A LEITURA COMO UM LUGAR
DE INTERAÇÃO - RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM O CIRCUITO DO LIVRO.
Profª. Drª. Orlinda M. F. Carrijo Melo (orientadora)
Desde o início do ano letivo de 2003, na FE/UFG, como trabalho inserido no programa de Língua Portuguesa , desenvolvido pela professora Orlinda M. F. Carrijo Melo, a turma C, do terceiro ano de Pedagogia vem desenvolvendo uma prática de leitura de narrativas longas (romances, novelas, peças teatrais), com o propósito de apresentar as experiências individuais com a leitura como forma de prazer, entretenimento, informação e ao mesmo tempo, contribuir para a formação de alunos leitores e escritores. Outro propósito foi dar ao ato individual de ler um caráter dialógico na dimensão do outro leitor, com o qual partilha a leitura realizada individualmente. Entendemos que os futuros professores, para incentivarem os seus alunos a uma prática de leitura, terão eles de serem primeiro leitores. E ainda se perceberem como autores no momento em que partilham com outros a sua visão da obra literária.
Passaremos a expor, rapidamente, a nossa experiência com essa modalidade de incentivo à leitura. A primeira tarefa da turma foi no sentido de mobilizar-se para formar uma biblioteca com exemplares variados de livros literários. Cada aluno emprestou um ou mais livros, o que proporcionou, ao final de uma semana, um acervo de cento e trinta livros, reunidos pelos trinta alunos da turma . Os livros foram guardados em um armário, dentro da própria sala de aula. O passo seguinte foi formar uma comissão de três alunos que se responsabilizou pelo empréstimo dos livros aos demais alunos da turma e passaram também, a controlar a entrada e saída dos livros emprestados. Para controle dos empréstimos, os livros foram registrados em um caderno ata e numerados. O cadastro dos livros foi feito catalogando-os, em seqüência numérica, de acordo com a sua chegada, pela primeira vez no circuito, no caderno tipo ata. Cada folha do caderno destinou-se ao registro de um livro, posteriormente, nesta mesma folha foram anotados os empréstimos, com suas datas e as devoluções também com as datas. Cada aluno, quando devolveu o livro retirado, recebeu um comprovante de devolução contendo seu nome, o número do livro e a data da devolução, para sua garantia futura.
Terminada a fase de organização, passamos à prática oral de resenhas dos livros lidos pelos alunos. Nos dias das aulas de Língua Portuguesa eram reservados de quinze a vinte minutos para a apresentação das resenhas e observações sobre as leituras. As apresentações eram coordenadas pelos mesmos alunos que cuidavam dos empréstimos dos livros. A professora de Língua Portuguesa encarregava-se de fazer algumas observações, mas outras também eram feitas pelos próprios alunos, procurando tornar cada vez mais objetivas e claras as resenhas expostas pelos colegas. O trabalho da professora também consistia em fazer sugestões para tornar mais atraentes as exposições orais feitas pelos alunos. Cada aluno deveria realizar no mínimo três resenhas durante o semestre. Pelas resenhas orais partilhadas com a turma o aluno recebia um ponto em uma das notas bimestrais. Não havia obrigatoriedade para a apresentação de resenhas e não se retirava pontos de quem não as fazia. O controle do número de resenhas expostas por cada aluno também foi feito pela comissão que cuidou dos empréstimos, o que nos permite concluir que a organização desse trabalho foi muito simples e não houve dificuldade alguma em administra-lo na sala de aula.
A proposta de ensino da Língua Portuguesa foi desenvolvida pela professora Orlinda Carrijo, sempre no sentido de garantir à linguagem o seu papel de mediadora de interações humanas, com sujeitos trabalhando dialogicamente durante todo o processo. Coerente com a visão de que a língua é o lugar, por excelência, onde se produzem enunciações, a aula de Língua Portuguesa também se prestou, dentre outros papéis ligados ao estudo das linguagens, ao de destinar um espaço para a apreciação das leituras e para as discussões em torno dos temas lidos. Isso, de fato, privilegiou o espaço de produção de enunciações.Um aspecto importante desse trabalho foi o de que alunos de um curso noturno conseguiram ler em média mais três livros em cada semestre. Acentuando que os livros lidos não tratavam diretamente dos conteúdos que compõem o currículo de Língua Portuguesa e nem de outras diciplinas.
Um outro aspecto importante, nessa prática de leitura, foi a apresentação oral das resenhas, para toda a turma do terceiro ano C, dentro do horário de aulas de Língua Portuguesa, criando, assim, a possibilidade de diálogo acerca dos temas tratados e acerca de suas múltiplas interpretações. Dentro de uma perspectiva que concebe o caráter da “linguagem como um lugar de interação”(Fonseca e Geraldi:1983;95) , as discussões em sala de aula tiveram esse propósito, buscando-se criticar a leitura sem sentido e significado. Crítica essa dirigida àqueles que buscam no Subjetivismo Idealistas razões para defender uma "enunciação monológica" (Souza:2003; 97), sem interação com o outro. Também criticou-se os que reduzem a língua a um sistema abstrato de formas fixas, imutáveis, que não permite a apreensão do caráter polissêmico e polifônico da língua real, tão ao gosto do Objetivismo Abstrato.
Não separamos a língua da fala individual, “como fazem os Objetivistas Abstratos” (Melo:2002;2), mas também não a sacralizamos, como um ato de criação individual separando vida interior e vida exterior, como o fazem o subjetivistas idealistas. Antes de tudo, assumimos a concepção de linguagem, em qualquer de suas expressões, carregada de significação ideológica, o que nos remete a Bakthin(1986), que enfatiza, “ O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto”, e ela é criada e recriada nos atos de comunicação, num processo dialógico. "Para Bakhtin, a separação da linguagem do seu conteúdo ideológico ou vivencial constitui um dos erros mais grosseiros..." (Souza:2003; 98),
Portanto foram de fundamental importância as discussões das leituras realizadas durante o circuito do livro. Pois assim essa linguagem serve de elo entre o pensamento do autor e a reconstrução feita pelos leitores ao recriarem sua obra, no momento em que expõem a sua compreensão da leitura, nesse sentido os alunos tornaram-se, uns mais outros menos, interlocutores, falando, lendo, escrevendo e refletindo sobre a linguagem em suas múltiplas manifestações concretas.
FONSECA,
Maria NiLma Goes da, e
GERALDI, João Wanderley.O circuito do livro na Escola.
Boletim informativo da FNLIJ,vol. 15,nº65 ,p.121-131, dez./83.
SOUZA,
Solange Jobim. Infância e linguagem. Campinas,SP: Papiros,1994.
MELO,
Orlinda M. de F. Carrijo, Algumas
anotações sobre Bakhtin (digitado). Texto apresentado no Seminário de
Alfabetização e Linguagem.
VYGOTSKY
,L.S.. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1998
GARNER , Catherine e outros. Após
Vygotsky e Piaget. Perspectivas social e construtivista escolas russa e
ocidental. Porto Alegre: Artes Médicas,1991.