941. Foi um daqueles dias anteriores
aos ‘encontros’ para assessoria conforme já citei acima. Um breve vôo sobre o
‘Prefácio’ do livro de Teixeira já nos
deixa fantasiados.
Conta
Teixeira que na sua viagem de estudos sobre o folclore pelo Estado de Goiás, no ano de
1940, uma pessoa, de certa cidade, lhe perguntou: - Doutor, que é isto de folclore? A
pergunta era justa, pensou. Folclore era um nome realmente esquisito
para muita gente. Mal começara a
explicar que folclore era o estudo de
histórias, superstições e, a mesma pessoa interveio “- ah! Essas besteiras do povo, seu doutô”.
Como
este, pensara Teixeira, que muitos
outros brasileiros, ao depararem com o
título de seu livro (folklore goiano) nas vitrinas, pensariam com seus botões: Bobagens de tabaréus. Que
Brasil atrasado, ainda se publicam coisas assim! Outros, mais delicados talvez, poderiam pensar: Coisas
engraçadas para passar o tempo.
Para
Teixeira tais coletâneas engraçadas escondem, debaixo de suas simplicidades, um
sentido profundo da vida, que escapa ao comum da gente. E lembra: não
foi à toa que os estudos das histórias, crendices e outras bobagens do povo,
começadas com os irmãos Grimm, se multiplicaram rapidamente em todos os
países. Foi a necessidade
de fundar, solidamente, as nacionalidades
que determinou o florescimento
dos estudos folclóricos em toda Europa no século XIX, lembra Teixeira. Afirma, ainda, que a tradição é a
seiva que alimenta a alma dos povos e, que o folclore
se presta como um instrumento
científico de estudo e análise da alma popular.
Teixeira
admite que a produção literária dita
popular sempre foi e, talvez continue sendo, por um tempo inimaginável, uma
atividade útil, necessária a existência de qualquer comunidade.
Com
sustentando-nos em Teixeira podemos
admitir que a essência e a finalidade
das produções populares se encontra no conteúdo que as mesmas trazem acerca da
realidade. Na mítica de um herói e, qualquer outra figura fantástica, somam-se
a vida e os trabalhos de milhares de criaturas. Os mitos não são fugas nem
mentiras, mas explicação. Ao contrário
da filosofia que especula com os eruditos, o povo usa imaginação e coração para
dar respostas do que faz no mundo e
como é o mundo.
O folclorista lembra que elementos
interpretativos de cada pedaço do território, de cada fato duma civilização,
são por isto mesmo poderosos laços de coesão de uma civilização e da integridade deste território. Noutras palavras,
a tradição popular, secreção natural e necessária de uma sociedade, é o
poderoso elo que lhe garante a unidade da mesma.
Teixeira
acreditava, piamente, que naqueles anos de Estado Novo, o Brasil estava passando por um profundo
processo de consolidação da nacionalidade ao
afirmar que
o
momento nacional, de formação
de nossa personalidade política, de nossa independência econômica, de uma expressão
cultural e artística própria, que nos darão foros de nação adulta, exige que
multipliquemos trabalhos desta natureza. Até agora temos sido uma nação adolescente, mais ou menos tutelada
política, econômica e culturalmente, pelo influxo de nações mais velhas.
Para
Teixeira Goiás era naquele momento,
talvez, o Estado mais rico em tradições verdadeiramente nacionais e que
ainda não tinham sido deturpadas pela onda europeizante do litoral.
A
crítica levantada por Teixeira nos anos 40 acerca da onda europeizante talvez
ainda seja algo atual, guardando as
devidas proporções do tempo. Teixeira não viu, e nem poderia ter visto, não por
ingenuidade, a onda do americanismo que já estava em gestação naqueles
anos. A onda europeizante logo daria
lugar ao ‘americanismo’ e seus desdobramentos futuros.
Mas seja por magia ou não foi no
contexto atual da globalização que as questões nacionais voltaram a ganhar
novos contornos. Mas tal discussão não é nosso objeto de trabalho aqui.
Voltemos ao caminho.
Quando
assessorava professores de
Sanclerlândia acerca da história para o Ensino Fundamental e Médio, percebi,
como em outros lugares, que as
informações que os professores tinham
sobre fatos históricos mais profundos da região eram um tanto frágeis.
Esta fragilidade pode ser produto das apostilas oficiais que encontramos por
todos os lados nos municípios e que se
resumem num amontoado de datas e nomes de pessoas importantes e outras
parafernálias que o organizador julgou importante como matéria de conhecimento
para ser ensinado nas salas de aulas.
Um dado
que julguei relevante para a história do município é que no sul do território, mais
especificamente onde está o povoado de Aparecida da Fartura, era o lugar
onde o governo da Capitania
instalara, em 1780, um aglomerado indígena, a Aldeia Maria I.
Aquele povoado está exatamente no centro de uma ferradura que forma o rio
Fartura naquele lugar. Os mapas que apontam o lugar da Aldeia situa a mesma
numa ferradura. Não existe outro contorno igual no rio em toda a sua extensão e
que corta de ponta à ponta o lado oeste
do município. Os professores
assessorados ficaram admirados com a descoberta. Chegaram a dizer que o
assessor conhecia o município mais que eles. Mas passemos a outro fato,
desdobramento deste primeiro e ligado as um terceiro.
Aqui
teremos que abordar coisas domésticas, elas também podem ser parte da
‘caminhada’. Foi no mês de dezembro de 1999, quando já tinha encerrado as
assessorias em Sanclerlândia que resolvi fazer uma visita de reconhecimento do
povoado de Aparecida da Fatura. Isso seria no dia 20. No dia 19 à noite minha
esposa contou histórias sobre as aparições do
pai do mato quando moravam na área rural no município de Trindade, no pé
de uma serra que dava para outra e tendo um vale entre as duas com uma mata
muito fechada cuja denominação é ‘borcão’.
Durante a noite o moleque de 13 anos não pregou os olhos. Pensei comigo:
- vou levar este danado na viagem, por
lá deve ter muita história de pai do mato, não deu outra!
O
nosso primeiro entrevistado foi o sr. Manoel José Pereira, padeiro, 40 anos,
solteiro. Primeiro perguntamos se ele
sabia que ali fora a Aldeia Maria I e tivemos resposta positiva e de lambuja
nos disse que chegou a ver os restos do rego d’água que saia do córrego do
Pissarrão (que hoje tem outro nome) e alimentava a aldeia num poço bem em seu
centro. Falou ainda que o rego passava no ali mesmo, no seu quintal. De
fato, existe uma grande depressão
cortando o seu quintal no sentido/leste. Depois perguntamos sobre o pai do
mato, foi majestoso.
O Sr. Manoel afirma que nunca viu o pai do mato,
mas que ainda existe um lá para as
bandas da Serra Dourada (sudoeste do povoado, já no município de Córrego do
Ouro – do povoado podemos avistar a Serra.
O
nosso depoente disse que o pai do mato
é um índio baixinho que ficou com o corpo todo
cabeludo e que nunca morre. Disse que ele tem uma força descomunal, que
seria capaz de derrubar as paredes de um casarão antigo. Nos informou que um pastor que morava do
outro lado do rio teria ficado frente à frente com o pai do mato. Não perdemos tempo e como se diz o ditado
popular, deitamos o cabelo para a casa do pastor. Logo tivemos uma decepção, o pastor tinha
falecido há 6 meses. Mas nem tudo estava perdido. Sua esposa, Dna Amélia
Prudente de Oliveira, 62 anos, nos falou da sua chegada na região e das coisas
que viu. Não viu o pai do mato mas escutou muitas histórias sobre o mesmo. Falou que
um
homem muito bruto que morava lá para as bandas da Serra Dourada, era muito mau
para seus peões e os outros, xingava muito e que um dia ele resolveu afrontar o
Pai do Mato com xingatórios e armado de
um machado. Marchando para o lado da Serra, munido do machado e sempre
xingando, logo escutou um assobio ao longe e à medida que avançava com seus
xingatórios, mais o assobio se aproximava. dizem que o pai do mato ‘cortou o
fazendeiro no chicote’.
Após
tal relato, fazendo conexão com outros que já tinha recolhido, percebi que
havia ensinamentos profundos nessas histórias. Que o pai do mato, genuinamente goiano, aquele baixinho, corpo todo
cabeludo exceto entorno do umbigo, protetor de crianças e das matas, também
conhecido como caipora, que pode ser macho ou fêmea, Esse ente espiritual nunca
matou ninguém, só aplica algum corretivo em
pessoas ruins, como aquele fazendeiro ou aqueles que não guardavam os
seus preceitos sobre o respeito com as matas e os bichos. É necessário lembrar que curupira e caipora
são entes diferentes. O curupira tem o corpo pelado e uma grande cabeleira, os
pés virados para trás, comanda as manadas de porcos do mato e anda montado no
maior deles. É o protetor dos animais.
É claro que no imaginário popular as coisas, nem sempre, aparecem tão claras assim.
Durante a exposição de Dna. Amélia outro fator
me chamou a atenção. Suas netas e
netos, mais ou menos uns cinco de 10 a 12 anos de idade, não despregaram por um segundo do lugar que estávamos. Teve um fato interessante,
quando dona Amélia pediu para uma das netas ir ‘fazer um suco para o professor
e seu filho’, ninguém banou nem o rabo’. Assim percebi a carga pedagógica/social que tais histórias
carregavam, o fascínio e envolvimento que gerava nas pessoas, principalmente em
crianças e jovens. Daí p’ra frente me enveredei por tudo quanto é caminho,
principalmente nos livros sobre o assunto. Descobri muitas asneiras, mas também
coisas fabulosas.
Tudo parece ser um eterno começo, um caminhar
sem fim. Passemos ao próximo trecho da caminhada que foram as assessorias
pedagógicas para professores do Ensino Fundamental e Médio no município de
Uruana nos anos 200 e 2001.
Em Uruana entendemos que seria muito pouco produzir
um ou mais livros de história, qualquer uma dessas coisas seria muito pouco
pela riqueza que poderíamos fazer fluir com o grupo. Agregando as experiências
anteriores produziríamos “As Páginas da História”. A idéia de ‘paginas’ parecia
surgia como algo mais aberto, com uma magia maior. A metodologia foi quase a
mesma dos 4 livros, mas parece que os trabalhos se tornaram mais envolventes.
Fizemos as reflexões teóricas sobre os temas
básicos das quatro primeiras séries do ensino Fundamental e incorporamos temas
como ‘os sonhos de cada uma’, ‘o herói de cada um etc. Após cada encontro com
seus temas, os professores levariam os mesmos assuntos para seus alunos. O
mesmo processo utilizado na cidade de Goiás, exceto a produção de textos
sínteses, seja pelos alunos da escola campo ou professores assessorados nos
encontros. Cada texto dos alunos já seria o próprio documento, ‘as páginas da
história’.
Foi um re(en)contro fabuloso de gerações.
Nos trabalhos de entrevistas com as pessoas mais idosas, teve crianças que
afirmou que ‘não sabia que as pessoas antigas tinha tanto conhecimento”.
Posso dizer que foi em Uruana onde o trabalho de incorporação do folclore goiano
se consolidou à nossa prática educativa
se consolidou, e duas histórias concorreram para isto, justamente duas
histórias de pai do mato. A primeira veio do Distrito de Uruita recolhida por
Tahys Nathany Siqueira Dias, da 2a.
série, é o texto é assim
Era
uma vez uma moça muito bonita. Todos os dias ela ia buscar água na fonte. Um
certo dia a bela moça já estava quase enchendo seu pote, quando apareceu um
homem de mais ou menos meio metro, com o corpo todo peludo. Ele vivia nos
matos. O homenzinho pegou a moça e a arrastou pelos cabelos até a sua morada,
que era no tronco de uma árvore, num oco.
O
homenzinho peludo tentou colocar a moça no oco da árvore, mas como ela já era
adulta, não coube. Assim, ela ficou sentada nas raízes e ele com a metade de
seu corpo no oco da árvore e a cabeça no colo da moça. A moça começou acariciar
os cabelos dele, que logo pegou no sono. A moça trançou todo cabelo do pai do
mato e amarrou suas tranças na árvore, fugindo logo a seguir.
É
por isso que nas noites escuras, no sertão, se ouve um grito forte. É o pai do
mato chamando sua amada.
O grupo percebeu que
tal texto, assim como tantos outros, carregavam alem de conhecimentos
profundos, uma poesia descomunal.
Não
temos lembrança de depoimentos que
apontasse algum descaso com os
trabalhos. Passemos à nossa segunda história, que na verdade se desdobra em
dois momentos distintos, mas complementares.
Foi
no dia 06 de abril de 2000, véspera de um dos encontros com os professores
assessorados. Fazíamos o giro costumeiro pelo município, quando fomos bater
na Comunidade de Areias, no sopé da Serra das Areias. Quando faria o primeiro
contato com o Sr. Sebastião.
Não consegui depoimentos precisos sobre o inicio da Comunidade. Há quem diga
que foi inaugurada pelo prefeito da época José Ribeiro, conhecido como Zezé
Batuque, com muita festa, foguetório e
que deveria se chamar Urussânia ou Urucena, sabe-se lá. Dizem que no dia da
festa um tal de Sebastião falou que aquilo não iria para frente, não passaria
de “um subaco pelado”. E o lugar é conhecido, hoje, como ‘Subaco’ e lá está
para quem quiser ver. Mas esta é outra história.
A comunidade de areias consiste num núcleo
populacional, ou o que deveria ter se tornado isso, que congregou no seu
entorno um contingente de mais ou menos 25 pequenos proprietários nos anos
1980. Ainda existem alguns desses pequenos proprietários na região. O centro
urbano se resume numa escola abandonada com vidros quebrados, portas
arrebentadas e as duas ‘casinhas’ (latrinas), uma em cada extremo no fundo da
área da escola; um cruzeiro na frente da escola, para o lado da estrada que
corta o lugar e três casas de moradores sendo que uma delas também estava
abandonada.
Numa
das casas ocupadas mora o Sr. Joaquim Vieira Neto, 50 anos, sua esposa Maria
Santana, 40 anos, e um casal de filhos com 11 e 12 anos. Na outra casa mora o
Sr. Sebastião Borges Martins, 60 anos, viúvo, entende de raízes medicinais e
é benzedor, pai de nove filhos já
criados e que não vivem com ele. Mora ali só com suas criações. E vai ser com o
sr. Sebastião que iremos chegar na sublimação da nossa caminhada.
Conversamos sobre o pai do mato e ele falou que
já tinha escutado o gritinho dele lá pro lado do Cruzeiro, povoado no município
de Morro Agudo, e que não sabia mais nada.
Na despedida indaguei se poderia tirar uma foto dele na frente de sua
casa e a resposta foi para que deixasse isso par lá, que se quisesse poderia
tirar fotografia de sua casa. Me falou que numa ocasião quando tirou uma foto
de um cavalo que gostava muito, no outro dia o mesmo morreu. Acabou que não
tirei fotografia nem de sua casa, pois qualquer ângulo que tomasse sairia uma
de suas criações na foto, já que na porta dormia um cachorro, para o lado
direito haviam as galinhas e pelo esquerdo gado e cavalos. Fui embora um tanto
decepcionado.
Cinco meses depois passaria novamente pelo
‘Subaco’, no dia 14 de setembro, ali pelas 17 horas. Pensei em dar uma parada
na casa do sr. Sebastião, mas estava muito cansado do dia de andanças, e pensei comigo: - Há!.. ele não tem mais nada
para me falar, vou passar batido. Uns Mais ou menos uns 500 metros depois o
caldo iria entornar. Quem vejo vindo de bicicleta em sentido oposto ao meu? O
danado do Sr. Sebastião. Pensei novamente: - Vou passar no tiro!... e passei?
que nada!... ele me cumprimentou e não tive outra alternativa que não parar e
voltar para encontrá-lo. A primeira pergunta que fiz foi se estava lembrado de
mim. Ai sofri um baque daqueles de perder o rumo de casa. Falou que eu
era o professor da Universidade que estava procurando ‘o bichinho’, e se
tinha encontrado o que procurava. Atordoado com sua indagação falei que de certa forma sim. Falei que passara a
nutrir um respeito espiritual muito grande pelo pai do mato, entre outras
coisas. Então veio a maior surpresa. Ele disse: - Meu filho, então agora nos
dois podemos conversar!... pediu-me se ele poderia fazer uma oração – e fui
doido de dizer alguma coisa ao contrário?!... Logo depois da oração feita,
olhando para o alto e com o chapéu colocado sobre o peito começou:
-
Ele é um bichinho do mato que também é
conhecido como caipora. As vezes ele é invisível e vive lá no alto da serra observando nós aqui embaixo, se nós vivemos aqui pensando em prejudicar
‘Deus e todo mundo’. Quem sabe ele
pensa que nós estamos querendo prejudicar ele também?! E ele sabe que estamos
prejudicando ele também. E ai? Se tivermos prejudicando a ele, ao próximo nosso
irmão, prejudicando a natureza, as nossas belas capoeiras, né! Aí então ele vem encima de nós. Se
prejudicamos a natureza será um ponto final que nós não vencerá. Se for através
de bondade nós vencerá todos. O pai
do mato gosta de todo mundo. Ele só vai fazer mal para quem procurar destruir a
natureza, mas o mal que ele faz não é matar agente. Um lugar como esse que
estamos aqui no pé da serra com esses matos, águas, tudo muito bonito, se não respeitarmos,
tudo ficará feio e a água sumirá. Esse
é o castigo que ele nos dá. Se você resolver tratar dele lá na sua cozinha,
todos os dias você vê ele lá, deixa ele
fazer o que quer, ele quer comer ele
quer observar, olha a meninas, ele gosta de meninas, mas não faz nenhuma mal
para elas.
Após outras tantas falas arrematou:
-
Se for com grande paciência e bondade, sabendo levar, chegamos longe.
E
assim encerramos o nosso trabalho lembrando que os conteúdos de história por eles
mesmos são vazios, parecem fazer parte de um mundo que não nos identificamos
com ele. Teoria e prática são parte de um todo. Todo que podemos resumir na
fala do sr. Manoel Rodrigues, 90 anos, morador na Comunidade da Estiva no
Município de Goiás, que em dezembro de 2002 disse o seguinte:
-
Quando fui convidado para vir aqui na escola da Barra, que um professor da
Universidade iria falar das histórias, do folclore do lugar, fiquei pensativo.
Pensei que iria ser uma coisa muito complicada. Mas o senhor foi levando, pôs
agente pra falar sobre as nossas coisas e foi explicando os fundamentos de
tudo. É tudo do jeito que o senhor falou mesmo. E digo mais, todas essas coisas antigas continuam
existindo hoje, mas só que de forma diferente. Por exemplo, o lobisomem. O
lobisomem, hoje, são essas pessoas que abusam de crianças.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
ALMEIDA, Nelly Alves de. Tempo de Ontem: memórias
e estórias. Goiânia, Imprensa da
U.F.Go., 1972.
CASCUDO,
Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Ediouro, 1972.
DIEL,
Paul. O simbolismo na Mitologia Grega. São Paulo, Attar Editorial, 1991.
DONATO,
Hernâni. Dicionário das mitologias americanas. São Paulo, Cultrix/MEC, 1973.
GAMBINI,
Roberto. Espelho Índio: a formação da alma brasileira. São Paulo, Axis/Terceiro
Nome, 2000.
LÉVÊQUE,
Pierre. As Primeiras Civilizações. Volume I – Os impérios do Bronze. Lisboa,
Edições 70, 1987.
SANTOS, Luiz Caros dose CHAVES, José Pereira.
Produção do Conhecimento: Níveis e (des)níveis. Fragmentos de Cultura. Goiânia,
IFITEG/SGC, 1998.
SANTOS,
Luiz Carlos. Pedaços de Sonhos. Viver e aprender: a família, o trabalho e a
escola. Goiânia, Editora Gráfica Terra, 2000.
__________________ Caminhando Juntos. Viver e aprender: a
comunidade – o bairro. Goiânia, Editora Gráfica Terra, 2000.
__________________ Nas Trilhas do nosso Município. Viver e
aprender: O Município de Goiás. Goiânia, sem editora, 2001.
__________________ Nas Trilhas do Nosso Estado. Viver e aprender o Estado de Goiás.
Goiânia, sem editora, 2001.
__________________ Tragédia no Sertão dos Goyazes: do
folclore goiano – séculos XVII e XVIII. Goiânia, Deescubra, 2003.
RICARDO,
Cassiano. Marcha para o Oeste. 2o. vol. 4a. edição. Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora; São Paulo, editora da USP., 1970.
TEIXEIRA, José Aparecido Teixeira. FOLKLORE
GOIANO: Cancioneiro – Lendas – Superstições. São Paulo, Comp. Ed.
Nacional, 1941.
OUTRAS FONTES (trabalhos inéditos)
SANTOS, Luiz Carlos dos. Páginas da História –
Município de Uruana. 2000.
______________________ Itaberaí - Páginas do
Cotidiano. 2000.
______________________ História e Religiosidade.
11 assentamentos rurais e dois povoados no município de Goiás. 2002/2003.
______________________ Olhares sobre o cemitério
de Aruanã. 2002.
RESUMO:
O
texto trata das assessorias pedagógicas em história que fizemos com professores
de diversos municípios ligados à Diocese de Goiás. Mostra as metodologias
utilizadas nos ‘encontros’ com fins à produção de material didático pedagógico
sobre a história do lugar e do Estado. Delineia como a assessoria foi
crescendo, ganhando mais substância, agregando conhecimento às partes. Por fim,
explicita como se deu a apropriação/sublimação do temas sobre o folclore goiano, o envolvimento de
diferentes atores na caminhada.
· Professor da Faculdade de História da Universidade Católica de Goiás, especialista em Educação-
Docência Universitária pela UCG.