A PESQUISA ATUAL SOBRE O CONTEÚDO E A METODOLOGIA DO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA LICENCIATURA EM LETRAS – LÍNGUAS ESTRANGEIRAS.
Deise
Nanci de Castro Mesquita0
Coordenação
GT-LEs – UCG.
Resumo
O
tema central proposto para esta mesa é a pesquisa atual sobre o conteúdo e a
metodologia do ensino das disciplinas dos cursos de licenciatura. A escolha pela
disciplina Língua Estrangeira justifica-se pelo fato de que nos Cursos de
Letras o idioma tem se apresentado, por excelência, como o objeto do processo
de aprender e ensinar, de ser professor. Aqui, a proposta é pensar sobre a
relevância das pesquisas que tratam do conteúdo e da metodologia de ensinar e
aprender espanhol, francês, inglês e outros idiomas, nesse dado momento de
transição curricular d/nas Licenciaturas em Letras, em todo o território
nacional.
Palavras-chave:
ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, licenciatura e currículo.
Segundo
a Resolução CNE/CP n. 02, de 19 de fevereiro de 2002, em seu artigo primeiro,
a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica,
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será
efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e
oitocentas) horas divididas em 400 (quatrocentas) horas de prática como
componente curricular, vivenciadas ao longo do curso, 400 (quatrocentas) horas
de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do
curso, 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de
natureza científico-cultural e 200 (duzentas) horas para outras formas de
atividades acadêmico-científico-culturais, nas quais a articulação teoria-prática
garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as dimensões dos
componentes comuns.
Esta
resolução põe em evidência a relevância que sempre tiveram as atividades
extra departamento, extra sala de aula, extra disciplina curricular para/no
processo de formação docente. No entanto, há uma queixa generalizada vinda
dos Cursos de Letras, alegando o fato de que a resolução restringe em demasia
o tempo dedicado às disciplinas específicas e de que não é possível formar
um docente de língua estrangeira em apenas três ou quatro anos. Em síntese,
que é impossível aprender e ensinar uma língua estrangeira para quem quer ser
professor desse idioma, em tão pouco tempo na Universidade.
Essa
discussão está relacionada a inúmeros fatores: culturais, sociais, econômicos,
políticos e outros, que são o pano de fundo de toda a questão. Para as atuais
pesquisas sobre o conteúdo e a metodologia do ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras, o problema central parece ser perguntar sobre as características
que deverão ter, os princípios educacionais que deverão nortear esses órgãos
que oferecerão as atividades acadêmicas de natureza acadêmico-científico-culturais
aos licenciandos em Letras. Enfim, que metodologias deverão compor e garantir
as várias dimensões de um projeto pedagógico que postula a articulação
(indissociável) teoria-prática?
Desde
esta resolução, os Cursos de Licenciatura em Letras vêm tratando de discutir
e compor suas grades curriculares, aliando-se a parceiros de diversos
departamentos, faculdades, institutos, centros e outros. O maior impasse tem
demonstrado ser a congregação de interesses particulares com necessidades
gerais. No entanto, um projeto de parceria dessa dimensão só é possível se
esses órgãos estiverem ancorados em uma proposta de trabalho pedagógico
conjunto, com vistas a atender às exigências acadêmico-profissionais de cada
um de seus alunos aprovados no exame vestibular, sujeitos reais, não apenas
ideais.
Isto
implica pensar que qualquer pesquisa que busque a compreensão desse processo,
dessa tentativa de comprometimento desses órgãos no cumprimento desse currículo
mínimo, deverá levar em conta as reais condições sociais, culturais, históricas,
políticas, econômicas, financeiras e outras desse/as aluno/as e, ao mesmo
tempo, ter como suposto o fato de que cabe a essa parceria cumprir as exigências
mínimas de uma formação superior em seu nível acadêmico-científico-cultural
e responsabilizar-se por suprir essas demandas básicas em um curto, mas
qualificado espaço de tempo. Portanto, nesse dado momento, soa inapropriado
discutir o fato que já está posto, a Resolução; e, agora como sempre, resta
à Universidade exercitar sua teoria-prática, ou seja, ser responsável pela
sua autoconstrução. As pesquisas certamente podem nos apresentar alguns dos
caminhos.
Assumir
uma postura radical de descaso às reais condições desses licenciandos, em
termos tanto de suas limitações educacionais formais quanto financeiras, é
desconsiderar o papel a que se deve prestar qualquer Instituição Educacional
Superior que postula a Formação de Educadores. Ainda, exigir a permanência
desse/a aluno/a por um tempo muito (ou mais) longo nos Cursos, com a
justificativa de se garantir sua formação básica na Universidade, é uma
promessa que pode vir a não se cumprir.
Também,
apontar o número reduzido de horas para as disciplinas específicas e a
quantidade mínima de três anos para a formação como sendo responsáveis pela
inadequação profissional do professor de línguas estrangeiras é
desconsiderar as várias nuanças que implicam esse processo. É tomar a
Universidade como um ponto terminal de um dado processo educativo, é delegar ao
professor e ao Curso toda a responsabilidade pelo sucesso na formação, é
negligenciar a capacidade individual, a autonomia e a responsabilidade do
estudante em relação ao seu próprio crescimento intelectual e é, enfim,
tratar a educação formal como um processo calculável, premeditado e possível
aos mais esforçados ou dedicados.
No
entanto, a realidade atual, uma ininterrupta movimentação de informações,
exige que a formação seja também dinâmica, independente e transformadora. E
os órgãos formadores devem estar atentos ao fato. Diferentemente de décadas
anteriores, as competências profissionais que visam a atender às necessidades
sociais e às demandas de mercado nesse momento são tão imprevisíveis quanto
inimagináveis. Devido ao avanço técnico-científico das informações, não
é mais possível definir com garantia quais qualidades teórico-práticas compõem
o perfil de um profissional qualificado. Apenas, acredita-se que lhe seja
imprescindível saber trocar o conforto da certeza pela instabilidade dos
questionamentos.
Quando
Leffa trata de aspectos políticos da formação, também afirma que prever o
futuro é o maior de todos os desafios, pois quando um profissional está sendo
formado ele/a deve estar sendo preparado/a não apenas para atuar nesse mundo de
hoje, mas daqui a cinco, dez ou vinte anos. Ainda, chama a atenção para o fato
de que o conhecimento não é apenas o armazenamento de fatos, mas também a
reflexão de como esses fatos podem ser obtidos, avaliados e atualizados. Enfim,
sustenta que o conhecimento evolui e que aquilo que é verdade hoje
provavelmente não será verdade amanhã. E explica esse ato formativo como algo
a ser:
O treinamento tem um começo, um meio e um fim. A formação, não. Ela é continua. Um professor, que trabalha com um produto perecível como o conhecimento, tem a obrigação de estar sempre atualizado (...) a formação de um professor de línguas estrangeiras, competente, crítico e comprometido com a educação é uma tarefa extremamente complexa, difícil de ser completada em um curso de graduação, por envolver aspectos lingüísticos e políticos da natureza humana. (Leffa, 2001:352).
Portanto,
a tarefa que se supõe essencial aos órgãos formadores nesse dado momento
parece transcender a motivação que lhes inspirou os primeiros objetivos. Também
os Cursos de Graduação vêem-se convocados à análise e avaliação de suas
funções formadoras. Há um movimento das Universidades em direção ao
reconhecimento de sua própria identidade, uma retomada de conceitos e princípios
que pretendem esclarecer sua responsabilidade e influência na transformação
do conhecimento e da produção técnico-científica. E, parafraseando Bohn, o
que a sociedade parece esperar afinal desses centros formadores hoje é que
desconstruam os conceitos sobre formação baseados em um mundo supostamente
objetivo, de estrutura pré-determinada, com relações unívocas entre causa e
efeito:
Inovar é aliar-se a autopoiese, a autoconstrução, não imposta de fora. É o corpo, o cérebro e a mente interagindo que o mundo e o conhecimento se constituem. Tudo que a escola precisa fazer é criar condições para esta autoconstrução. (Bohn, 2001:121).
Portanto,
as propostas metodológicas que sustentam e organizam as atividades de ensino e
de aprendizagem deverão privilegiar o conhecimento gerado pelo aluno e pelo
professor em colaboração com outros professores e outros alunos, em um
processo de constante interrogação sobre o real significado de ser educador,
em cada contexto concreto de suas realidades.
Por
isso, como afirma Gimenez, todo e qualquer projeto educacional que tome em conta
esse aspecto formativo tem estreita correspondência com uma proposta de educação
emancipatória:
A pedagogia de Paulo Freire (...) tem muito a dizer sobre ensino de línguas estrangeiras na medida em que for visto como parte do quadro maior da educação e quando vemos a aula de língua estrangeira como mais do que abordagens, métodos, técnicas e materiais. Quando tratamos desse ensino geralmente nos prendemos no conhecimento especializado, nos esquecendo que nas relações que estabelecemos com nossos alunos, vamos forjando crenças sobre o que é ser humano (Gimenez, 2000).
Esta
concepção de formação é igualmente fundamental para as atividades de
pesquisa e de extensão nas Universidades. Contrapõe-se a modelos
hierarquizantes do conhecimento que geralmente pressupõem um sujeito que ignora
e que precisa ser esclarecido. E é neste momento privilegiado de reavaliação
que as Universidades - com seus inúmeros órgãos que constituem e compõem
esse todo indissociável: o ensino, a pesquisa e a extensão - deverão discutir
a abrangência d/na formação superior . E é a partir da Resolução –
legalmente inquestionável - que os Cursos deverão rever as novas grades
curriculares, planejar os cursos de línguas, organizar os projetos de pesquisa
e efetivar os programas de extensão. E as pesquisas atuais que objetivarem
pensar o conteúdo e a metodologia do ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras na Licenciatura deverão cuidar de identificar o perfil, a
identidade, do/as aluno/as em formação, e de mapear suas necessidades
fundamentais.
Pesquisando
esse perfil, podem ser definidas as demandas de ordem lingüístico-pedagógicas
que apresentam e as formas de (co)responder aos seus requisitos profissionais
como docentes de línguas estrangeiras. No entanto, também a compreensão que
se tem da relação travada entre esse sujeito “aprendizante” e esse objeto
“idioma” dita os princípios (não as regras) da construção da
subjetividade e aprendizagem de crenças e valores sobre o que é aprender e
ensinar línguas estrangeiras.
As
pesquisas atuais sobre aquisição de línguas parecem levar sempre em conta a
combinação de fatores bio-cognitivo-afetivos quando discutem e sustentam suas
teorias. Os dados que apresentam advertem que esse processo se dá em uma relação
complexa, dinâmica, inusitada e contingencial, que a organização dessa
estrutura acontece entre a ordem total e o caos. Dito de outra forma, afirmam
que a aquisição de um idioma depende de inúmeros fatores que atuam como uma
força que perturba uma situação estável e que provoca os movimentos, as
transformações no sistema. Nas palavras de Paiva:
A combinação desses fatores, no entanto, não é determinista no sentido de que, um conjunto X, na proporção Y de variáveis, geraria uma aprendizagem bem-sucedida ou malsucedida. O ser humano é imprevisível, e mudanças e ajustamentos diferentes podem ocorrer em situações semelhantes. (Paiva, 2003:1).
Resulta
daí a inconveniência que tem sido afirmar a existência de um único modelo
efetivo de ensino e aprendizagem para todo e qualquer aprendiz; da língua como
sendo um mero produto do acúmulo de informações sobre as estruturas lingüísticas
e vocabulário; e da autonomia como sendo um conceito limitado à
responsabilidade do sujeito sobre sua própria aprendizagem.
Vista
sob o escopo da teoria dos sistemas complexos, a aquisição configura-se um
objeto dinâmico e ao mesmo tempo organizado. Difere-se das concepções que
entendem o aprendiz como sendo aquele que é bem sucedido porque sabe como
utilizar suas próprias estratégias para aprender o idioma e que considera a
promoção de sua autonomia como responsabilidade de seu professor (ou sua
Universidade). É contrária a toda visão positivista cuja equação (consciência
+ autonomia = sucesso) é dada em termos de causa e efeito e que entende a língua
como uma representação direta da realidade objetiva, um código (sintaxe e
vocabulário) a ser dominado pelo aprendiz.
Ao
invés disso, as pesquisas atuais, que fazem a analogia entre a estrutura que
rege os sistemas complexos e os diferentes estilos de aquisição, têm concluído
que para se ensinar e aprender um idioma resta ao aprendizante deixar que a zona
estável desse sistema seja perturbada e, daí, que os efeitos significativos
n/desse processo de aquisição possam ser gerados.
Adotar
essa concepção implica tomar o processo educativo como algo imprevisível, sem
garantias de causas e efeitos sempre semelhantes em todos os aprendizes, e
auto-organizável, que obedece a uma ordem própria dentro da própria desordem.
Suscita, pois, o reconhecimento de que, devido à ação de qualquer força
(metodologia, estratégia ou técnica de aquisição), esse complexo sistema
entra em estado de desequilíbrio e, pela ação dirigida em sentido inverso,
restabelece o estado de equilíbrio, fazendo com que embora semelhantes os
resultados desses movimentos nunca sejam idênticos. Em sua leitura de
Pellegrini (2000:33), Paiva descreve as tendências para determinadas formas de
organização como sendo intrínsecas à dinâmica do sistema:
...
o organismo apresenta tendências para determinadas formas de organização
antes de aprender algo considerado novo para ele (...) na aprendizagem de línguas,
novos padrões comunicativos (compreendidos como padrões sintáticos, textuais,
interacionais, e discursivos) emergem e se estabelecem com a prática (através
da exposição ao idioma e de seu uso), modificando o estado do sistema. Esse
novo padrão comunicativo, que foi adquirido, com a prática se incorpora ao
atrator e o layout dos atratores se
altera, pois novos padrões vão se somando ao longo do ciclo. (Paiva, 2002:10).
Algumas
das conseqüências que Paiva tira do fato de que através do uso do idioma em
contextos formais ou naturais o sistema complexo da aquisição segue sua rota e
o aprendiz vai construindo seu conhecimento e adquirindo o idioma interferem na
forma de se pensar o papel do sujeito nesse processo. Para a autora, cabe ao
professor:
... permitir que a criatividade de seus alunos aflor(ass)e, em vez de impor a sua própria forma de aprender, ou suas crenças sobre a aquisição de uma língua (...) encorajar o contato constante do aprendiz com as mais diversas formas de input e promover as interações entre os diversos falantes (...) promover oportunidades de uso da língua e dar liberdade para que o aprendiz utilize as estratégias que melhor funcionem para ele, para, assim, aprender de acordo com seu estilo de aprendizagem (Paiva, 2002:13).
Ainda
outras questões suscitadas por Larsen-Freeman reiteram a importância de se
pesquisar e identificar a semelhança existente entre os complexos sistemas não-lineares
da natureza e a aquisição de idiomas:
Current
popular models (of grammar) do not capture well the dynamism and variability of
language in use (...) a better metaphor for language than a machine might be an
organism; machines are constructed; oragnisms grow (...) the best we can do is
explain occurence of change a posteriori, not actually looking at the language
and make exact predictions of what change will transpire next (...) rather than
using rules to shape discourse, the rules themselves are shaped by the discourse
(...) Language, then, is no different from other natural phenomena in that its
form follows function (Larsen-Freeman, 1997:147-50).
Há
muito tempo, também as teorias lingüísticas vêm se preocupado em pesquisar a
relação do objeto e do sujeito - a língua e o ser de linguagem - no processo
de aquisição do idioma. Atualmente, alguns projetos de estudos da linguagem
tomam a categoria “estrutura” para traçar o elo de identificação entre
essa teoria dos sistemas complexos e uma teoria lingüística. Pesquisadores das
questões de linguagem debruçam sobre O Curso de F. de Saussure, tomam sua
formulação da língua - estrutura, sistema - e a adotam como referência para
a definição de outros conceitos lingüísticos contemporâneos.
Para
o estruturalismo lingüístico, os elementos que constituem o arcabouço
conceitual que sustenta essa categoria são o signo e suas relações na cadeia
lingüística. O signo constitui-se n/do movimento arbitrário e contingente de
convocação do significante (imagem acústica) e o significado (o conceito):
uma folha de papel, obviamente de dois lados. Refere-se a uma contingência (não
necessidade) e posição (não oposição) dos termos na estrutura. Resume
Saussure:
...
na língua só existem diferenças. E mais ainda: uma diferença supõe em geral
termos positivos entre os quais ela se estabelece; mas na língua há apenas
diferenças sem termos positivos. Quer
se considere o significado, quer o significante, a língua não comporta nem idéias
nem sons preexistentes ao sistema (...) Um sistema lingüístico é uma série
de diferenças de sons combinados com uma série de diferenças de idéias; mas
essa configuração de um certo número de signos acústicos com outras divisões
feitas na massa do pensamento engendra um sistema de valores (Saussure,
1995:139).
Segundo
algumas de suas anotações (Bouquet, 2003:266-7), depois do sistema, chega-se
à idéia de valor, que é diferente de sentido. Sistema conduz ao termo. E a
significação é determinada pelo que a rodeia. Portanto, o mecanismo de um
estado de língua implica uma sintaxe: repousa sobre as duas posições –
maneiras de ser vizinhas ou diferentes de outra coisa. E, para explicar o fenômeno,
Saussure apresenta os dois eixos que sustentam essa estrutura, o paradigmático
e o associativo, e deixa evidente a impossibilidade de se considerar as relações
associativas e sintagmáticas como elementos estanques de um mesmo processo. Em
suas palavras:
A
Lingüística trabalha, pois, no terreno limítrofe onde os elementos das duas
ordens se combinam: esta combinação
produz uma forma, não uma substância. (1995:141).
O
termo forma (não substância) apresenta a idéia que se busca definir de que
todo e qualquer sistema complexo é inusitado e caótico e que, no entanto, como
qualquer outro elemento da natureza configura-se em uma des/ordem, uma im/previsibilidade
organizada.
A
abordagem dos sistemas complexos (ou simplesmente abordagem fractal) evidencia o
fato de que embora os fenômenos de um mesmo processo apresentem-se diferentes e
diversificados obedecem a leis que são universais. Esse modo de descrever o
funcionamento da língua/gem - sistema complexo que rege o processo de
aprendizagem de línguas - assemelha-se muito ao modo como Saussure delineou o
objeto da lingüística moderna - a língua, o sistema em movimento: modifica-se
o estado do sistema (o seu conteúdo), mas não a sua forma (a estrutura):
...pelo estudo, pela observação dessas línguas, (o lingüista) poderá extrair traços gerais, ele reterá tudo o que parece essencial e universal, para deixar de lado o particular e o acidental. Ele terá diante de si um conjunto de abstrações que será a língua. (Bouquet, 2003:120).
E,
parafraseando Gleick (1989:132-133), a turbulência é o resultado de uma
constante acumulação de ritmos conflitantes em um fluido em movimento. E,
assim esquematizada, essa abordagem fractal faz lembrar a descrição de
Saussure do mecanismo, do princípio geral da língua:
Na língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz também a agrupamentos. Esse mecanismo, que consiste num jogo de termos sucessivos, se assemelha ao funcionamento de uma máquina cujas peças tenham todas uma ação recíproca, se bem que estejam dispostas numa só dimensão (Saussure, 1995:148-50).
Partindo
da teoria lingüística estruturalista, parece coerente tomar essa concepção
saussuriana de mecanismo como um fractal do sistema complexo chamado linguagem.
A língua assim delineada é um sistema do qual todas as partes podem e devem
ser consideradas em sua solidariedade sincrônica. Difere-se, pois, do idioma,
que é um mecanismo criado e ordenado com vistas a exprimir. Daí dizer, como
Saussure, que o essencial da língua é
estranho ao caráter fônico
dos signos lingüísticos
e que a língua/sistema em si mesma é imutável e apenas alguns de seus
elementos são alterados sem atenção à solidariedade que os liga ao todo:
... acima desses diversos órgãos, existe uma faculdade mais geral, a que comanda os signos e que seria a faculdade lingüística por excelência. Para atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumento de que a faculdade – natural ou não – de articular palavras não se exerce senão com ajuda de instrumento criado e fornecido pela coletividade; não é ilusório dizer que é a língua que faz a unidade da linguagem. (Saussure, 1995:18).
Diante
disso, as atuais pesquisas que seguem esse critério de consideração sobre a
linguagem – apresentação # representação, a língua – sistema # gramática,
e o idioma – instrumento criado pela coletividade adotam os termos
estrutura/lista/nte referindo-se ao sistema, à relação, e diferindo-se do
termo mecanicista, comportamentalista, gramaticista e outros, que sugerem o
mesmo duas vezes, o repetitivo, o siga o
exemplo. Língua é a estrutura, o sistema. Idioma é o instrumento criado
pela coletividade. Não há sujeito sem língua. Isso o deixaria em uma condição
de animal, não de sujeito. A língua não se adquire, é intrínseca ao
sujeito, ser de linguagem. O idioma só pode ser adquirido, aprendido e
ensinado. A condição única para que haja uma aquisição do espanhol, do
francês, do inglês e de outros idiomas é que o sujeito aprendizante esteja
imerso nesse social da língua, na linguagem, com seus pares.
Enfim,
a analogia feita entre a estrutura que rege os sistemas complexos e os
diferentes estilos de aquisição leva-nos a concluir que para se aprender e
ensinar um idioma resta ao aluno/professor deixar que a zona estável do sistema
seja perturbada e, daí, que os efeitos significativos n/desse processo de
aquisição possam ser gerados. Simples? Ao inverso: muito complexo! Também as
pesquisas atuais devem interessar-se por pensar essa estrutura, a formação em
Letras – línguas estrangeiras.
Referências
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Autonomia em um modelo fractal de aquisição
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