O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA E A ESCOLA PÚBLICA: É
POSSÍVEL QUALIDADE?
Rosane Maria Isaac[1]
"A teacher affects eternity; he can never tell where
his influence stops."
Hanry Addams
Resumo
Este
texto busca compreender o significado de qualidade proposto pelo vídeo O
ensino da língua inglesa: buscando qualidade na escola pública, cujo
objetivo foi sintetizar o conteúdo de Didática e Prática da Língua inglesa,
do Curso de Letras em Santa Fé (Projeto Educação à Distância – UCG).[2]
Observou-se
que falar da situação caótica em que a escola pública se encontra, não
ajuda a mudar a situação. Propusemo-nos, então, a chamar a atenção para a
importância da formação dos professores, porque partindo de um treinamento
qualificado e professores atentos para uma pedagogia crítica / transformadora
é que nós estaremos contribuindo para uma mudança, não só, no ensino de
inglês, mas inclusive para o estar no mundo dos alunos.
Este
vídeo, ao mergulhar nas escolas públicas, de algumas cidades do interior de
Goiás, tenta contextualizar a abordagem dos temas:
ü
importância
da língua inglesa,
ü
PCNs,
interação aluno / professor,
ü
plano
de aula e a formação continuada,
visando
com isto, contribuir para um
ensino de qualidade não só no estado mas na escola pública em geral.
O
corpus do mesmo é constituído de depoimentos de alunos das escolas públicas e
do curso de Letras da UCG (Santa Fé de Goiás - Ensino à Distância); e de
professores de Didática e Prática da Língua Inglesa das Universidades Católica
e Federal de Goiás.
Os
professores expressam suas crenças, impressões, prioridades, que direta ou
indiretamente, influenciam o desempenho do aluno. Ao colocar suas visões,
os professores vão delineando, não
só uma perspectiva didática / pedagógica mas também crítica e
transformadora , possibilitando com isto, chamar a atenção para a importância
de professores qualificados e cônscios de seu papel de educadores.
Os
professores/entrevistados são testemunhas do sucateamento das escolas públicas,
mas apesar das dificuldades tais como salas cheias, poucos recursos, a falta de
material didático adequado e acervo bibliográfico, os professores usam de sua
criatividade para buscar soluções. Eles
vêem na formação continuada uma solução e apelam para mais pesquisa e
produção de material local, visando
complementar os já existentes.
1. Língua Inglesa no Mundo Globalizado
Falar
do ensino de inglês é mencionar as influências culturais, econômicas que os
países que aprendem esta língua sofrem. E como fatores culturais vemos a
disseminação da cultura popular através de músicas, filmes. Notamos com
isto, que a difusão do inglês não se faz apenas na educação, e não apenas
no Brasil, mas em outros países também.
Sob
o aspecto da internacionalização do inglês, Cooke ‘descreveu como um
‘Cavalo de Tróia’, argumentando que é a língua do imperialismo e do
interesse de uma classe em particular’. [3]
(PENNYCOOK,1994: 13-14). Pennycook
ainda completa
Ambos
Cooke e Judd chamam atenção para as implicações políticas e morais do
ensino de Inglês em volta do mundo em termos de ameaça que impõe as línguas
nativas, o papel que desempenha com a possibilidade de melhores empregos. Antes
de tudo, o Inglês ameaça outras línguas. Este processo é o que Day (1980)
chamou de genocídio lingüístico. (apud PENNYCOOK 1994: 13-14).
Embora
esteja claro, já na nossa sociedade, que a língua inglesa seria uma abertura
para melhores trabalhos. E o fato de haver anúncios de empregos oferecidos por
multinacionais, redigidos na língua inglesa, nos periódicos mais conceituados
do país, é um indício de um processo não tão dramático como o “genocídio
lingüístico” mencionado acima.
A
realidade mostra que embora a língua portuguesa não esteja fora do caminho,
fica óbvio que falar inglês na nossa sociedade é uma maneira não só de se
conseguirem melhores empregos como também de reforçar a idéia de prestígio
social e econômico; é uma caminho para o elitismo. Estudos, tais como de
Tollefson (1986 e 1991) nas Filipinas e de Pattanayak (1969), na Índia, mostram
que esse não é um problema específico do Brasil, mas que outros países
sofrem essa ameaça. Até a França, que sempre foi um país famoso pelo seu
cuidado em evitar ou diminuir a presença da língua inglesa em sua cultura, não
tem obtido sucesso; conforme Flaitz (apud PENNYCOOK,1994), ‘ é através da música
que o inglês faz a sua incursão na cultura francesa’.
Como
se percebe, a internacionalização do inglês é um fato. Se se olha pela
perspectiva da ameaça, ver-se-á que a sua globalização limita as outras línguas
e culturas, mas vale lembrar que tudo depende da ótica em que se observa: se
por um lado há o aspecto negativo, por outro há o positivo, que é comunicação,
o de rompimento de fronteiras. Pelo prisma da comunicação pela comunicação,
ver-se-á que é uma forma de unir as pessoas e tornar possível à relação
entre elas.
Falar
uma língua estrangeira, seja lá qual for, não seria a causa “genocídio”
de nenhuma outra, mas uma maneira de valorizar a língua materna, ampliando os
horizontes desse falante, para que ele faça fizesse uma leitura maior do mundo.
O que reforça a teoria de Freire (1990) para quem a premissa básica para essa
leitura seria ler o mundo e, depois a palavra. Tendo em vista isso, seria
importante que os alunos estivessem cônscios de que o objetivo primordial de
qualquer língua estrangeira seria a comunicação sem o aspecto hegemônico que
muitas vezes essa segunda língua transporta, sem a supervalorização de
qualquer cultura. Embora seja óbvio que o contexto social, político, cultural
e discursivo acompanha qualquer língua estrangeira, apesar de absorver tudo
isso, não é a negação de nenhuma outra cultura.
O
professor deve tornar o seu aluno cônscio de que aprender uma segunda língua
é um processo longo e que exige uma atitude inquiridora, uma atitude de
negociar o mundo através de uma segunda língua Uma negociação que envolve a
compreensão da palavra em um contexto e que este contexto está relacionado com
o sujeito falante, lembrando, ainda, que o significado não apenas muda com o
contexto, mas também com a visão de mundo deste falante. E é num processo
ideológico, discursivo e lingüístico que o ensino de segunda língua deve ser
conduzido, para que, mediante várias interações, a aquisição de segunda língua
ocorra.
2. O ensino da língua inglesa numa perspectiva
histórica
Os
curso de Letras têm como objetivo geral formar o profissional
interculturalmente competente, capaz de lidar, de forma crítica, com as múltiplas
linguagens, no contexto profissional e social.
Das
várias áreas que compõem os cursos de letras, o ensino de línguas
estrangeiras tem centralizado as atenções dos pesquisadores dedicados ao
estudo e à discussão que o assunto provoca, não só pelos aspectos didáticos,
metodológicos, mas também pelas implicações políticas e culturais que
acarreta.
O
ensino da língua inglesa nas últimas décadas vem evoluindo, e essa evolução
fica mais clara quando observamos a transformação histórica dos métodos, das
técnicas e abordagem que o ensino de inglês vem utilizando.
NOAM
CHOMSKY (1975, p. 89) revoluciona a lingüística afirmando que ‘ língua é
uma habilidade criativa e não memorizada, e que não são as regras da gramática
que determinam o que é certo e errado, mas sim o desempenho de um representante
nativo da língua e da cultura que determina o que é aceitável ou inaceitável’.
A
partir daí, as idéias de CHOMSKY passaram a inspirar a metodologia de ensino
de línguas na direção de uma abordagem humanística baseada em comunicação
e intermediação de um facilitador habilidoso, e com participação ativa do
aprendiz.
Surgem
novas teorias nas áreas da lingüística e da psicologia educacional nos anos
70 e 80. PIAGET E VYGOTSKY haviam proposto que conhecimento é construído em
ambientes naturais de interação social, estruturados culturalmente. Para eles,
cada aluno constrói seu próprio aprendizado num processo de dentro para fora
baseado em experiências de fundo psicológico.
Na
década de 80 o norte-americano STEPHEN KRASHEN (1982, p. 99) estabelece uma
clara distinção entre estudo formal e assimilação natural de idiomas, entre
conhecimento acumulado e habilidade desenvolvida, redefinindo, os rumos do
ensino de línguas. KRASHEN (1982, p. 107) afirma que
o
ensino de línguas eficaz não é aquele que depende de receitas didáticas em
pacote, de prática oral repetitiva, ou que busca apoio de equipamentos e
tecnologia, mas sim aquele que explora a habilidade do instrutor em criar situações
de comunicação autêntica, naturalmente voltadas aos interesses e às
necessidades de cada grupo e cada aluno.
No
Brasil, o ‘ano de 1978 será simbolicamente adotado como o divisor de águas’,
como diz ALMEIDA FILHO (2003, p. 22-23), pois foi neste ano que aconteceu em
Florianópolis o Seminário Nacional para o Ensino Comunicativista. E o que
acontece hoje, no ensino comunicativo de língua inglesa teve como marco aquele
ano.
Vale
ainda lembrar que, no começo de 1970, o audiolingualismo era o método
dominante. E provavelmente, todos vocês que aprenderam inglês, naquela época,
se lembram do ensino mecânico e repetitivo, influenciado pelo behaviourismo de
SKINNER.
Sem
dúvida, a partir de 1970, os professores de língua estrangeira vão encontrar
termos como comunicação, vida real, uso, funções, significativo, contexto,
cenário. A literatura mostra que durante os anos 1970 houve um número
significativo de livros que direcionavam o seu conteúdo para a "comunicação
da vida real"; e por vida real entende-se a capacidade de o aluno poder
fazer o uso da língua em situações fora da sala de aula, tais como tomar um táxi,
ler revistas, jornais, atender a um telefone, ser capaz de se comunicar quando
exposto a uma situação real. O conteúdo dos livros, naquela década, começou
a explorar as possíveis situações de comunicação a que os alunos estariam
expostos. Houve uma tentativa de trazer o "setting" de fora da sala de aula para dentro, embora a prática
demonstre que nem sempre isso é possível. (ISAAC, 2001, p. 34)
Nos
anos 90, os professores de língua inglesa, principalmente os de cursos livres
de língua inglesa, se qualificaram em cursos como ITTI[4] e COTE[5],
objetivando um embasamento teórico e metodológico, e nessa formação eram
incluídas noções de estudo de gramática, análise do discurso, aquisição
de segunda língua, métodos e técnicas, plano de aula – assuntos estes -
muitas vezes não abordados nos cursos de formação de professores de algumas
instituições, aqui no Brasil. (ISAAC, 2001: 40)
Em
virtude da preocupação com as pesquisas, com a interação
professor/aluno/teoria/sala de aula, na década de 1990, encontra-se um cuidado
maior com o preparo e o profissionalismo do professor de línguas. Hoje, o que
se encontra no ensino de línguas são professores engajados e participativos no
processo. Eles não ficam esperando a teoria proposta pelo pesquisador e não
deixam que o ensino e a aprendizagem sejam uma "especulação de
poltrona", como diz KRASHEN, mas eles checam junto, questionam, participam
e interagem nesse processo. Vê-se hoje uma interação
professor/aluno/teoria/sala de aula. Há o que se pode chamar de um diálogo
interativo.
Percebemos
com este perfil histórico que o ensino de inglês passa por diversas fases mas,
mesmo assim, uma etapa representa bastante para a que se segue; por este motivo
falar no ensino de inglês hoje é considerar o ecletismo é considerar e se
adequar à globalização, ao mundo atual.
CELANI
(1997, 103) afirma que "nem tudo
que é velho pode ser descartado e colocado de lado como algo estanque e
acabado. O antigo, repetidas vezes, tem muito a contribuir com o atual".
Dentro
desta perspectiva, o importante não é a oposição de um método ao outro, mas
sim que cada um deles priorize um aspecto em detrimento ao outro, e isto exclui
qualquer julgamento de valor, pois cada um deles tem o seu. Porém, vale
enfatizar que o que talvez esteja faltando no ensino de inglês de algumas
escolas públicas seja um olhar inovador.
3. Parâmetros Curriculares Nacionais
LEFFA
(2003, p. 229) enfatiza que o ensino de inglês é marcado pelo ir e vir e usa a
metáfora do pêndulo, dizendo que “tudo acaba voltando ao ponto de partida
para iniciar um novo ciclo”
E
os Parâmetros Curriculares Nacionais iniciam esse novo ciclo no ensino da língua
inglesa no ensino médio e fundamental. Os PCNs propõem o ensino para comunicação
e pela primeira vez temos um guia para o sistema educacional brasileiro, sabemos
que eles propõem um ensino voltado para a realidade do aluno.
Um
outro aspecto enfatizado nos PCNs é que além de expor os professores aos princípios
específicos do ensino de inglês, é necessário envolvê-los em um processo de
reflexão sobre a sua prática e performance em sala de aula.
É
importante que o professor aprenda a refletir sobre a sua prática, por esta razão
os cursos de Didática e Prática do Ensino da Língua Inglesa têm sido vistos
como lugar ideal para refletir e investigar a prática dos professores em sala
de aula das escolas públicas. (MEC, 2002, p. 109)
E
isto constitui um grande feito, tendo em vista a maneira tradicional que permeou
e ainda permeia o ensino de inglês nas escolas públicas: havia uma crença que
era suficiente expor o professor e teoria. Hoje, é necessário que o professor
reflita sobre sua prática. É sabido que leva-se tempo para que o professore
noviço assimile a teoria, vá para sala de aula e transforme sua prática. a
crença
Os
PCNs mudaram o perfil do sistema educacional do ensino médio e fundamental. Uma
das principais críticas aos PCNs é que eles constituem um reforma de cima para
baixo, mesmo que os seus autores reconheçam que eles -
os parâmetros – não sejam uma proposta homogênea.
4. Considerações finais
Sabemos
que a partir de 2004 os cursos de Letras sofrerão alterações, para se adequar
às novas exigências feitas pelo MEC. Essa proposta coincide com o que já
dizia ALMEIDA FILHO, em seu artigo, Crise, Transições e Mudanças no Currículo
de Formação de Professores de Línguas (2000, p. 37-38)
dentro
do universo de estudos do curso de Letras, as universidades, faculdades e
departamentos deveriam eleger a formação de professores com uma prioridade
estratégica de formação de quadros para a educação nacional.
Iniciaremos,
assim, uma nova etapa no nosso curso, teremos mais horas dedicados à prática e
ao estágio, conseqüentemente, a prioridade
do curso será formar professores.
Vislumbramos
um curso de Letras com mais horas dedicadas à prática e estágio. E será este
o caminho? Freitas (1992, p.96) afirma que
‘não é uma questão de aumentar a prática em detrimento a teoria e
vice-versa – o problema consiste em adotar uma nova maneira de produzir
conhecimento nos cursos de formação de professores’.
Portanto,
como será o futuro do ensino de inglês com a nova proposta do MEC? Difícil
responder, e Leffa (2003, p. 226) diz
a
maior dificuldade em se falar sobre o futuro do ensino de inglês é a constatação
de que o futuro está se tornando cada vez mais imprevisível. As duas razões
geralmente apresentadas para essa imprevisibilidade são a) a idéia de que o
futuro é apenas uma projeção presente e b) a convicção de que as mudanças
atualmente estão acontecendo de modo mais rápido do que aconteciam antes.
Sabemos
que formação de professores de língua estrangeira está muito ligada a
habilidades e ao treinamento. Mas será só isto? Será que formamos alguém?
Que conseguimos transformar alguém em professor de língua inglesa? Rod Bolitho diz que ‘good teaching grows inside a
person’[6]]. Falar em ensino de qualidade na escola pública,
é pensar em um profissional qualificado. Mas o que isso significa? O
professor de inglês qualificado seria aquele que domina o modelo de aula
comunicativa, que chamamos ppp - presentation
practice e production -. Professor
qualificado, na minha visão é aquele que além de saber planejar uma aula, e
conduzi-la corretamente, é um profissional cheio de paixão, que ama o que faz
e que transporta seus alunos para um mundo mágico.
E isto não vem em pacotes didáticos, está, sim, dentro ou não de cada
um.
Concordo
com Leffa (2003) e Celani (1997) quando eles em diferentes maneiras se referem
ao diálogo entre o velho e o novo, de uma maneira renovadora. É olhar
historicamente para o ensino da língua inglêsa visando o hoje, a incorporação,
a convergência. É olhar para o futuro e vislumbrar um professor apaixonada
pelo que faz.
Para
finalizar, cito Rubem Alves em uma de suas entrevistas quando lhe perguntaram
qual o segredo da educação? Ele disse O grande segredo é a paixão do
professor. Se você tiver um professor apaixonado, ainda que ele não saiba
muita didática dará um jeito.
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[1] rmisaac@terra.com.br
[2] ISAAC, R.M. e O’SULLIVAN, P. J. (roteiro, pesquisa e texto) O ensino da Língua Inglesa: buscando qualidade na escola pública. Goiânia: Cara Vídeo. 2000. CEAD - UCG
[3] As traduções foram feitas pela autora.
[4] International Teacher Training Institute (International House – London)
[5] Certificate for Overseas Teachers of English – University of Cambridge Local Examinations Syndicate
[6] Bolitho, R. ‘bom ensino cresce dentro de uma pessoa’