ZOOLÓGICO DE GOIÂNIA: ESPAÇO PEDAGÓGICO PARA O ESTÁGIO  DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS.

 

PASQUALI, Marilda; BUGANO, Mariana; GUIMARÃES, Gislene. Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Biológicas, Goiânia, Goiás.

Este trabalho resulta de uma parceria entre a Universidade Federal de Goiás (UFG) e uma escola confessional da rede particular de Goiânia – GO, o Externato São José, que se estabeleceu em função, por um lado, das professoras da escola estarem buscando melhorias no ensino de Ciências e, por outro, da necessidade da disciplina Didática e Prática de Ensino de criar espaços alternativos para o desenvolvimento de atividades de estágio curricular para os alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Nesse sentido, pretende divulgar novas possibilidades de estágio curricular para o curso de licenciatura, enfatizando a importância  do intercâmbio entre universidade e escola na formação inicial e continuada de professores.

Em 1998,  o Externato São José passou por uma reforma curricular, propondo a discussão e implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental, adotando Piaget como referência teórica. Assim, reorganizou o Projeto Pedagógico, alterando a forma de trabalhar os conteúdos escolares. Dentre as reformas adotadas para o Ensino de Ciências, após a análise de livros didáticos, podemos destacar a mudança da coleção adotada para as séries iniciais do Ensino Fundamental[1] e a construção de um laboratório de ensino que atendesse a  Educação Infantil e o Ensino Fundamental .

O estudo da diversidade dos seres vivos, trabalhando as primeiras noções de fauna e flora, a identificação das classes de vertebrados e a diferenciação entre estes e os invertebrados, foi proposto para a terceira série. Nesse contexto, foi elaborado o projeto “Conhecendo os seres vivos no Zoológico” – utilizando a excursão como recurso didático. As professoras de terceira série se depararam com dificuldades relacionadas ao domínio de conteúdos específicos da área de Ciências Biológicas a partir do momento que os seus alunos começaram a dar vazão à sua curiosidade acerca da vida dos animais.

O estágio supervisionado integra o currículo do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFG , conforme as  diretrizes curriculares,  prevendo a necessidade de realização de atividades diversas educativas, além daquelas corriqueiramente desenvolvidas em sala de aula. Nesse contexto, os alunos da disciplina Didática e Prática de Ensino em Ciências e Biologia do 4º ano do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas desta universidade,  passaram a contribuir com o projeto de Estudo dos Animais das terceiras séries do Externato São José.

Inicialmente, os estagiários entraram em contato com o projeto desenvolvido pelas professoras, onde estão explicitados os objetivos a serem atingidos e a forma como isso deveria acontecer. Puderam então perceber como a excursão, nesse caso, tinha um caráter de estudo, sendo parte de uma série de atividades com objetivos previamente estabelecidos, diferenciando das visitas.

Segundo Koff (1996), o contato pessoal com o objeto de estudo é uma experiência que dificilmente cai no esquecimento e a excursão é uma atividade que, embora proporcione prazer às crianças, possibilita o estudo do meio, favorecendo a aprendizagem significativa e o desenvolvimento de conceitos, habilidades e atitudes. Entretanto, para que o estudo não caia em ativismo ou espontaneísmo sem valor pedagógico, faz-se necessário um planejamento cuidadoso das atividades a serem desenvolvidas, o que pressupõe uma definição clara dos objetivos e inclui um trabalho didático antes, durante e após a visita ao campo de estudo (CARVALHO, 1999).

A concepção de excursão adotada pelas professoras da terceira série é de um momento de entrelace entre o conhecimento científico e do conhecimento cotidiano, pelo confronto  entre os conhecimentos prévios das crianças e a sistematização das observações dos animais existentes no Zoológico. Nessa perspectiva, a excursão é uma oportunidade de desenvolvimento de habilidades de observação, de comparação, de registro e de comunicação, bem como, de cultivar atitudes e valores de respeito aos seres vivos e ao meio ambiente (CARVALHO, 1999).

Para a realização do projeto, alguns conteúdos foram trabalhados em sala de aula, preparando os alunos para a visita ao Zoológico, discutindo-se o roteiro de atividades e a  uma ficha para a coleta dos dados pelos . Isso significa que os alunos já sabiam o que iam encontrar no Zoológico, e como deveriam proceder para que a excursão pudesse alcançar os objetivos propostos.

Para estabelecer com clareza o roteiro de excursão, os alunos da UFG, acompanhados da professora responsável pelo estágio e de uma das professoras da terceira série (aquela que estava responsável pelo projeto de Ciências), fizeram uma visita prévia ao Zoológico, percorrendo o trajeto, apontando conteúdos relevantes a serem abordados, cronometrando a duração da visita, verificando horários e local para lanche etc. Isso deu aos licenciandos a oportunidade de sugerir e conhecer previamente como seria a visita, além de perceberem o quanto é importante o planejamento cuidadoso, incluindo a visita prévia ao local da excursão, para que a mesma seja bem sucedida.

Uma das principais preocupações dos estagiários foi a abordagem dos conteúdos para alunos de 9 e 10 anos – qual seria a “linguagem” adequada. Essa é uma preocupação pertinente, já que na formação acadêmica dos licenciados enfatiza-se o uso de termos e conceitos complexos, desconsiderando, na maioria das vezes, o necessário processo de transposição didática.

Propôs-se então, que os grupos de estagiários se apresentassem às turmas que iriam acompanhar, contando um pouco do que seria  feito,  conversando sobre a importância do trabalho, com intuito de perceber  quais os conhecimentos que as crianças já tinham sobre o assunto.

É preciso considerar que a linguagem está intimamente relacionada com a formação de conceitos, sendo necessário a investigação sobre as idéias dos alunos e o seu nível de formulação (GIORDAN; DE VECCHI, 1996) em relação a determinado conceito ou noção.

De acordo com Porlán (1998, p.68), a perspectiva de trabalhar conteúdos próximos aos interesses e às experiências dos alunos, tratando didaticamente suas concepções prévias sobre o tema e sobre os conteúdos em questão, na perspectiva de ampliá-las, tornando-as mais complexas, são características de um modelo didático desejável, onde o aluno é considerado sujeito de seu desenvolvimento intelectual e que tem como princípio os processos de investigação, que incluem busca e seleção de informações, confronto de idéias, análise e construção de conhecimentos.

As turmas  que participam das atividades tiveram comportamentos diferentes, mas todas se mostraram interessadas, fazendo perguntas e confirmando informações sobre o que seria feito na excursão. Os estagiários respondiam às dúvidas dos alunos e conversavam sobre a importância do Parque Zoológico, animais em extinção, curiosidades sobre os animais do Zoológico de Goiânia e combinavam algumas regras do que fazer ou não durante a excursão., diferenciando-se das “normas”. Ampliando-se assim, a relação entre alunos, professores e estagiários da UFG.

Os alunos das turmas de terceira série foram organizados pelas professoras em grupos que estudariam os répteis, as aves, os mamíferos e os invertebrados, de modo que cada turma (de aproximadamente 30 alunos) se dividisse em seis grupos de quatro a seis alunos, grupos esses que contariam com o acompanhamento e orientação de, pelo menos, um estagiário.

Durante a excursão, os alunos percorreram juntos o mesmo trajeto. Cada criança deveria escolher um animal do seu grupo para observar mais atentamente e registrar informações sobre o mesmo na ficha de coleta de dados, com exceção dos alunos do grupo dos invertebrados, que na fase final da visita orientada, deveriam se dirigir a um local, próximo ao córrego que passa dentro do Zoológico, para procurar representantes desse grupo. Eles reviravam o solo com pequenas pás para encontrar os animais e usavam lupas de mão para melhor observá-los, registrando suas observações em ficha própria.  A ênfase neste momento certamente está no desenvolvimento de habilidades cognitivas, afetivas e psicomotoras, distando da simples observação. Utilizamos a observação como técnica, incluindo a fase exploratória, registro , interpretativa ( OST, 1999).

O último momento da excursão consistiu em uma conversa com os alunos e estagiários, onde as crianças tiravam dúvidas sobre o que viram durante o percurso. Neste momento, também houve uma rápida avaliação da visita e agradecimentos recíprocos. Pode-se perceber que facilmente as crianças criam um forte vínculo afetivo com os estagiários, principalmente pelo fato de o encontro entre eles acontecer num ambiente onde o prazer é um elemento muito forte mesmo se tratando de uma visita de estudos, pois, tradicionalmente, o Zoológico é um espaço de lazer para as crianças.

No retorno à escola, os dados coletados foram trabalhados, criando novos textos, redigindo uma carta coletiva ao diretor do Parque Zoológico e montando de um painel sobre a biodiversidade brasileira. A excursão forneceu, também, elementos para o trabalho nos laboratórios de informática e ciências. Os resultados foram apresentados nas feiras de Ciências, geralmente em forma de painel, contendo as fichas com os dados coletados, textos produzidos pelos alunos, fotos e desenhos dos animais  demonstrando sempre as representações que os alunos possuem  acerca do observado e os conhecimentos prévios (MINAYO, 2000). Ao lado do painel das crianças, foram expostas  fotografias da visita, textos e relatos dos estagiários e professoras, confirmando a importância dessa atividade como momento de formação inicial e continuada.

A partir de avaliações sistemáticas feitas pelas professoras envolvidas, a coordenação e a  direção pedagógica,  o trabalho apresentou algumas mudanças: à ficha de coleta de dados utilizada no Zoológico foi acrescido um mapa mundi, para que as crianças pudessem assinalar a região de origem do animal escolhido; também foi incluído um estudo prévio sobre os hábitos alimentares de alguns animais na natureza e sua alimentação em cativeiro, construindo tabelas no laboratório de informática. Os estagiários também contribuíram com o aprimoramento do trabalho, discutindo em sala de aula os pontos positivos e negativos da excursão. Dessa forma, novos conteúdos foram agregados ao trabalho e a excursão ao Zoológico passou a incluir uma visita à cozinha, onde os alunos puderam conhecer um pouco dos “bastidores” do local, discutindo a adaptação da dieta dos animais silvestres à condição de cativeiro.

Posteriormente, nas aulas de Didática e Prática de Ensino, os estagiários podem avaliar a visita, apontando os aspectos positivos e negativos do trabalho desenvolvido, sugerindo alterações. Percebemos, então, que a atividade de excursão não foi dada como pronta, mas sim como um processo em constante construção, onde novas experiências são acrescidas, havendo a transformação do que foi proposto inicialmente.

Por si só, esta experiência já poderia ser considerada como bem sucedida, uma vez que traz benefícios aos alunos, incrementando as aulas de Ciências e tornando-as mais interessantes. Além disso, trouxe benefícios às professoras que pensaram, organizaram e executaram um projeto na área e, a partir da parceria com a Universidade Federal de Goiás, puderam contribuir para a formação inicial de futuros professores.

Torres (1998, p. 185-187): assinala algumas linhas promissoras no âmbito da formação docente, entre elas, o valor formativo da prática, sendo que, é cada vez mais importante articular a formação continuada com a formação inicial, uma vez que a reflexão sobre a prática pedagógica tem se configurado em um componente chave do aperfeiçoamento e progresso docente.  Deve ser ressaltado, ainda, o caráter dinâmico do trabalho, que vem sofrendo reformulações após sucessivas avaliações, possibilitando aos professores a reflexão sobre e na prática pedagógica (Schön, 1992; Zeichner, 1992; Nóvoa, 1992; A. Pérez Gomez, 1996).

A vivência direta deste tipo de atividade contribui de forma efetiva para a formação inicial do professor, oportunizando a percepção da distância existente entre o ideal e o real do trabalho escolar e de como este deve ser construído e reconstruído a partir da experiência e da reflexão teórica, num processo de transformação permanente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental: Brasília. 1997.

CARVALHO, Luiz, Marcelo. Educação e meio ambiente na escola fundamental: perspectivas e possibilidades. PROJETO, Revista de Educação. Ciências que temas eleger? Porto Alegre: Projeto, v. 1, n. 1, 1999.

­­­­­­GIORDAN, André; DE VECCHI, Gérard. As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. Trad. Bruno Charles Magne. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

KOFF, Elionora Delwing. A questão ambiental e o estudo de ciências: algumas atividades. Goiânia: Editora UFG, 1995.

MINAYO,  Maria Cecília.  O Conceito de Representações Sociais na Sociologia clássica. In: GUARESCHI, P.(org).Textos em Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 200

NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa,:Dom Quixote, 1992.

OST, Eugênio. A observação no ensino de Ciências. Revista Hífen. Uruguaiana, v.15, n.28/29, 1990, p.11-25

PERÉZ GÓMEZ, Angel. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, António (org.).Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

PORLÁN, Rafael. Formulación de contenidos escolares. Cuadernos de Pedagogía. n. 276, p. 65-70, enero,1998.

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, António (org.).Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

TORRES, Rosa María. Tendências da formação docente nos anos 90. In: WARDE, Mírian (org.) Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. São Paulo: PUC/SP, 1998b.

ZEICHNER, Ken. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, António (org.).Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

 

[1]  No caso da terceira série :OLIVEIRA, Nyelda R. & WYKROTA, Jordelina Lage M. Ciências: descobrindo o ambiente. Vol. 3. Formato: Belo Horizonte, 1991.

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