DANÇA EM GOIÁS NOS ANOS 70: MEMÓRIA E IDENTIDADE

 

Conceição Viana de Fátima*

Jandernaide Resende Lemos*

Lenir Miguel de Lina**

 

Resumo:

Os anos 70 foram marcados por mudanças no mundo todo, mudança essa provocada por movimentos ideológicos e culturais que começados nos Estados Unidos da América, alcançaram a Europa e a América do Sul, chegando até os estudantes do curso de licenciatura em Educação Física em forma de necessidade de expressão corporal que viesse a ser objeto de questionamento do sistema, questionamento feito através da atividade até certo ponto nova nos meios escolares – a dança.

Interessadas em fazer um resgate da história da dança na década de 70, em Goiás, propõe-se uma reflexão sobre a relevância educativa e social desse conteúdo.

Sua história e seus atores, que hoje se encontram nos mais diversos locais do Estado e do Brasil, continuam no anonimato pela falta de uma construção cientificamente elaborada e redigida por pessoas que vem construindo e, ainda, fazendo parte deste sistema de ensino e contexto sociocultural. É, portanto, necessário contar a história  de algo que não nasceu feito, mas que foram se fazendo aos poucos, a partir de uma prática social que tomamos e fizemos parte, pois não nascemos professores, muito menos de dança.

 

 

É do inicio da década que a partir de um palco vivo, vivido e experienciado fala-se sobre a dança. Foi neste momento que ela eclodiu em Goiânia. Em 1973, retornando a Goiânia com muitas descobertas e muita possibilidade iniciou-se na Escola Superior de Educação Física de Goiás um trabalho voltado para a Dança.

 

Após dois anos na UFRJ fazendo Pós Graduação em Dança e vivenciando inúmeros e diferentes estilos com renomados profissionais da área, Lenir Lima pode acumular conhecimentos suficientes para dar início a formação de professores de Educação Física embasando-os para estimular e desenvolver a Dança nas escolas.

 

Iniciava-se assim em Goiânia, na ESEFEGO uma nova disciplina que seria responsável por todo um movimento artístico cultural na área de dança. Inicialmente com o nome de RITMICA e tendo como princípios básicos os fundamentos de Dalcrose (na música), Rudolf Laban e Isadora Duncan (na dança), através do método criado por Elenita de SA EARP, O Sistema de Dança Universal.

 

Para Dalcrose o corpo é o ponto de passagem obrigatório entre o pensamento e a música e este só pode captar o ritmo se ele for ditado pelo movimento.

 

Laban desenvolveu uma teoria do movimento até hoje em uso por coreógrafos e professores de dança. Ele via nela um sentido educativo, na medida em que fazia a pessoa descobrir-se consciente, livre, dona e responsável pelo seu próprio destino.

 

_________

*Professoras Mestres da Universidade Estadual de Goiás-UEG

** Professora Mestre da Universidade Federal de Goiás-UFG e Doutoranda pela Universidade de Valencia-Espanha

Isadora Duncan foi a pioneira da Dança Moderna, muito cedo se rebelando contra a dança acadêmica. Para ela a dança é a expressão da vida.  A técnica não despertava muito interesse porque o mais importante era os gestos naturais, o reencontro do ritmo inato do ser humano, o ouvir as pulsações da natureza, a obediência à lei da gravidade encontrando assim uma ligação lógica onde o movimento não pára, mas se transforma em outro.

 

Com estes princípios e a partir do estudo aprofundado do movimento corporal Helenita Sa Earp, criou o Sistema de Dança Universal na Escola de EF e Desporto da UFRJ.

 

A Importância do SDU está na valorização de todas as formas do movimento corporal, numa tentativa de buscar na nomenclatura científica os conceitos e identificações para as diferentes bases de sustentação e posições do corpo ultrapassando os limites do ballet clássico. Conforme SA EARP, a forma é a arquitetura do movimento; é o contorno da figura no momento do movimento; o traçado que ela delineia durante o movimento deliberado.

 

Além disso, o SDU utiliza-se dos elementos da música como a dinâmica e o andamento, para ampliar a diversidade do movimento em suas variações quanto a energia utilizada e quanto a velocidade de execução respectivamente. Quanto ao acompanhamento pode-se sustentar na palavra (prosa ou verso), na música tradicional, na percussão, em outras formas sonoras de vanguarda ou no próprio silencio. Tudo isso possibilita ao dançarino e ou professor uma universalidade de formas, planos, níveis, para criar, compor, coreografar.

 

Utilizando esta fundamentação teórica e observando a metodologia do SDU, iniciou-se o trabalho na ESEFEGO, primeiro com os alunos do curso de EF e depois com o Grupo de Dança Univérsica que se formou a partir deles. A Dança se expandia e chegava às escolas através dos alunos que iniciavam trabalhos em suas aulas de EF estimulando a organização dos Festivais Estudantis Goianos de Dança.

 

Assim de 1973 a 1976, quatro festivais foram realizados com a participação de escolas municipais, estaduais, particulares e academias de dança. A finalidade principal deste evento, com mostras anuais, era proporcionar um espaço público, com todas a condições cênicas (luz, som, cenografia etc) a estas instituições possibilitando o intercambio cultural pois não havia seleção previa e nem premiação. O Festival era aberto, portanto grupos como o Instituto Pestalozzi e o Artezanal dos Cegos tinham as mesmas oportunidades de se apresentarem publicamente. Além disso iniciou-se um trabalho junto a comunidade goianiense oferecendo aulas de iniciação a dança para crianças, adolescentes e adultos.

 

Paralelamente nascia o Grupo de Dança composto por alunos de diferentes cursos e comunidade, interessado em aprender e aprofundar a arte de dançar. O Grupo de Dança Univérsica tinha o compromisso com a ética, a estética e com a situação social, pois vivíamos os duros anos da ditadura militar. Seu trabalho se comprometia com os temas da cultura brasileira, principalmente com as lendas da cultura nacional.

 

Outros movimentos artísticos da época, principalmente do teatro influenciaram o Grupo de Dança, como, por exemplo, os trabalhos de Augusto Boal (teatro do oprimido) e de Grotowsky (teatro pobre) que chegava ao Brasil, assim como o trabalho de Antonin Arteau. Os laboratórios de sensibilização e expressão corporal foram marcantes nesse trabalho, uma vez que era a partir deles que coletivamente criava-se o repertorio coreográfico do Grupo.

 

Pensando a arte como uma manifestação universal aproximou-se de vários artistas goianos, ligados as artes plásticas (Saída Cunha), a música (Estércio Márquez), ao teatro (Carlos Fernando Magalhães e Hugo Zorzetti), a fotografia (Rosary Esteves), a história da arte (Adelmo Café) e a sociologia da arte (Oliveira Leite), procurando entender a dança como uma forma completa de todas estas formas artísticas.

 

Do seio deste trabalho nasceram vários profissionais que saíram para cursos de aperfeiçoamento e especialização no Teatro Guairá – PR, como Tarcisio Climaco e Dayse Pires, José Reinaldo do Amaral; nos Estados Unidos Jandernaide Resende e Conceição Viana de Fátima e no Rio de Janeiro Regina Brito e Zita Ferreira. Os outros que aqui permaneceram como Denise Pires e Marta Carvalho integraram os Grupos de Dança emergentes Via Láctea (Faculdade de Arquitetura) e Energia sob a direção de Julson Henrique.

 

De uma série de trabalhos coreográficos destacamos aqueles que marcaram pelo envolvimento com nossas raízes culturais e com o movimento teatral da época:

1)     Brasil Afro - coreografia de Lenir Lima, com música de percussão criado por Cecelo Coelho foi o primeiro trabalho do Grupo;

2)     Jesus Alegria dos Homens - coreografia de Lenir Lima e música do mesmo nome de Johan Sebastian Bach;

3)     MúsikAntiga - coreografia de Lenir Lima, música de compositor anônimo do Séc XVI – Green leaves to a ground;

4)     Formas - coreografia de Lenir Lima e grupo. Com música de Enio Morricone;

5)     Ad Libitun - coreografia de Lenir Lima e grupo influencia dos laboratórios de expressão corporal e música de Marlos Nobre;

6)     Vitória Régia - coreografia de Lenir Lima e grupo, conta a lenda amazônica, com musica de Vila Lobos e Ítala Moreira

7)     Senzala - coreografia de Lenir Lima e grupo, espetáculo que primou pela expressividade onde foram pesquisados os movimentos, músicas, danças e rituais dos negros escravos. E dentro da proposta ideológica do Grupo, a repressão político social foi apontada em quadros que representavam a conjuntura da época.

 

Enquanto experiência compartilhada a dança contem em sua linguagem de significados corporais, a cultura, que é vivenciada pelos membros de uma comunidade como seres sociais, e que segundo Stenhouse (1997) possibilita manter a coesão social e a comunicação com os demais que nos cercam.

 

Nas sociedades modernas pode-se dizer que existem muitas culturas mantidas por diferentes grupos e a existência desta multiplicidade permite ao individuo selecionar com os quais se identifica. A dança se apresenta como um canal de comunicação e linguagem com suas distintas formas de expressividade, que traduzem o que Marcel Mauss (1974) chamou de técnicas corporais: a maneira como os seres humanos, sociedade por sociedade e de maneira tradicional sabem servir-se de seus corpos.

 

Contribuindo para o continuo movimento da cultura, a dança, atividade cotidiana ou das grandes ocasiões, transporta historicamente as manifestações culturais, ordenando as necessidades, costumes, e atos diversos, transformando esse material em dimensões da realidade e da ilusão.

A expressão corporal de cada grupo é diversa e tradicional, e em se mostrando através do movimento, expressa através desse uma visão de mundo, ao mesmo tempo em que confere e preserva a identidade e a memória coletiva.

 

Para Gaston Bachelard (1994) é a memória que orienta a vida, dá o sentimento de que se pertence a uma historia a um grupo, é garantia de humanidade.

 

“Mas o que constitui a localização social da memória não é somente uma instrução histórica: é bem mais uma vontade de futuro social. Todo pensamento social está voltado para o futuro. Todas as formas do passado para criar pensamentos verdadeiramente sociais devem ser traduzidos na linguagem do futuro humano”.

 

O significado do gesto, do movimento, é encontrado dentro do tempo e do espaço ao qual pertence e no interior do corpo social. A dança vai revelar o ethos de um povo, e sendo os movimentos símbolos e os símbolos segundo Geertz (1989) externações sociais os movimentos dão suporte aos valores da sociedade a qual pertencem.

 

Ao nos voltarmos para a dança em Goiás nos anos 70, como atores – agentes sociais, nos colocamos como investigadoras no reconhecimento da identidade e da memória de um movimento artístico educativo que foi vivido, pensado e expresso, esperando através deste resgatar e reconstruir a historia de um período tão importante na vida de cada um de nós.

 

 

Referências Bibliográficas

 

BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. São Paulo: Ática, 1994.

BASTIDE, Roger. Arte e Sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

___. O Candonblé da Bahia. Trad. Maria Isaura P. de Queiroz. São Paulo: Ed. Nacional, INL, 1978.

BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade. 3a. ed. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

CASSIRER, E. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 1972.

DUNCAN, Isadora. Minha vida. Trad. Gastão Truls. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1935.

ELLIS, Havellock. Dance and society. In: What is dance. New York: Oxford University Press, 1983.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Trad. Antonio Guimarães Filho e Glória Mariane. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

GELEWSKI, Rolf. Sobre a dança. In: Revista Ananda. Salvador: Edição Casa Sri Aurobindo, 1972. (n. 9).

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. de Laurent L. Schappter. São Paulo: Vértice, 1990.

HANNA, Judith. Dança sexo e gênero. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Sumus editorial, 1978.

LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. Fundamentos da metodologia científica. 3ª edição. Aparecida: Santuário, 1991.

LANGER, Suzane. Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva, 1980.

LLOYD, Margareth. The Borzoi Book of modern Dance. New York: Knopj, 1949.

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. (2o. volume).

MENDES, Mirian. A dança. São Paulo: Ática, 1985.

 

 

Conceição Viana de Fátima

Avenida 85, nº 1300, Bl C, Ap. 601 Ed. Itatiaia – Setor Marista – Goiânia – Goiás

CEP: 74.160-010

Fone: 541-4198

 

Jandernaide Resende Lemos

Rua S-04, Nº 247, Ap. 1102 - Edifício Tucuman – Setor Bela Vista – Goiânia – Goiás

CEP: 74.823-450

Fone: 255-6102

e-mail: janrlemos@aol.com

 

Lenir Miguel de Lima

Rua S-04,  Nº 296, Ap. 103 – Edifício Yasmin - Setor Bela Vista – Goiânia – Goiás

CEP: 74.823-450

Fone: 275-5239

e-mail: lenir.lima@uol.com.b

Apresentação.ppt

<Voltar