INFLUÊNCIAS
DOMINANTES NA CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE UMA PROFESSORA DE LÍNGUA
INGLESA
Suely
Ana Ribeiro – UFG
RESUMO:
Este estudo buscou investigar que tipos de experiências de formação tem
contribuído de forma mais marcante para a formação de uma aluna-professora,
sendo portanto, materializadas por ela em sua prática docente.
PALAVRAS-CHAVE:
experiências, formação, prática pedagógica.
INTRODUÇÃO
Tem havido nos últimos anos um crescente interesse em compreender a natureza do trabalho docente, quais são seus propósitos, seus processos, seus resultados, bem como que tipos de saberes o profissional do ensino evoca em sua tarefa de ensinar
Parece-nos óbvio que os professores fundamentam seu fazer pedagógico nos saberes adquiridos nos cursos de formação inicial (graduação). Esta seria a conclusão lógica, uma vez que dedicam quatro ou cinco anos de suas vidas aos seus cursos de licenciatura, certos de que tais cursos possam provê-los dos conhecimentos sobre as disciplinas que pretendem ensinar, bem como sobre a maneira de ensinar esses mesmos conteúdos aos seus alunos.
O exercício profissional nos mostra que essa relação curso de formação X atuação pedagógica não ocorre de forma tão tranqüila e direta assim. Na verdade, os professores mobilizam em suas ações pedagógicas, além dos conhecimentos adquiridos na universidade, um vasto conjunto de saberes adquiridos ao longo de suas vidas. Segundo Tardiff (1999), “não se deve confundir os saberes profissionais com os conhecimentos adquiridos no âmbito da formação universitária”. O autor chama a atenção para o fato de que, embora o conhecimento adquirido no curso de formação inicial seja reconhecidamente importante para o exercício docente, ele não abrange todos os tipos de saberes que um professor mobiliza nas diversas situações de ensino com as quais tem de lidar no exercício de sua profissão. Além disso, é necessário observar que cada professor recebe os conhecimentos adquiridos na formação inicial e os metaboliza de acordo com outros tipos de saberes que possui. Assim, não há dois profissionais que possuam exatamente os mesmos saberes, assim como não há dois eventos de ensino iguais. Tardiff (1999) destaca que os saberes profissionais dos professores são personalizados, difíceis de dissociar da pessoa, de suas experiências e de seus contextos particulares de trabalho.
Assim, com base na concepção de Tardiff sobre a constituição dos saberes profissionais, me propus a investigar que experiências de formação têm exercido influência sobre a prática pedagógica de uma professora de língua inglesa, aluna do 5º ano do curso de Letras de uma universidade pública de Goiânia. Busquei, também, verificar em que medida os saberes adquiridos no curso de formação inicial, especialmente na disciplina de Didática e Prática de Ensino da Língua Inglesa, têm sido materializados na prática docente da professora-sujeito. Para desenvolver essa investigação orientei-me pelas seguintes perguntas de pesquisa:
A
pesquisa proposta justifica-se pela contribuição que pode prestar à
professora-sujeito por meio da reflexão que ela, inevitavelmente, fará a
respeito de sua prática docente, bem como para os profissionais do ensino de língua
inglesa que, ao tomarem contato com a pesquisa, terão a oportunidade de
refletirem sobre a sua prática, seja ela como docente de língua inglesa nos níveis
básicos de ensino ou como professor formador nas instituições de ensino
superior.
ORGANIZAÇÃO DO ARTIGO
O presente artigo está organizado em seis partes precedidas por essa introdução, que contextualiza a investigação, apresenta seus objetivos, justificativas e as perguntas que nortearam seu desenvolvimento.
A primeira parte apresenta brevemente um conceito de formação e as implicações que ela tem no desenvolvimento do profissional do ensino. A segunda parte traz os modelos de formação de Wallace (1995) e situa qual desses modelos apresenta características que podem atender às necessidades do contexto atual de ensino no Brasil. Em seguida, são expostas as seis estratégias de reflexão/formação propostas por Amaral et al. (1996). Todavia, dentre as seis estratégias apenas as perguntas pedagógicas de Smyth serão discutidas, uma vez que estas foram utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa. A quarta seção descreve a professora-sujeito dessa pesquisa e os instrumentos utilizados para a coleta de dados. A quinta parte traz a categorização das experiências de formação, a sexta, a análise e discussão dos dados, enquanto que a sétima seção apresenta as conclusões desse estudo.
Comecemos
por definir o que se entende por formação nesse estudo.
1.
MAS O QUE É FORMAÇÃO?
Leffa (2001) conceitua a formação em oposição ao treinamento. Segundo o autor, treinar professores implica ensinar-lhes técnicas de ensino, sem construir uma base teórica, visando a resultados imediatos em sala de aula. Por outro lado, formar o professor implica a busca da reflexão e das razões por que uma ação é realizada da maneira que é realizada. A formação pressupõe embasamento teórico, pressupõe um diálogo entre teoria e prática. Assim, o treinamento atende as necessidades momentâneas, enquanto a formação tem o olhar voltado para o futuro e entende o desenvolvimento profissional como um processo contínuo. Ressalta-se que o treinamento pode constituir parte da formação profissional. Não pode, contudo, ser tratado como a formação, de fato.
Medina e Domingues (apud García, 1999) acrescentam à formação a função de desenvolver no professor um estilo crítico e reflexivo de ensinar, um estilo que o torne capaz de avaliar continuamente sua prática pedagógica e os resultados que ela produz. Além disso, espera-se que esse professor seja capaz de operar mudanças no percurso traçado sempre que necessário, a fim de promover uma “aprendizagem significativa” para os alunos, uma aprendizagem que constitua resposta para os questionamentos, interesses e necessidades reais do aluno.
Dessa forma, não se pode mais pensar num profissional do ensino treinado apenas para seguir “receitas”. A sociedade é dinâmica, evolui continuamente. O professor precisa, então, acompanhar a dinâmica da sociedade, precisa manter-se em formação, um processo de desenvolvimento e construção de saberes contínuo.
A seção seguinte apresenta os modelos de formação de Wallace (1995).
2. OS MODELOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Wallace (1995) apresenta três grandes modelos de formação do profissional do ensino: o modelo da maestria, o modelo da ciência aplicada e o modelo reflexivo.
O modelo da maestria considera que a sabedoria do professor reside na experiência profissional acumulada: o aluno-professor aprende imitando um professor mais experiente, que ensina aos alunos o que e como fazer.
O modelo da ciência aplicada prevê que o conhecimento científico seja transmitido aos alunos-professores pelos especialistas. Os alunos colocam esse conhecimento em prática e, assim, atingem a competência profissional.
O terceiro modelo de formação profissional, o modelo reflexivo, leva em conta o conhecimento recebido, o conhecimento experiencial, a prática, a reflexão e a competência profissional. Para Wallace (1995), entre prática e reflexão deve haver um movimento cíclico, uma alimentando a outra, a fim de alcançar a “competência profissional”, entendida pelo autor, como um conceito dinâmico, um ponto que nunca é totalmente atingido, pois há sempre algo novo a desenvolver. Segundo Amaral et al. (1996) o modelo reflexivo permite um diálogo entre prática e teoria, levando o profissional à construção e à reconstrução de seus conhecimentos.
Dessa forma, entendemos que o contexto atual de ensino no Brasil demanda um profissional reflexivo, um profissional capaz de tomar decisões diante dos imprevistos próprios do ambiente de ensino, baseadas em seus diferentes tipos de saberes, considerando experiências pessoais, valores e anseios dos alunos, pois educação envolve seres humanos, com emoções, com sentimentos, com experiências que são sempre únicas.
Na próxima seção serão apresentadas as estratégias de reflexão/formação de professores de Amaral et al. (1996) sendo que, por razões já mencionadas, definiremos apenas as perguntas pedagógicas de Smyth.
3. AS ESTRATÉGIAS DE REFLEXÃO/FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Considerando a importância da reflexão para a formação do professor Amaral et al. (1996) apresentam algumas estratégias de formação de professores que constituem meios de desenvolver a prática da reflexão já nos cursos de formação inicial. Sabe-se, contudo, que a prática reflexiva é um aprendizado árduo. Tavares e Alarcão (1992) chamam a atenção para a necessidade de considerar os diferentes estágios de desenvolvimento do profissional para apresentar as diferentes estratégias de reflexão/formação, pois há entre elas uma relação estruturante, articuladora e de interdependência.
Amaral et al. (1996) apresentam, então, as seguintes estratégias para a formação do professor reflexivo: as narrativas, a análise de casos, a observação de aulas, o trabalho com projetos, a investigação-ação e as perguntas pedagógicas. Nesse estudo, no entanto, serão apresentadas apenas as perguntas pedagógicas de Smyth, uma vez que estas foram utilizadas como roteiro para direcionar a reflexão e promover o resgate das experiências de formação da professora-sujeito.
Segundo Smyth (1989) a reflexão pode começar na própria sala de aula do professor, não deve, contudo, restringir-se a ela. É desejável que a reflexão atinja um nível que alcance os princípios éticos e políticos que permeiam o ensino e as relações deste com as hierarquias da sociedade. Todavia, a prática da reflexão não é um simples exercício de pensamento, mas sim uma prática que deve ser desenvolvida gradativamente, assumindo, aos poucos, níveis mais complexos. Smyth (1992) sugere que pesquisadores desenvolvam com os professores-participantes de suas pesquisas interações que os conduzam em um processo reflexivo, com base em quatro perguntas: 1) Descrever: O que eu faço?; 2) Informar: O que isso significa?; 3) Confrontar: Como eu me tornei assim?; e 4) Reconstruir: Como eu poderia agir diferentemente?
As quatro perguntas pedagógicas de Smyth constituem um roteiro para orientar a reflexão do professor e devem contribuir “no sentido de mudar as condições de ensino, descobrindo a natureza das forças que inibem e restringem a ação dos professores” (Amaral et al., 1996, p. 103).
A primeira pergunta pedagógica (O que eu faço?) visa a promover uma reflexão que envolva a descrição minuciosa das práticas de ensino do professor. A segunda (O que isso significa?) deve levar o professor à interpretação das suas ações pedagógicas, à compreensão de por que faz as ações que faz em sala de aula. Busca-se, nesse nível, o desvelar dos princípios e teorias que subjazem a prática do professor. A terceira pergunta (Como me tornei assim?) objetiva promover o questionamento das ações pedagógicas como resultado de forças sociais, políticas e culturais e a tornar-se consciente das forças que o levaram a tornar-se o profissional que é. A quarta e última pergunta (Como poderei me modificar?) pretende levar o professor à reconstrução de suas crenças, à modificação de suas práticas, consciente de que “ensino não é uma realidade imutável, definida por outros, mas contestável na sua essência” (Amaral et al., p. 103).
Ressalta-se que a quarta pergunta não foi utilizada porque a pesquisa não tinha como objetivo intervir na prática da professora.
4. A PROFESSORA-SUJEITO E A METODOLOGIA DA PESQUISA
Virgínia, pseudônimo escolhido pela professora-sujeito dessa pesquisa, é aluna do 5º ano do curso de Letras de uma universidade pública de Goiânia. Atua no ensino de língua inglesa, em cursos livres, há 8 anos e no Centro de Línguas da universidade onde estuda, há dois anos. A professora-sujeito desse estudo morou um ano num país de língua inglesa e lá cursou o último ano do ensino médio.
A presente pesquisa tem caráter qualitativo- interpretativista pois estuda um fenômeno de natureza social, não tende à quantificação e busca compreender um fenômeno a partir dos próprios dados e das referências e significados fornecidos pelos sujeitos estudados. Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário, entrevista semi-estruturada e observação de aula.
Apresento
a seguir as categorias de experiências de formação utilizadas nessa investigação.
5. A CATEGORIZAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO
Tardiff (1999, p. 15)
chama de epistemologia da prática profissional “o estudo do conjunto dos
saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. A epistemologia da prática
profissional revela quais saberes são mobilizados no ato pedagógico e como
eles são incorporados, produzidos e utilizados pelos profissionais do ensino em
suas atividades docentes. Tardiff (1999, p. 17) acrescenta, também, que “a prática
profissional nunca é o espaço de aplicação dos conhecimentos universitários”.
Será, no máximo, o espaço de filtragem e transformação desses saberes em
função de atender as exigências reais do trabalho.
Os dados coletados
nesse estudo apontam para experiências de formação que podem ser
categorizadas de acordo com Tardiff (1999, p. 21), para quem os saberes dos
professores provêm de diversas fontes. Segundo o autor, um professor, em seu
trabalho, se serve de “sua cultura pessoal”, “de sua história de vida”
e sobretudo “da sua história de vida escolar”, uma vez que professores são
trabalhadores que estiveram imersos, como alunos, em seu espaço de trabalho por
muitos anos. O professor apóia-se, também, “em certos conhecimentos
disciplinares adquiridos na universidade”, “em certos conhecimentos didáticos
e pedagógicos oriundos de sua formação profissional”, “nos conhecimentos
curriculares veiculados pelos programas, guias e manuais escolares”, “em seu
próprio saber ligado à experiência de trabalho”, “na experiência de
outros professores e em tradições peculiares ao ofício de professor”.
Tardiff (1999, p. 20) acrescenta, também, que “ainda hoje, a maioria dos
professores aprende a trabalhar na prática, às apalpadelas, por tentativa e
erro”. Bailey et al.(1996) corroboram com Tardiff (1999) no que se refere à
experiência de formação adquirida por meio da experiência como aprendiz.
Segundo a autora, os professores ficam expostos ao ensino por muito tempo
e,durante esse período, internalizam muitos dos comportamentos de seus
professores, sejam eles bons ou maus modelos (Bailey et al., 1996).
Assim, as experiências
de formação da professora-sujeito dessa pesquisa serão categorizadas, com
base em Tardiff (1999) e Bailey (1996) de cinco maneiras, a saber:
Apresentadas as cinco categorias de experiências de formação de professor passo, na sessão seguinte, a analisar os dados da dessa pesquisa.
6. ANÁLISE DOS DADOS
Para a análise dos dados serão utilizados recortes do questionário (Q) e da entrevista (E) nos quais a professora-sujeito faça referência a algum dos tipos de experiências categorizados de acordo com Bailey (1996) e Tardiff (1999) e os dados coletados por meio da observação da aula. Esses recortes serão classificados de acordo com as cinco categorias já apresentadas.
Por uma questão de organização, todos os recortes que fizerem referência a um mesmo tipo de experiência de formação serão apresentados em seqüência. Assim, a análise se dará na seguinte seqüência: a) experiência como aprendiz; b) experiência em curso de formação; c) experiência de leitura; d) experiência como professor; e e) experiência no contato com outros professores.
A experiência como aprendiz de língua inglesa foi mencionada por Virgínia várias vezes tanto no questionário quanto na entrevista. A professora relatou, por exemplo, que no ensino fundamental “gostava muito de estudar porque tinha a prática oral da língua” (E). No questionário, ressalta a força da prática oral em sua prática da seguinte forma:
Privilegio
a prática de atividades orais e de compreensão auditiva em sala já que as
outras podem ser realizadas individualmente em casa e, posteriormente,
aprimoradas em sala. (Q)
A observação da aula permitiu confirmar a atenção
especial dispensada a prática oral. A professora incentivou bastante a expressão
oral, oportunizando a todos os alunos a participação. Na aula observada houve
uma discussão sobre estratégias para manter o emprego e a professora perguntou
se os alunos concordavam, se praticavam aquelas estratégias e promoveu em
debate bastante crítico sobre os interesses que se ocultavam por trás daquelas
estratégias. A prática oral fluiu bem e os alunos não demonstraram
constrangimentos para falar.
Outra experiência de aprendiz que Virgínia trouxe para sua prática foi a revisão da produção escrita pelos pares. A aluna-professora foi convicta quando disse: “Eu acredito que quanto mais o aluno tiver a sua produção revisada, não só por mim mas também por outros alunos, ele vai estar tendo feedback da produção dele [...] Foi assim que aconteceu comigo...” (E)
Em outro momento da entrevista ela fala sobre sua experiência de aprendiz de língua inglesa no curso de Letras e reforça a sua experiência positiva com a prática da produção escrita revisada. Virgínia afirma que:
Realmente
a professora corrigia e devolvia (as redações).Ela não só analisava o conteúdo
como também a forma e aí, sim, que
eu vi realmente algum progresso na escrita em inglês [...] A última redação
eu refiz seis vezes. (E)
Na aula observada Virgínia, após desenvolver a prática oral, solicitou aos alunos que se organizassem em pares para revisarem as produções escritas um do outro, que haviam sido feitas em casa. A aluna-professora orientou os alunos para que fossem muito atenciosos na correção e discutissem com colegas possibilidades de melhorar o texto. Em casa, deveriam reescrever o texto e entregá-lo na próxima aula. Dessa forma, mais uma experiência como aprendiz se materializa na prática da professora.
Virgínia traz , ainda, para a sala de aula outra de suas experiências como aprendiz. A aluna-professora, ao relatar sobre sua experiência morando em outro país de língua inglesa, afirma que aprender a língua relacionada a algum interesse pessoal como culinária ou artes ou, ainda, motivada por uma necessidade real como escrever um bilhete, atribui significado a aprendizagem e os resultados serão melhores. A esse respeito, ela se pronuncia assim:
Eu
tinha que aprender as funções da língua pra poder realmente estar usando
aquelas funções no meu dia a dia: pedir alguma coisa pra informar, deixar
algum bilhete pra o pessoal da minha casa [...] estudei matérias do meu
interesse como culinária, teatro, artes... (E)
A
respeito das práticas que desenvolve em sala de aula, Virgínia relata no
questionário:
Eu
procuro desenvolver as quatro habilidades da forma mais natural possível [...]
envolvo o novo tópico com algo bem corriqueiro e próximo da realidade
vivenciada pelos alunos, de forma que eles se identifiquem com o que foi
introduzido quase que instantaneamente. (Q)
É possível perceber um esforço de Virgínia em promover situações de aprendizagem mais próximas da realidade dos alunos. Esse esforço se justifica pela sua experiência de aprendiz de língua inglesa (no exterior) que se sentia muito mais motivada a aprender quando a aula estava relacionada a algum assunto de seu interesse como culinária, artes ou esportes radicais.
A aula observada mostrou a preocupação que a professora tem de promover a aprendizagem da língua em situações relacionadas à vida dos alunos. Virgínia problematizou com os alunos as questões que envolvem a manutenção de um emprego, perguntou como eles agiriam diante da situação, se eles se submeteriam a colocar aquelas estratégias em prática. Além disso, questionou aos alunos quais os interesses que se ocultavam por trás daquelas estratégias e a quem aquelas estratégias beneficiariam. A professora abriu espaço para que os alunos relatassem experiências relacionadas ao tema.
Vale ressaltar que a turma em que as estratégias para manter o emprego foram discutidas cursa o sétimo semestre de um curso de oito semestres e é formada por alunos com no mínimo 18 anos até por volta de 50 anos. A conversa sobre o tema é, então, bastante relacionada à vida deles.
Os recortes apresentados nos permitem, então, perceber claramente a força da experiência como aprendiz no fazer pedagógico de Virgínia.
Os dados apontam, também, para as experiências de formação adquiridas em curso de formação.Virgínia, ao responder como encaminha suas aulas, afirma: “Eu estruturo minhas aulas em três estágios básicos: apresentação, prática e produção” (Q). Na entrevista ela acrescenta: “depois de ter feito o treinamento (para atuar no Centro de Línguas) no 1º ano, eu assisti novamente quando eu estava no 2º ano porque eu queria estar realmente me aprofundando nisso” (E).
Ao estruturar suas aulas de acordo com os três estágios básicos a professora transpõe para a sua prática saberes desenvolvidos em cursos de formação, neste caso o treinamento feito no Cento de Línguas. Ela acrescenta que o curso supria o seu interesse “de estar melhorando as [...] aulas, de estar tendo mais conhecimento sobre os métodos, sobre atividades para fazer em sala de aula” (E).
Ao ser questionada sobre sua experiência no curso de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa, Virgínia relata com entusiasmo:
Ah,
está sendo maravilhoso! Eu entrei aqui [...] pensando que ia ter essa matéria
no primeiro ano porque eu já dava aula e eu queria estruturar certinho assim na
minha cabeça o que é dar as aulas, como eu posso dar as aulas, quais são as
opções que atividades que eu posso fazer... (E)
Virgínia ainda está cursando a disciplina de Didática, mas a contribuição dessa experiência para a formação da professora parece clara na sua atuação em sala de aula. Apesar de na observação de aula não ter sido possível verificar os estágios básicos mencionados pela professora, pois a aula não foi de apresentação de conteúdo, foi possível observar uma aula estruturada de maneira a centrar-se na habilidade oral, com atividades diversificadas como análise e debate sobre o texto, discussão em pares, apresentação do resultado da discussão em pares para a classe toda, além da revisão colaborativa de textos, atividades estas fundamentadas pelos saberes desenvolvidos no curso de treinamento ou no curso de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa.
Outra experiência de formação mencionada pela aluna professora foi a adquirida por meio de leituras. Virgínia fez uma única menção a este tipo de experiência o que sugere que, talvez, as leituras, não têm sido uma influência marcante em sua formação. Acerca dessa experiência, a professora assim se expressou:
Antes
disso eu já tinha começado a dar aula, então a minha leitura era manual de
professor de inglês, os livros didáticos e gramática e alguns livros que eu
tinha [...] para poder trabalhar, melhorar o vocabulário em inglês. [...]
Depois que eu fiz o treinamento a gente viu alguns textos teóricos. (E)
Com relação à observação da aula, não foi possível estabelecer uma relação direta entre uma experiência de leitura e a prática desenvolvida em sala de aula. Contudo, é inegável que a leitura, seja de manuais, de livros didáticos, de gramáticas ou de textos teóricos, exerce influência sobre o fazer pedagógico da professora, que filtra esses saberes e os reconstrói mesclando-os com outros saberes que possui. O resultado dessa filtragem é materializado na prática da professora.
A experiência como professora é, também, mencionada por Virgínia. Segundo ela, no início de sua atuação como professora “era muito preocupada com a forma. Meus alunos tinham que produzir 100% correto ou não produzir” (E). Os anos de experiência, mostraram à professora a necessidade de focalizar mais o conteúdo do que a forma na produção do aluno. A esse respeito, ela afirma:
[...]
mas eu não vou parar a pessoa de falar pra eu poder corrigir a forma. Eu tenho
que prestar atenção no conteúdo e posteriormente corrigir a forma, se pintar
uma situação. (E)
Virgínia
reconhece a importância da experiência que adquiriu como professora para o seu
desenvolvimento profissional. A aluna-professora, em resposta à questão sobre
como se tornou a profissional que é, afirma: “[...] eu me tornei a professora
que eu sou hoje graças [...]às oportunidades de emprego que surgiram e, conseqüentemente,
à necessidade de aperfeiçoamento na área; a todo meu estudo formal e informal
feito até hoje...”
(Q)
A observação da aula nos permitiu confirmar a atitude da professora diante das situações de fala em que os alunos cometem “erros”. Como relatado por ela na entrevista, não houve interrupção para correções durante o momento da fala, apenas posteriormente. Isso parece confirmar a importância da experiência adquirida ao longo dos anos como uma experiência de formação do professor, visto que houve superação da prática de correção excessiva da forma relatada pela professora na entrevista.
Por
fim, Virgínia aponta, ainda, a experiência de formação adquirida no contato
com outros professores. Tal experiência foi mencionada apenas na entrevista,
porém, em vários momentos. Virgínia relata, por exemplo, mudanças em seu
modelo de prova realizadas depois de assistir a uma defesa de dissertação de
mestrado a respeito do tema. A esse respeito ela afirma:
Até
hoje eu me lembro que eu mudei completamente o meu modelo de prova depois da
apresentação do trabalho de uma aluna que tinha defendido o mestrado falando
que os professores davam aulas comunicativas, mas as provas eram centradas em tópicos
gramaticais, em detalhes da forma da língua e não prestavam atenção ao conteúdo.
(E)
A
aluna-professora complementa que a sala dos professores é espaço “para a
resolução de todos os problemas, não só didáticos e pedagógicos como
financeiros [...] é um tal de trocar xerox, trocar atividades, o que você fez
para ensinar isso e tal, mas é sempre na informalidade”. (E)
Virgínia
relata também a experiência com sua supervisora no Centro de Línguas, com
quem tem encontros semanais. Segundo ela, esses encontros são voltados “para
as aulas em específico: eu mostro os quatro planos, ela me sugere alguma prática
e eu vou e dou minhas aulas”.
Embora a professora reconheça a importância dessas experiências para sua atuação em sala de aula, não foi possível estabelecer relações entre os dados da entrevista e a aula observada. Ressalta-se, contudo, que apenas uma aula foi observada, o que constitui um recorte muito pequeno da prática da professora.
Assim, a discussão dos dados do questionário, da entrevista e da observação de aula, constituiu resposta para a primeira pergunta de pesquisa apontando que tipos de experiências de formação sevem como base para a prática de Virgínia. Passemos a responder a segunda pergunta.
Virgínia expressa sua expectativa com relação ao curso de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa pratica à disciplina desde o início do curso (Eu entrei aqui pensando que eu ia ter essa matéria no primeiro ano) e faz referência ao curso, cujas aulas estão acontecendo só no 5º ano, com entusiasmo (Ah! Está sendo maravilhoso!). Além disso, a professora-sujeito dispõe de conhecimentos sobre metodologias de ensino, papel do professor em sala de aula, tratamento de “erros”, correção e revisão colaborativa da produção escrita, adquiridos ou lapidados nesse curso. Os saberes adquiridos na disciplina de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa são claramente observáveis na aula da professora-sujeito, portanto, há transposição dos conhecimentos desenvolvidos nessa disciplina para os eventos de ensino em sala de aula.
Com relação à última pergunta, foi possível observar que não há predominância de um tipo de experiência sobre as outras. Virgínia demonstrou que sua prática docente é fortemente influenciada por quatro dos cinco tipos de experiências de formação categorizados nesse estudo, a saber: a experiência como aprendiz de língua inglesa, a experiência vivenciada nos cursos de formação, a experiência como professora e a experiência no contato com outros professores. Dentre esses quatro tipos, talvez a experiência como aprendiz se sobressaia levemente em relação às demais, mas não o suficiente para quebrar o equilíbrio entre os quatro.
Passo agora às conclusões dessa investigação.
7. CONCLUSÃO
A análise dos dados coletados nesta pesquisa nos levou a algumas constatações.
A primeira é que a professora-sujeito dessa pesquisa tem pautado sua prática pedagógica em diversos tipos de experiências de formação de maneira equilibrada, ou seja, ela extrai de cada experiência de formação o que ela puder oferecer de positivo. Isso também se deve ao fato de a professora mostrar-se uma pessoa muito comunicativa e aberta ao aprendizado.
A segunda constatação está relacionada às marcas da experiência como aprendiz de língua inglesa na prática de Virgínia. A professora cita, de maneira bastante enfática, várias de suas experiências como aprendiz que ela traz para a sala de aula e desenvolve com seus alunos. As experiências mal sucedidas também servem como modelo para não seguir. Na verdade, a forte influência da experiência como aprendiz não deve surpreender, se considerarmos o tempo que todos passamos expostos a situações de aprendizagem na condição de aprendizes. Esse tipo de experiência é indissociável do profissional do ensino, embora haja uma variação na intensidade com que essas experiências são evocadas.
A terceira constatação é a de que o curso de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa tem exercido uma influência decisiva no fazer pedagógico da professora, que têm materializado em suas aulas os saberes desenvolvidos nesse curso. A constatação de que a informante da pesquisa têm exercido uma prática orientada pelas reflexões, teorias e práticas apresentadas e discutidas no curso de Didática é animadora e aponta para esse curso como um espaço essencial de construção de saberes, troca de idéias, estudo de teorias, análise e reflexão coletivas sobre assuntos relacionados ao ensino de língua inglesa.
Somada às constatações anteriores, a força da cooperação entre os colegas professores por meio da troca de idéias e de materiais, discutindo e refletindo sobre os eventos de ensino mostra-se, também, como uma boa perspectiva, uma vez que estes professores tendem a difundir suas estratégias de desenvolvimento e formação em seus ambientes de trabalho angariando, assim, a adesão de outros professores.
A última constatação é a de que a experiência de formação que exerce menos influência na atuação pedagógica da professora é aquela adquirida por meio de leituras. Tal constatação em princípio choca, uma vez que leitura seria uma atividade inerente à profissão. Contudo, é sempre positivo ter consciência de um problema para poder tomar medidas para erradicá-lo ao invés de mantê-lo velado.
Por
fim, espera-se que os resultados dessa pesquisa possam servir para que possamos
todos, profissionais do ensino, refletir sobre as diversas experiências de
formação que orientam nossas ações em sala de aula e, a partir dessa reflexão,
possamos construir conhecimentos que tragam resultados positivos para o ensino e
para o nosso desenvolvimento profissional.
REFERÊNCIAS
AMARAL,
M. J., MOREIRA, M. A., RIBEIRO, D.
O papel do supervisor no desenvolvimento do professor reflexivo: estratégias de
supervisão. In: ALARCÃO,
I. (Org.) Formação
reflexiva de professores: estratégias
de supervisão. Porto:
Porto, 1996. p. 91-122.
BAILEY, K. M. et al. The language learner’s autobiography: Examining the “apprenticeship of observation” In: FREEMAN, D; RICHARDS, J. C. Teacher learning in language teaching. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
GARCÍA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto, 1999.
LEFFA, V. J.
Aspectos políticos da formação do professor de língua estrangeira. In: LEFFA,
V. J. (Org.) O professor de línguas
estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas:
Educat, 2001. p. 333-355.
SMYTH, J. Developing
and sustaining critical reflection in teacher education. Journal of teacher
education, XXXX (2), 1989.
SMYTH, J. Teacher’s
Work and the Politics of Reflection. American
Educational Research Journal, v. 29, n. 2, p. 267-300, 1992.
TARDIFF, M.
Saberes profissionais dos professores e
conhecimentos universitários: Elementos para uma epistemologia da prática
profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação
para o magistério. Quebec: Universidad Laval, 1999.
TAVARES, J.;
ALARCÃO, I. Psicologia
do desenvolvimento da aprendizagem. Coimbra:
Almedina, 1992.
WALLACE, M. J. Trainning foreign language teachers: a reflective approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.