A UTILIZAÇÃO DE MAPAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA
Loçandra Borges de
Moraes*
Introdução
As tecnologias da produção, da informação e da comunicação fazem com que o espaço a cada dia se torne mais integrado, mais globalizado, mais regulado por regras, inclusive internacionais, que não consideram limites, fronteiras definidas ou as especificidades e interesses locais. Como resultado desse processo, tem-se um espaço que tende a ser homogêneo, mas é desigual. Homogêneo porque tem ocorrido uma certa padronização da cultura e dos valores mundiais, embora a cada dia cresça a luta pela valorização das culturas locais e regionais. Desigual porque é cada vez maior o número de pessoas excluídas até mesmo dos direitos mínimos necessários à sobrevivência humana, como os direitos de se alimentar e habitar.
Um espaço assim estruturado é de difícil compreensão para as pessoas e, nesse contexto, dentre as disciplinas que compõem o currículo do Ensino Básico, a Geografia, em virtude da relevância atual de seu objeto de estudo – o espaço geográfico, poderá adquirir importância fundamental. Na opinião de Cavalcanti (2000), à Geografia cabe um papel central na formação de uma consciência espacial, de um raciocínio geográfico para o exercício mais produtivo da cidadania. Para tanto, segundo a citada autora, a Geografia escolar deverá ser estruturada de modo a capacitar os alunos a construírem e reconstruírem conhecimentos, habilidades e valores.
Essas reflexões teóricas no campo da Geografia começam a fecundar novas
propostas de ensino da disciplina no Ensino Básico. Seus autores destacam,
entre outras coisas, a necessidade de considerar o saber do aluno e sua
realidade; de encarar o aluno como sujeito do processo ensino-aprendizagem; de
transformar as informações científicas em conteúdos didaticamente assimiláveis
pelos alunos, levando em conta sua idade, seu nível de desenvolvimento mental,
suas condições de aprendizagem e sócioeconômicas; de o professor investigar
sua prática para modificá-la. Além disso, as
novas propostas para o ensino de Geografia têm conferido importância especial
aos conteúdos procedimentais, notadamente àqueles ligados ao estudo e elaboração
de mapas, à análise direta e indireta da paisagem, ao uso de fotografias aéreas
e fotografias convencionais. Dentre
os vários autores que conferem importância aos conteúdos procedimentais,
podem ser citados: Pinchemel (1989), Ilera (1995), Bale (1987) e Cavalcanti
(2002).
Apesar do potencial comunicativo que os mapas possuem, a compreensão dessas representações espaciais, enquanto meio de orientação, meio de espacialização dos fatos e fenômenos e meio de comunicação de análises e sínteses geográficas, ainda não está ao alcance da maior parte da população. Assim, a Geografia estruturada na forma de conteúdos escolares continua tendo um importante papel a desempenhar na educação dos alunos visando à compreensão da linguagem dos mapas. Cabe aos professores de Geografia mostrar que os mapas podem conter mais que a localização de fatos e fenômenos, que eles podem, inclusive, ser a chave para a compreensão da organização espacial.
O
papel dos mapas na construção do conhecimento geográfico
A adoção de mapas já elaborados, e, principalmente, a construção de representações espaciais potencializa a compreensão daquilo que está “escrito” na paisagem. Daquilo que é perceptível aos órgãos do sentido, mas que não pode ser compreendido sem uma análise mais profunda. Assim, à cartografia, enquanto conteúdo procedimental e linguagem peculiar da Geografia, cabe um papel essencial na formação do raciocínio espacial, na formação de uma consciência espacial visando a uma atuação autônoma, crítica e transformadora.
Temas ligados à utilização da linguagem cartográfica no ensino de Geografia têm sido explorados, cada vez mais, principalmente, a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, por geógrafos brasileiros (katuta, 2002). Os pesquisadores que têm se dedicado a estudar as relações entre a Cartografia e a geografia escolar, confirmam o potencial dessa associação para a compreensão da organização espacial. Segundo eles, os mapas contribuem para a formação de um raciocínio ou consciência espacial porque permitem ao educando localizar-se, orientar-se, ler, interpretar a paisagem e espacializar ou representar análises e sínteses geográficas. O conhecimento do espaço, por sua vez, torna-se importante elemento para o exercício da cidadania. Vários autores têm se dedicado ao estudo do tema nos últimos anos, entre eles pode-se citar: Carvalho (1995), Nogueira (1994; 2002), Santos (1994), Almeida & Passini (1994), Passini (1994), Castrogiovanni (1998; 2000), Le Sann (1997), Simielli (1996), Francischett (1997), Almeida (1994; 2001) e Moraes (2001).
Os estudos realizados por esses profissionais evidenciam, entre outras coisas, o potencial dos mapas no ensino de Geografia e destacam o predomínio do uso do mapa como mera ilustração. Mostram ainda que uma das barreiras mais fortes que impede a mudança de atitude em relação ao uso do mapa reside no fato de os próprios professores não dominarem sua linguagem e, portanto, não terem condições de utilizá-los adequadamente. Destacam, ainda, a importância de o aluno construir mapas para compreendê-los. Não se trata de copiar mapas e sim de mapear os espaços conhecidos, espaços do seu dia-a-dia, como a escola, o bairro, a rua, o trajeto casa-escola, a sala de aula, o bairro, a cidade, entre outros. Segundo os estudos realizados, a experiência como mapeador pode capacitar o aluno a compreender as representações cartográficas convencionais, tanto de espaços próximos como de espaços distantes da sua experiência diária.
Não obstante a reconhecida importância do mapa como linguagem fundamental para o ensino de Geografia, as representações cartográficas tornam-se inúteis se os alunos e, principalmente, os professores não forem capazes de interpretá-las; se professores e alunos não foram alfabetizados para a leitura dos mapas ou educados para uma visão cartográfica. Entretanto, a pesar de sua reconhecida importância, nos cursos de formação de professores de Geografia está praticamente ausente a preocupação com a formação de profissionais capazes de conduzir, no Ensino Básico, um trabalho efetivo com o mapa - a linguagem por excelência da Geografia.
Provavelmente essa situação decorra da visão dos geógrafos
em relação aos mapas. Segundo Matias
(1996) e Katuta (2002), dentro da Geografia atual, há três tendências de
pensamento no que diz respeito ao posicionamento diante da Cartografia. Esses
diferentes posicionamentos acabam se refletindo no ensino da disciplina em
escolas de nível médio e fundamental, uma vez que as representações cartográficas,
presentes nos livros didáticos (largamente utilizados para o ensino da
disciplina), demonstram a opção de seus autores por um desses posicionamentos.
A tendência mais difundida e que apresenta raízes históricas mais
profundas é aquela que acompanha o desenvolvimento da Geografia desde o
surgimento dos primeiros cursos superiores de Geografia no Brasil, nos anos
1930, até a primeira metade da década de 1970, adaptando-se às reformulações
teórico-metodológicas ocorridas. Inicialmente, o mapa era visto como uma obra
de arte mais que um documento científico. Posteriormente, os mapas foram
apresentados como documentos de representação, catalogação e,
principalmente, descrição dos fenômenos geográficos. A Cartografia neste
contexto era vista como ciência exata e objetiva. Consoante com o
desenvolvimento da Geografia, o mapa assume status de instrumento de
poder e sua posse representa a possibilidade de obter e manusear informação
privilegiada sobre o espaço permitindo uma ação ordenada sobre o território.
O acesso aos documentos cartográficos depende de “experts” na ciência
da Cartografia. Na sua versão atual de valorização das técnicas aerofotogramétricas,
do sensoriamento remoto e da informática, a Cartografia passou a ser encarada
como técnica auxiliar da Geografia. O domínio da técnica de construção e
utilização dos documentos cartográficos é considerado um meio de expressão
da cientificidade geográfica.
Contrapondo a esta tendência de modelização – matematização estatística
dos mapas –, a segunda tendência dentro da Geografia simplesmente descarta a
matéria e não dedica muito tempo para sua análise. Os representantes dessa
corrente afirmam que a Cartografia e os seus afazeres são atribuições de
outro campo científico, embora admitam que a Geografia seja usuária de mapas.
Por uma questão de método, a Geografia não lida com esse conteúdo, deixando
aos cartógrafos tal atividade. Essa concepção fez com que os mapas, globos,
Atlas e livros didáticos, entre outros, fossem associados ao chamado “ensino
tradicional” de Geografia, o que deu margem à formação de professores
inaptos em relação à cartografia, à qualidade questionável dos mapas,
especialmente daqueles presentes nos livros didáticos e à ausência e
desatualização dos mapas das escolas públicas. Katuta (2002), denominou essa
fase, que vai do final dos anos 1970 a pouco além, de (dês)uso do mapa.
Uma terceira tendência aponta
para a necessidade de (re) valorização dos conhecimentos cartográficos do geógrafo
como meio de aprimorar sua compreensão e representação do espaço geográfico.
Sua preocupação básica é (re) pensar a forma como o geógrafo dedica-se ao
trabalho com os mapas em face dos novos desafios da ciência geográfica atual.
A importância do mapa como documento geográfico por excelência, naquilo que
ele representa de potencial para registrar, tratar e comunicar a informação
espacial é resgatada. Considera-se também o mapa um valioso instrumento para o
ensino e a pesquisa geográfica. Outra característica importante é a busca de
um embasamento teórico-conceitual consoante com as discussões em voga na
Geografia. Seus representantes acreditam que é importante admitir a necessidade
dos mapas na Geografia atual e essencial fundamentar uma prática geográfica no
uso dos mapas.
Essa última tendência, que
discute a necessidade de (re) valorizar os conhecimentos cartográficos do geógrafo
e modificar sua utilização, é a responsável pelo surgimento de pesquisas que
procuram discutir a relação entre Cartografia e ensino de Geografia. Ela começou
a se delinear no início da década de 1980 e permanece em voga até os dias
atuais.
As preocupações dos estudiosos que
defendem a necessidade de (re) valorizar os conhecimentos cartográficos podem
ser exemplificadas por meio de formulações como a de Carvalho (1995), para
quem existe um problema sério: o aluno não vivencia o papel de mapeador. Essa
autora acredita que se o aluno tiver a oportunidade de criar códigos para a
representação do espaço poderá passar pelo primeiro estágio de leitura de
um mapa, que é a decodificação da simbologia nele contida. Concordando e
complementando esta idéia, Passini afirma que não se deve representar um espaço
qualquer, é preciso que este esteja relacionado com a realidade do mapeador,
pois:
Na
ação de mapear, o objeto a ser mapeado deve ser o espaço conhecido do aluno,
o espaço cotidiano, onde os elementos (casa, escola, padaria, ruas, semáforos,
topografia, rios, etc) lhe são familiares. (...)
Na codificação,
ao agir como mapeador, o aluno vivencia as etapas de seleção, classificação,
simplificação e simbolização, estabelecendo relações de semelhança/diferença,
sequência (antes/depois), quantificação, ordem (mais/menos), importantes para
que ele faça a leitura do mapa de forma eficaz (1994:26-7).
Por
sua vez, Nogueira (1994; 2002) propõe a utilização de mapas mentais construídos
pelos alunos (mapas da escola, do bairro, da cidade, do Estado) como base para
ensinar as primeiras noções de cartografia, especialmente noções ligadas à
localização, orientação e legenda. A partir dessas primeiras noções seria
possível a compreensão de representações mais complexas e distantes do espaço
vivido pelo aluno. O conceito de mapa mental utilizado pela autora refere-se às
imagens espaciais que uma pessoa ou grupo de pessoas possuem, não somente dos
lugares vividos como também dos lugares distantes. Esses mapas são construídos
a partir do universo simbólico das pessoas que, por sua vez, é produzido através
dos acontecimentos históricos, sociais e econômicos vividos ou conhecidos por
intermédio dos meios de comunicação.
A partir de sua vasta experiência com a Cartografia no ensino de Geografia, Simielli (1996) elaborou uma proposta de cartografia para o Ensino Fundamental e Médio. Segundo ela, é necessário trabalhar com diferentes mapas para diferentes usuários (especialmente observando-se as diversas faixas etárias), considerar a importância do mapa como meio de transmissão de informações e a possibilidade de, mediante sua utilização, desenvolver nos alunos a percepção e o domínio do espaço.
A proposta de Simielli (1996), pode ser assim resumida: na primeira fase
do Ensino Fundamental (1ª à 4ª série), deve-se realizar um
trabalho de alfabetização cartográfica, tendo como suporte inicial o espaço
concreto do aluno e o trabalho com a representação gráfica, posteriormente
alcançando a representação cartográfica. Aproveitando-se do interesse
natural das crianças pelas imagens, deve-se oferecer a elas recursos visuais
como: desenhos, fotos, maquetes, plantas, mapas, imagens de satélite, figuras,
tabelas, jogos e representações feitas por outras crianças. Nesta fase, o
objetivo primordial é o desenvolvimento das noções de visão oblíqua e visão
vertical; imagem tridimensional e imagem bidimensional; alfabeto cartográfico
(ponto, linha, área); construção da noção de legenda; proporção e escala
e lateralidade/referências, orientação.
Para a segunda fase do Ensino Fundamental (5ª à 8ª série),
a autora propõe um trabalho de análise/localização e correlação de mapas,
e para o Ensino Médio, acredita ser possível realizar, além do trabalho com
análise/localização e correlação, a elaboração de sínteses cartográficas.
Nestes dois últimos níveis, a proposta de ensino da cartografia
baseia-se em dois eixos: trabalhar com produtos cartográficos já elaborados
(mapas, cartas, plantas) e com imagens tridimensionais e bidimensionais
(maquetes, croquis e mapas mentais). No primeiro eixo, o objetivo é tornar o
aluno um leitor crítico e, no segundo, formar o aluno mapeador consciente.
Pode-se ainda citar outros elementos que influenciam no processo de alfabetização cartográfica, tais como: a função simbólica e o processo de construção do conhecimento espacial pela criança.
A função simbólica é adquirida pela criança, no convívio em sociedade, à medida que ela percebe uma ligação entre significante e significado ou a utilização de símbolos e signos que expressam um significado. Os signos são marcas externas que auxiliam o homem em tarefas que exigem memória e atenção. São exemplos de signos: a fala, a escrita e a representação do espaço. O desenvolvimento da função simbólica é considerado essencial para o entendimento e a construção da legenda dos mapas.
Segundo Bale (1987) e Naish (1989), as noções espaciais das crianças podem ser detectadas por meio dos mapas que elas são capazes de desenhar. No estágio topológico, os mapas desenhados pelas crianças são extremamente egocêntricos e icônicos (parecidos com a realidade). São mapas sem coordenação, desenhados por crianças de até 7 anos de idade, em média. No estágio projetivo, que se manifesta a partir dos 7 anos de idade, em média, os mapas desenhados pelas crianças continuam egocêntricos e icônicos; entretanto, já apresentam coordenação e conexão parcial entre os lugares conhecidos e noções melhor estruturadas de direção, escala, orientação e perspectiva. Por fim, no estágio euclidiano, os mapas das crianças já apresentam coordenação, hierarquia, certa precisão e detalhamento. A criança, entre 9 e 11 anos, em média, torna-se capaz de elaborar um “verdadeiro mapa” de seu entorno contendo direção, orientação, distância, forma, volume e escala, sem que lhe seja ensinado formalmente como proceder.
Em síntese, as principais orientações contidas nos estudos e publicações
discorridas, são: a necessidade de o aluno exercer a função de mapeador, a
importância de se mapear o espaço conhecido, de se utilizar mapas mentais, de
se construir mapas adequados a cada faixa etária, de trabalhar com diferentes
recursos visuais e a necessidade de considerar o desenvolvimento da função
simbólica e o desenvolvimento da noção de espaço.
O
uso de mapa no processo ensino-aprendizagem de Geografia em duas escolas de Goiânia
Com base nas orientações elencadas, foi realizada uma experiência com a
Cartografia no ensino de Geografia com alunos de 3ª, 4ª e 5ª séries de duas
escolas de Goiânia (uma pública e outra particular), nos anos de 1999 e 2000.
No total, 277 alunos participaram da experiência. A pesquisa consistiu na utilização de mapas temáticos da cidade, do
Município de Goiânia e do Estado de Goiás, e teve como base os conteúdos de
Geografia comumente ministrados em cada série. O objetivo era levar os alunos a
compreenderem a linguagem dos mapas e, através dela, construírem conhecimentos
geográficos. O foco principal dessa pesquisa foi a cidade de Goiânia. A
escolha de uma área urbana se justifica em face do fato de a cidade ter se
convertido no local de moradia da maioria da população mundial,
constituindo-se, assim em importante tema a ser trabalhado na escola na
perspectiva da formação da cidadania.
Tendo como referência a problemática da utilização dos mapas, ou seja, as dificuldades de compreensão de sua linguagem, a importância dessas representações para a compreensão e o domínio espacial, a importância de os alunos construírem seu próprio conhecimento; além do fato de considerar essencial a articulação entre ensino e pesquisa para melhorar a prática docente, a modalidade de pesquisa que se mostrou mais adequada ao desenvolvimento deste trabalho foi a pesquisa-ação. Segundo Thiollent, a pesquisa-ação é
um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução
de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo (1998:14).
Os conteúdos trabalhados, utilizando os mapas do município, reformulados e acrescidos de outros temas, foram os seguintes: localização de Goiânia, paisagens geográficas naturais e transformadas (paisagens urbanas e paisagens rurais; paisagens do passado e paisagens do presente; relevo; tempo e clima; vegetação; hidrografia); carta de risco de Goiânia e cultura e lazer em Goiânia.
Antes que essas atividades fossem experimentadas, diagnosticou-se o conhecimento dos alunos a respeito do mapa e de sua linguagem. Esse diagnóstico baseou-se em duas atividades: elaboração de um mapa mental representando o trajeto casa-escola realizado por aluno e resolução de questões relativas às noções de localização, orientação e representação cartográfica, a partir do mapa do bairro onde se localiza a escola. Após a realização das atividades esse procedimento foi repetido. Os alunos redesenharam o trajeto casa-escola e responderam às questões relativas ao mapa da região central de Goiânia. A análise comparativa desses dois momentos constituiu-se em importante elemento para a avaliação da aprendizagem dos alunos.
Os 206 alunos que participaram da pesquisa no ano 2000 possuíam, ao final do ano, idades que variavam de 8 a 15 anos. A maioria dessas crianças, pelo menos em tese, já seria capaz de desenhar mapas projetivos e euclidianos – mapas detalhados, melhor coordenados e integrados, nos quais estariam estruturadas as noções de direção, orientação, escala e distância. Além disso, o uso de símbolos abstratos tornaria essencial o uso da legenda. Todavia, isso não se verificou na maioria dos 185 mapas mentais elaborados antes da pesquisa e nos 177 mapas mentais elaborados depois da realização das atividades com os mapas. A maioria dos alunos, 68,6 e 67,8% nas fases inicial e final da pesquisa, respectivamente; apresentou mapas com características topológicas. Por outro lado, considerando os dois momentos da análise, apenas 1% dos alunos apresentaram mapas do tipo euclidiano.
Os mesmos
mapas mentais utilizados para avaliar o nível ou estágio de concepção
espacial dos alunos foram aproveitados para examinar o domínio que eles possuíam
das variáveis básicas da alfabetização cartográfica (desenho pictórico,
representação na visão vertical, legenda, proporção, título e referências
espaciais). Os dados obtidos demonstraram que no início do ano a maioria dos
alunos desconhecia os elementos básicos dos mapas. No final do ano, quando os
alunos refizeram suas representações gráficas, pôde-se constatar em todas as
séries uma ligeira melhoria nas variáveis analisadas. As variáveis que
apresentaram maiores níveis de crescimento foram o título e a legenda. Para
maiores detalhes consultar Moraes (2001).
Já o diagnóstico, realizado no início do ano, objetivando detectar a capacidade de leitura de mapas comprovou que os alunos de 3ª, 4ª e 5ª séries, de ambas as escolas, enfrentaram diferentes graus de dificuldade na realização dessa tarefa. Considerando todas as variáveis analisadas, na fase de diagnóstico inicial, as maiores dificuldades foram detectadas nas 3as séries, especialmente na turma da escola pública, e a maior competência na leitura dos mapas foi observada nas turmas de 5ª série, com evidente superioridade, considerando a variável orientação, para os alunos da escola particular. Os alunos de 4ª série de ambas as escolas apresentaram resultados similares.
Comparando-se os resultados obtidos na fase de diagnóstico inicial com
a avaliação realizada no final do ano, constatou-se que houve melhoria na
capacidade de leitura de mapas dos alunos das duas escolas e de todas as séries.
Essa melhoria significativa ocorrida após a realização de uma pequena
quantidade de atividades, indica que, provavelmente, as dificuldades
apresentadas pelos alunos no início do ano estavam mais relacionadas ao fato de
eles não estarem acostumados a realizar atividades dessa natureza do que com
sua incapacidade cognitiva. Um exemplo ilustrativo dessa afirmação é a 3ª série
da escola pública. Os alunos dessa turma que no início do ano revelaram ter
tido pouco contato com representações cartográficas, ao final do ano, após a
realização de atividades com os mapas, apresentaram um crescimento acentuado
na capacidade de leitura de mapas. Outro exemplo é o das turmas de 5ª série.
Os alunos dessas turmas que já estavam acostumadas a trabalhar com representações
cartográficas, apresentaram melhor capacidade de leitura de mapas que os demais
alunos tanto na fase de diagnóstico inicial quanto na fase de avaliação
final.
Considerando
os resultados médios obtidos com as atividades de mapeamento e com as
atividades de leitura de mapas, realizadas no início e no final de 2000,
conclui-se que a maioria dos alunos compreendeu os elementos básicos da
Cartografia. Ou seja, os dados indicaram que a maioria dos alunos tornou-se apta
a ler mapas e melhorou a capacidade de orientar-se utilizando mapas.
Objetivando conhecer a opinião dos alunos a respeito do trabalho com as habilidades cartográficas, solicitou-se a eles que respondessem a algumas perguntas. Para que os alunos se sentissem à vontade para expor suas opiniões, não houve a necessidade de eles se identificarem. Em 1999, 71 alunos responderam ao questionário e, em 2000, 181 alunos opinaram sobre a utilização de mapas nas aulas de Geografia.
Analisando-se os questionários
respondidos, constatou-se que todos os alunos de 3ª e 4ª séries, em 1999, se
posicionaram favoravelmente ao estudo de Geografia utilizando-se de mapas. A
esse respeito um aluno fez a seguinte afirmação: “falar de um lugar vendo a
sua localização fica bem mais fácil e estudar”. Com exceção de um aluno,
todos os estudantes de 3ª e 4ª séries que participaram da pesquisa no ano
2000 se posicionaram favoravelmente à utilização de mapas no ensino de
Geografia. Dentre as justificativas fornecidas por esses alunos para comprovar a
importância dos mapas, podem ser citadas as seguintes: “porque assim dá para
compreender melhor”; “porque em mapas a gente pode ver tudo”; “porque um
dia você terá que se orientar por mapas”; “porque precisamos para a
vida”; “porque além de ajudar mais na matéria, nos ajuda a conhecer mais o
lugar desenhado no mapa”; “porque aprendemos melhor a geografia de nossa
cidade”; “deixa a pessoa mais segura, quando está falando de um lugar que
está no mapa. A pessoa fica sabendo onde está o lugar e a região”;
“porque a gente fica mais interessado e aprende mais rápido”.
Já os alunos de 5ª série não
receberam muito bem o trabalho, especialmente os da escola particular. Boa parte
deles não se interessou pelas atividades. Muitas vezes me perguntavam se seus
trabalhos receberiam uma nota. Com algumas exceções, os trabalhos dos alunos
dessas turmas foram feitos “de qualquer jeito”. Alguns alunos da escola
particular preferiram não fazer as atividades. Seriam as atividades fáceis
demais para os alunos de 5ª série? Os assuntos abordados nas aulas estariam
muito aquém de seus interesses? Não obtive uma resposta conclusiva. Os próprios
alunos, no momento que realizaram a avaliação das atividades, não
forneceram uma explicação.
A aprendizagem dos conteúdos de
Geografia a partir da utilização dos mapas de Goiânia e de Goiás não foi
objeto de avaliação sistemática. Entretanto, a partir das palavras dos alunos
e da observação de seus comportamentos em sala de aula, foi possível fazer
algumas inferências que indicaram a contribuição das atividades com mapas
para a compreensão dos conteúdos da disciplina. Os alunos quando responderam
ao questionário de avaliação do trabalho, forneceram as pistas para essas
inferências. Eis algumas frases escritas pelos alunos a respeito das coisas que
aprenderam utilizando os mapas: “(...) localizar lugares, ver a vegetação, o
clima e a paisagem”. “1 – utilizar melhor as legendas; 2 – aprender a
localizar melhor os lugares pedidos; 3 – desenvolver o aprendizado melhor na
geografia”. “(...)Hidrografia, Área Urbana, Área Rural, lençol freático,
Bacias Hidrográficas e...”. “(...)
eu aprendi muitas coisas novas utilizando os mapas como: os relevos, a
temperatura, o clima, os setores de Goiânia, os bairros de Goiânia, as ruas
das cidades e muitas outras coisas”. “Eu aprendi a observar um mapa feito
por satélite, aprendi a representar relevos, altitudes, aprendi a se localizar
em um mapa, a identificar rios e ribeirões, aprendi sobre bacias e sub-bacias,
em fim muitas coisas”.
Enfim, os resultados obtidos ao
final dos dois períodos de aplicação da pesquisa permitiram concluir que: a) as
atividades de leitura de mapas, realizadas no início e no final do ano,
indicaram uma melhoria significativa na capacidade de os alunos interpretarem
mapas; b) os conteúdos trabalhados nas aulas de Geografia e os mapas utilizados
na realização das atividades foram bem aceitos pelos alunos; c) o
trabalho com as habilidades cartográficas contribuiu para diminuir a aversão
dos alunos em relação aos mapas e aos conteúdos de Geografia; d) a
receptividade dos alunos ao trabalho com os mapas criou um ambiente favorável
à construção de conhecimentos pelos alunos. Entretanto, esse ambiente
favorável não propiciou uma aprendizagem significativa de todos os elementos básicos
da Cartografia. Quanto à aprendizagem dos conteúdos da Geografia, foi possível
fazer apenas inferências uma vez que não foi realizada nenhuma atividade com a
finalidade de avaliar os conhecimentos construídos pelos alunos.
Considerações finais
O domínio da linguagem cartográfica
facilita a compreensão dos temas representados nos mapas. Entretanto, segundo
Katuta (2002), não garante que haja, efetivamente, uma leitura destes. Para que
isso ocorra é necessário também: ter domínio conceitual sobre o tema
cartografado; ter acesso a informações e/ou dados relevantes que auxiliem a
desvelar o significado das territorialidades representadas, ter elaborado
categorias de análise dos fenômenos representados e estruturas de pensamento
que permitam não apenas localizar e descrever, mas também entender e
estabelecer raciocínios analíticos para a elaboração de explicações acerca
da paisagem e utilizar representações sociais que fazer parte do nosso imaginário
e que, em alguns momentos, poderão nos auxiliar para o entendimento dos territórios
cartografados. Ou seja, uso
da linguagem cartográfica no ensino deve ser entendido no contexto da construção
dos conhecimentos geográficos.
Para Katuta, (2002, p. 134), “se supervalorizarmos essa linguagem, em detrimento do saber geográfico, corremos o risco de defender a linguagem por ela mesma”. Isso significa que devemos utilizá-la como instrumental primordial, porém não único, na construção de saberes sobre diferentes espaços, territórios, regiões, lugares... Por outro lado, é necessário ter clareza de que o uso da linguagem cartográfica dependerá, em grande parte, das concepções de Geografia e de ensino dessa disciplina que os professores e os alunos possuem.
Enfim, é necessário que os
professores da maioria das disciplinas dos
cursos de graduação em Geografia utilizem-se da linguagem cartográfica,
em virtude de seu potencial em decifrar geograficamente paisagens, lugares,
territórios e regiões, entre outros (Katuta, 2001). Ou seja, o aluno-mestre,
futuro docente, deve ser “letrado” cartograficamente, e não apenas possuir
conhecimentos de Cartografia. A aquisição dessa competência permitirá ao
aluno-professor utilizar adequadamente a linguagem cartográfica no ensino básico,
e, desse modo, levar seus alunos a entenderem a realidade de forma menos caótica
e sincrética para nela agir, objetivo final de uma escola democrática.
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Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. Professora de
Cartografia Temática da Universidade Estadual de Goiás - Unidade de Anápolis.