A FORMAÇÃO ACADÊMICA
DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA: O PAPEL DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Vanilton Camilo de Souza[1]
Pretendo com este texto apontar alguns aspectos que contribua com o debate sobre a formação de professores de Geografia e quem sabe na construção de projetos de formação que estejam pautados em ações reflexiva numa etapa curricular da formação de professores de Geografia.
Tais aspectos resultam de reflexões de minha experiência enquanto professor de Didática e Prática de Ensino de Geografia, bem como orientador de Estágio Supervisionado em Geografia, em cursos de licenciatura de diversas Instituições de Ensino Superior em Goiás, além da participação em associações que discutem questões ligadas a educação, principalmente no campo da formação de professores. É, portanto desse lugar que procurarei discutir a questão colocada. Entretanto acredito que as reflexões a serem feitas possam estar presentes em atividades de estágio de qualquer curso de graduação.
Com o estágio supervisionado nos cursos de graduação pressupõem ser o momento em que são criadas as condições que possibilitam ao aluno o contato com as atividades profissionais em locais (também chamado de campo de estágio) onde estejam estruturadas as condições para o exercício da profissão. No caso dos professores de Geografia refiro-me às instituições escolares de Educação Básica.
Para esse contato pressupõem-se o desenvolvimento de atividades consideradas essenciais na formação do professor. É justamente neste aspecto que eu tomarei para orientar as reflexões, ou seja, problematizar o tipo de atividades que geralmente se desenvolvem em estágio supervisionado de Geografia.
Sabemos que é impossível a existência de atividades curriculares que não tenha referência em concepções e teorias. Neste sentido, estou tomando que as atividades de estágio possuem referências que as caracterizam e orientam, dito de outra forma, existem concepções e teoria que orientam as atividades de estágio supervisionado.
Uma das concepções que caracterizam as atividades de estágio é, segundo Gomes e Schön (1995), fazendo referência à formação de professores, caracterizada pelo modelo da racionalidade técnica. Esse modelo consiste na crença de que o conhecimento de princípios e técnicas científicas adquiridas ao longo do currículo garantiriam uma boa prática profissional no momento da realização do estágio.
É muito recorrente a idéia de que neste modelo não seja necessária a utilização de teorias que orientem o pensamento e as ações. O que importa é a aplicação de modelo, independemente da situação na qual ocorre a atividade. Ou seja, nesta concepção pressupõem-se que a realidade é que deve ser mudada para garantir o sucesso das atividades do estágio.
É muito comum também neste modelo a idéia de que a formação profissional é responsabilidade quase que exclusiva do momento em que o estágio é realizado. Neste sentido, teremos um currículo que não consegue articular o campo epistemológico com o campo profissional ocorrendo uma demarcação do que é “teórico” do que é “prático”.
Já outra concepção, referenciada em Zeichner (1993) denominada aqui como modelo da ação reflexiva, parte do princípio de que o estágio deve ser considerado enquanto atividade que permita ao aluno um contato com a realidade do campo profissional, objetivando: aprender e refletir sobre tal realidade; propor e participar de todo processo relacionado ao exercício profissional; articular a perspectiva do currículo com a realidade profissional utilizando-se das teorias existentes como possibilitadora da reflexão e da ação no campo profissional. Ou seja, o estágio necessita de teorias que circunscrevem (ou deveria) as disciplinas do currículo com as quais o estagiário poderá elaborar e propor ações para os problemas detectados no meio profissional.
Nesta perspectiva o olhar do estagiário para o campo de estágio deverá acontecer de forma que as situações não sejam naturalizadas. Dito de outra forma. O estagiário deverá empreender um olhar crítico a fim de caracterizar a realidade tendo nas situações problemáticas as perspectivas de suas ações, as quais, certamente, necessitarão de teorias para superá-las. Com a naturalização de situações-problema, a sua superação passa a ser tidas como impossíveis de se resolver. É a busca da superação das dificuldades que proporcionará a ampliação da formação acadêmica do profissional, seja ele qual for.
O Estágio
Supervisionado na UEG
Estas concepções estiveram presentes nos debates sobre o Estágio Supervisionado a mais de uma década no que se refere ao campo da formação de professores. Entretanto, ainda hoje, percebe-se uma forte presença da concepção aqui chamada de modelo da racionalidade técnica. A UEG, que tem se colocado essencialmente como instituição formadora de professores, não é uma exceção, apesar desse debate se fazer presente na Universidade e de existir professores que demonstram o interesse de superar esta perspectiva e buscarem condições para tal.
O fato é que uma série de fatores na Universidade ainda são bastante frágeis, considerando as bases necessárias para uma mudança significativa para o campo do Estágio Supervisionado, a saber:
1 – formação teórica dos professores que supervisionam o estágio como forma de criar as condições para orientar as reflexões dos estagiários sobre as situações profissionais;
2 – efetivação de uma prática de pesquisa sobre a formação profissional;
3 – construção clara dos objetivos dos cursos e do perfil do profissional que se pretende;
4 – referenciar-se mais pela perspectiva da formação científica do que pelas orientações impostas pelo mercado;
5 – que o Estágio objetive a ações mais qualitativas na formação profissional do que pelo simples cumprimento das horas na forma da Lei.
Além destes aspectos a ser superado, a UEG conta ainda com uma situação ímpar. Por ser uma Instituição multicampi, ela atende um grande número de estudantes que não residem na cidade sede da Unidade Universitária. Tem sido muito recorrente a falta das condições para o professor acompanhar o aluno em sua cidade bem como da dificuldade do aluno se dirigir para a cidade sede da Unidade para fazer seu estágio fora do período de funcionamento do curso. Isso tem dificultado a realização do estágio numa perspectiva mais acadêmica.
Percebe-se que a superação destes entraves depende de projetos institucionais, de projetos oriundos dos professores pertencentes a esse campo do currículo, de ampliação de pesquisas sobre o ensino de Geografia, além da contribuição de cada um participando do debate e propondo projetos que se orientem pela mudança.
Não considero precipitado em dizer que para promover o debate e propor mudanças para o Estágio Supervisionado tomemos algumas ações, do tipo:
- sempre que possível construir propostas de Estágio Supervisionado de forma interdisciplinar. A existência de olhares diversos sobre um trabalho pode ajudar na superação de dificuldades que talvez fosse difícil ser conduzido solitariamente por um professor. Se possível envolver professores de outras disciplinas do currículo. É bom salientar que nem todas etapas do projeto possam ser interdisciplinares. Devemos estar atendo aquilo que é específico da área;
- apontar prioridades para as ações a serem desenvolvidas no estágio com clareza de objetivos e metas. A formação de qualidade requer uma verticalização sobre aspectos os quais são considerados imprescindíveis para o exercício da profissão;
- implementar no currículo do curso a responsabilidade de cada disciplina ou de conjunto de disciplinas responsáveis pela formação profissional;
- substituir os relatórios técnicos, como atividade final de estágio, por produção acadêmica (artigos, monografias) que contemple a prática da pesquisa sobre as situações profissionais e do local de trabalho.
O que ora apresento o faço
sem a pretensão de ser uma perspectiva de Estágio que vigore em todas
Universidades do Estado como projeto único. Entretanto o faço no sentido de
suscitar o debate sobre o assunto no processo de formação de Geografia, a fim
de que um projeto e uma política de Estágio Supervisionado seja construído em
nossas Universidades, nas quais gostaria de ver materializado o mais alto grau
de excelência na formação de professores no Estado de Goiás.
Referência
Bibliográfica
GOMÉS,
Angel Pérez. O pensamento prático do professor: a formação do professor como
profissional reflexivo, in: Nóvoa, António. (coord.) Os
professores e sua formação. 2 ª edição, n.01, coleção temas de educação,
Lisboa: Editora Instituto de Inovações Educacionais, 1995, p. 93-114.
SCHÖN,
Donald A. Formar professores como profissionais reflexivos, in: Nóvoa, António.
(coord.) Os professores e sua formação.
2 ª edição, n.01, coleção temas de educação, Lisboa: Editora
Instituto de Inovações Educacionais, 1995, p. 77-92.
ZEICHNER,
Kenneth M. A formação reflexiva de
professores: idéias e práticas. Lisboa: Editora EDUCA-PROFESSORES, 1993.
[1] Mestre em Educação pela UFMG e Professor de Didática e Prática de Ensino na UEG.