UMA REFLEXÃO SOBRE OS SENTIDOS DO ENSINO DA FILOSOFIA NA ESCOLA
Se procurarmos
nos dicionários os diversos significados da palavra sentido, conseguiremos
nos orientar para esta discussão sobre os sentidos da Filosofia na escola. Por
um lado o termo “sentido” pode denotar campo de abrangência, significação
- o que remonta à origem. Por outro lado o termo “sentido” pode indicar
direção, rumo, norte o que remonta à finalidade. Com o primeiro identificamos
a didática teórica - aquela que reflete sobre o ensino da Filosofia.
Com o segundo identificamos a didática prática - aquela que aponta para as
escolhas que temos que fazer para ensinar filosofia. Falemos um pouco
sobre ambas
1) Didática teórica: sobre o ensino da Filosofia.
Segundo
nosso entendimento teorizar didaticamente sobre a filosofia significa teorizar
sobre as questões que surgem na e da prática do ensino da Filosofia, de forma
a aprofunda-las com rigor e radicalidade tendo em vista a ampliação dos seus
horizontes de possibilidades. Como tal, esta didática teórica deve funcionar
como um eixo aglutinador capaz de articular e explicar todas as questões filosóficas,
pedagógicas, psicológicas, sociológicas, históricas e políticas que estão
implícitas muitas vezes de forma latente e inconsciente em nossa prática. Não
queremos com isto condicionar a qualidade de nossa experiência pedagógica a
uma reflexão teórica externa à ela. Pelo contrário, o que estamos
enfatizando é a necessidade de que tal reflexão ocorra no interior e
simultaneamente á nossa prática. Consideramos então que o grau de teorização
sobre a prática é condição necessária para que nos tornemos melhores
professores, mas não é condição suficiente. Como afirma A.M. Wuensch (num
trabalho apresentado no II Fórum de Filosofia do Centro-Oeste em Junho de 2002
nas Universidades Católica e Federal de Goiás), “a nossa prática melhora
com a nossa prática que melhora, isto é, que diversifica, que ousa
experimentar, que avalia, que se compromete. A didática teórica nos torna mais
avisados, compreendendo melhor aquilo que fazemos.”
Consideramos que
nossa prática de ensino da filosofia será uma escolha e uma experiência tanto
mais aberta a novas e enriquecedoras perspectivas quanto mais atenta às questões
relativas à sua origem, quanto mais comprometida com a apreensão do seu
sentido e dos princípios que a regem.
Desta forma elencamos duas questões centrais e daí deveríamos algumas outras. A primeira questão trata do caráter filosófico do ensino da filosofia - sua dimensão problemática. Desta primeira questão podemos derivar os seguintes: acerca da definição da filosofia; acerca da ensinabilidade da filosofia; da apreensibilidade da filosofia; dos significados de aprender e ensinar; da identidade dos professores de filosofia; da definição dos conteúdos; atitudes e/ou habilidades filosóficas; das relações possíveis entre a filosofia e a educação; das relações possíveis entre o ensino da filosofia, a história desse ensino e a própria história da filosofia e suas áreas de investigação; das relações possíveis entre a filosofia e a cidadania. A segunda questão trata da possibilidade ou não de se ensinar a ensinar filosofia ou seja, como e em que medida o ensinar a ensinar filosofia se inscreve numa ordem de transmissibilidade.
2) Didática prática: para o ensino da Filosofia.
Estar no âmbito
da prática do ensino da filosofia significa nos depararmos o tempo todo com a
necessidade de fazermos escolhas. Donde a importância de que nossa prática
seja uma síntese entre nossa experiência e nossa reflexão da, na e sobre tal experiência e se converta em práxis.
Para tanto
enumeramos um rol de questões que devemos nos colocar para nos localizarmos no
âmbito da práxis: a) Em que medida
nossas questões sobre o ensino da filosofia nos ajuda a compreender a própria
filosofia e a educação escolar?; b) Quais são as principais fontes a que
recorremos para enriquecer nossa prática? c) O que nos dá maior motivação e
gratificação e o que mais nos angústia?; d) Que concepção de avaliação
subjaz nossa auto-avaliação, nossa avaliação dos alunos e nossa avaliação
do ensino de filosofia?; e) O que estamos fazendo quando ensinamos filosofia,
afinal? A esta última questão subjazem várias outras de caráter estratégico,
metodológico e procedimental que procuraremos desenvolver a seguir:
2.1)
O que objetivamos com o ensino da filosofia nos Ensinos Fundamenta e Médio?
Um ensino de
filosofia que não obstante reconheça a importância da instrução e da erudição
sobretudo para a formação do filósofo profissional, priorize o
desenvolvimento de capacidades formais (problematizar, conceitualizar,
argumentar, explicar, confrontar, classificar) tão necessárias ao pensamento
antônomo e à capacidade deliberativa de um cidadão de verdade numa democracia
de verdade. Para tanto se devem trabalhar particularmente as áreas da compreensão,
análise e solução de problemas através de um método de aprendizagem
denominado “comunidade de investigação filosófica”. Potencializar as
habilidades e capacidades de aprendizagem quer dizer fazer com que o aluno se
torne mais capaz de: compreender e interpretar um texto escrito ou argumento
verbal; expressar-se com clareza e precisão; distinguir o que é essencial do
que é circunstancial; saber reunir e utilizar informação; resolver problemas;
ser crítico, criativo e cuidadoso.
O processo de
compreensão tanto da vida pessoal quanto escolar passa simultaneamente pela
multiplicação dos conhecimentos e pela construção do sentido e do
significado do viver e do aprender.
A
experiência vivida e compreendida se converte em poderosa ferramenta para
lidarmos com novas situações e experiências. Porém, quando queremos aplicar
estes princípios na escola nos encontramos com determinados significados não
ensináveis: aqueles que terão que ser constituídos por cada um. Vem daí o
nosso maior desafio: criar condições que permitam aos jovens lidar eles mesmos
com as chaves que lhes possibilitam interpretar a realidade para atribuir-lhe
sentido. Temos que lhes ensinar a pensar por si mesmos porque pensar é a
atividade que permite captar os significados e reconstitui-los.
É
sabido que o pensamento se expressa na linguagem. Isto torna muitíssimo plausível
a idéia de que aprender a falar, a pensar e a raciocinar são atividades
estreitamente ligadas entre si.
Com base nesta idéia
a proposta da Filosofia nos Ensinos Fundamental e Médio pretende potencializar
as habilidades formais básicas da comunicação e expressão (escutar, falar,
ler e escrever), assim como as habilidades mentais que a elas subjazem
(capacidade de raciocinar e julgar.)
Poucas vêzes nos
damos conta da íntima relação existente entre ler, falar e escrever.
Avaliando o processo natural de aquisição da linguagem poderíamos assim
estabelecer uma ordem de prioridade pedagógica: escutar, falar; ler e escrever.
No entanto nas
escolas esta ordem de prioridade se inverte e o mais importante passa a ser:
escrever, ler, falar e por último escutar.
Entendemos que a
capacidade de compreensão está ligada à escuta e à leitura assim como a
capacidade de expressão está ligada à fala e à escrita donde a equivalência
entre: escutar e ler ; falar e escrever.
A
proposta da Filosofia no Ensino Fundamental visa reforçar basicamente as
habilidades da escuta e da fala para que ,de forma interdisciplinar, as
habilidades da leitura e da escrita sejam aperfeiçoadas.
- Adesão/acordo
-
Defesa/desacordo
- Previsão -
Interpretação
- Crítica(avaliação)
Habilidades/atitudes específicas subjacentes à fala:
- Liberdade de
expressão
-
Reconhecimento do outro (respeito ao ponto de vista diverso do meu)
- Intercompreensão
-
Participação (confiança)
- Interação
(construção coletiva)
Diálogo Autêntico
2.2)
Que conteúdos e materiais selecionamos e que recursos
utilizamos e por que?
Aqui cabe a difícil
decisão do que incluir e do que deixar de fora do currículo filosófico nos
Ensino Fundamental e Médio. Que viés priorizar? O historiográfico ou o temático?
Desta escolha decorrerá a escolha dos materiais assim como o tratamento a eles
dispensado: ou a leitura exegética e por vezes doutrinária dos textos dos filósofos
orientada pelos tradicionais manuais de filosofia ou a exposição performática
do professor ou uma leitura filosófica (sempre investigativa e questionadora)
de textos dos filósofos ou não (literários, jornalísticos, propagandísticos,
poéticos, cinematográficos, etc.).
2.3) Que procedimentos adotar e porque?
Não queremos
levar aos nossos alunos uma filosofia pronta, dentro de moldes
estritamente tradicionais, nos quais o professor teoriza, os alunos ouvem a
respeito e, no máximo, apresentam
seminários. Essas informações podem ser encontradas em livros e, em nossa
opinião, não representam a contribuição mais importante que a filosofia pode
dar nos jovens em formação. Queremos faze-los filosofar com coerência,
consistência e rigor a respeito de temas que lhes sejam significativos e que os
grandes filósofos, antigos e modernos, já filosofaram e/ou filosofam. Queremos
uma aula de filosofia que parta da vivência dos alunos e que os leve a pensarem. Precisamos que
o pensar seja uma prática.
Acreditamos que tanto mais aprimorada se tornará tal prática quanto mais dialógica
ela for.
2.4) Quem são os nossos alunos e como os avaliamos?
A integração
efetiva da filosofia ao currículo escolar só se dará a medida que ela se
identificar com o público a quem ela irá se dirigir e à medida que as questões
por ela tratadas os ajude a se compreenderem melhor e ao mundo que os cerca.
Neste contexto só faz sentido numa avaliação que leve em conta o caráter
processual de tal formação.
2.5) Que idéia de filosofia está implícita em nosso prática?
Consideramos, com
Wittgenstein, que a filosofia não é uma doutrina, mas sim uma atividade.
Defendemos sua inclusão no currículo escolar enquanto prática que não pode
ser ensinada como um corpo pronto e acabado de saber ou como técnica aplicada,
mas que pode ser apreendida a medida que praticada coletiva e dialogicamente na
escola.
A Filosofia,
vivenciada de maneira dialógica e problematizante, cria em sala de aula
“comunidades de investigação filosófica” que dentro de visão da
sociologia, nada mais é do que exercícios de discussão e convívio democráticos.
É uma oportunidade que o aluno tem de exercitar a cidadania, construindo com
seu grupo, suas regras e concretizando, com ele, relações interpessoais
maduras e pautadas em valores éticos universais que contemplam o direito à
diferença, a tolerância, o respeito às liberdades civis, porém não apenas
como doutrina inerte que consta nos manuais de civismo, mas como idéias
experienciadas pelo trabalho concreto da reflexão filosófica compartilhada em
sala de aula.
Este é o ideal
que deveria balizar o trabalho do Filosofia nos Ensino Fundamental e Médio
tanto como disciplina “oficial” do currículo escolar quanto como disciplina
“extra-oficial” ou seja de forma interdisciplinar ou como conteúdo
transversal.
O trabalho
“oficial” da Filosofia, como disciplina, estaria voltado para ela mesma,
isto é, para aulas de conteúdo filosófico, em que a meta final do professor
seria a de desenvolver em seus alunos, a partir do debate, habilidades de
pensamento imprescindíveis para a produção do conhecimento, a aquisição de
poder argumentativo, a formulação e observância às regras, o estabelecimento
de relações sociais sadias e a apreciação do mundo- ou seja, capacidade para
lidar com as dimensões ética, epistemológica, lógica, estética e política
da vida humana.
A parte
“extra-oficial” refere-se à capacidade que a filosofia tem de interligar as
demais disciplinas e interferir na proposta pedagógica da escola como um todo,
já que, se por um lado todas as disciplinas têm possibilidade de realizar
reflexões sobre a construção de seus conhecimentos, a filosofia, por sua vez,
tem a capacidade de mostrar onde começa e por onde passa essa reflexão.
TEMA:
“ACERCA DA JUSTIÇA E DA INJUSTIÇA”
- OBJETIVOS:
Colocar
em discussão e exame nossas noções sobre a justiça e a injustiça e seu
reflexo no nosso comportamento ético no cotidiano.
- RECURSOS E CONTEÚDO:
a)
Lenda “O Anel de Giges”
contada por Trasímaco no Livro II na República de Platão.
b)
Música - Hati (Caetano Veloso e G.Gil CD: Tropicália 2).
c)
Transparências de reproduções de vários artistas plásticos (Matisse,
Escher, Magritte).
Em
todos os momentos da oficina será dada ênfase ao método dialógico. O
professor/coordenador se colocará como um facilitador/mediador do debate filosófico
que se seguirá às dinâmicas introdutórias (Música e transparências - relação
entre ambas) e à leitura compartilhada da lenda “O Anel de Giges”.
O
debate simulará um tribunal de júri em que a turma dividida em 2 grupos
apresentará os argumentos em defesa de Giges e os argumentos contra
Giges, respectivamente.
Também
a conclusão da oficina privilegiará o método dialógico e a avaliação
processual assim como o raciocínio analógico: se apresentarão aos alunos
figuras de casais dançando tango e se pedirá que façam uma associação entre
uma das figuras e o “ritmo do debate”.
-PÚBLICO ALVO: Alunos de 7ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental e Ensino Médio.
- OFICINA: realizada experimentalmente no Colégio Sigma
(7ª série), como parte do “Projeto de Estágio” dos alunos de Didática e
Prática do ensino da filosofia I da UCG sob a supervisão da professora Fabiana
Rassi.
-COORDENAÇÃO DOS ALUNOS ESTAGIÁRIOS:
Renato Oliveira
Neide C. de
Moraes Borges.
Nerjana Zorzetti.
- SUPERVISÃO: Fabiana
Rassi
-TEXTO DA LENDA:
-FALAS DOS ALUNOS:
TEMA:
“DEFICIENTES? QUEM?
-
OBJETIVOS:
Examinar coletivamente a visão mais corriqueira que temos a
respeito da deficiência física e dos deficientes. Promover a superação da
posição mais comum que oscila entre a piedade paternalista e a exclusão -
ambas formas de discriminação.
- RECURSOS E CONTEÚDO:
a)
Dinâmica vivencial: O Naufrágio
b)
Trechos do filme: “Sempre Amigos” (The Mighty - EUA - 1998 - Direção:
Peter Chelson - com: Kieran Culkin, Elder Henson, Sharon Stone, etc - Miramax).
Drama que trata da amizade entre dois meninos -, um com grave doença
degenerativa muscular e grande inteligência,
outro com muita força física e inteligência limítrofe -, ambos com
grande sensibilidade. Os dois se completam e se ajudam seja no mundo de fantasia
(repleto de cavaleiros e heróis) que criam, seja na vida real.
c)
Trechos de entrevista concedida por José Saramago no documentário brasileiro
intitulado “Janela da Alma” - (2001 - Direção; Walter Carvalho) que trata
do “olhar”, da constituição da subjetividade de várias pessoas que
possuem variados tipos e graus de deficiência visual.
d)
Figuras de olhares - várias expressões.
- METODOLOGIA:
A oficina tem início com a dinâmica “o Naufrágio”
que consiste em promover junto aos alunos a experiência simulada de um naufrágio
em que cada dupla tem que se ajudar para conseguir se salvar, visto que cada
membro da dupla possui deficiência visual (tapa-olhos) e dos membros superiores
(braços atados).
Posterior debate sobre a experiência. Na seqüência
são mostrados trechos pré-selecionados do filme “Sempre Amigos” e trechos
transcritos da entrevista com Saramago, com vistas a enriquecer a discussão.
A conclusão da oficina também enfatizará a importância
da avaliação processual e dialógica: Se apresentarão aos alunos figuras
contendo várias “expressões de olhares” e se lhes pedirá que relacionem
com a “mudança de olhar” que ocorreu com eles após a oficina.
- PÚBLICO -
ALVO:
Ensino Médio
(1º e 2 anos)
-
OFICINA
realizada no Colégio Estadual S, Maria Jesus, como parte do “Projeto de Estágio”
dos alunos de Didática e Prática do Ensino de Filosofia I da UCG sob a
supervisão da Professora Fabiana Rassi.
- COORDENAÇÃO
DOS ALUNOS ESTAGIÁRIOS: Elizabeth Rodrigues Duarte
Sonia
Maria de Oliveira
Tatiane
Borges
- SUPERVISÃO:
- TRECHOS DA
ENTREVISTA DE J. SARAMAGO:
- FALAS DOS ALUNOS: