PRÁTICA DE ENSINO NO CURSO DE PEDAGOGIA: UM ESPAÇO DE POSSIBILIDADES FRENTE OS DESAFIOS EDUCACIONAIS DA ATUALIDADE

 

Edi Silva Pires*

Valéria de Fátima Queiroz*

 

A Prática de Ensino[1] visa propiciar momentos articuladores entre os estudos teóricos do Curso de Pedagogia e a docência vivenciada nas escolas. É um espaço de discussão sobre a prática concreta inserida numa efetiva reflexão da ação e sobre a ação capaz de suscitar novas possibilidades que se materializam em forma de propostas de superação de práticas em descompasso com as exigências do mundo atual. Isso exige constante reflexão e espírito investigativo haja vista complexa realidade na sala de aula e da escola. 

Para organização do trabalho pedagógico com os alunos de Prática de Ensino, elegemos o registro reflexivo diário e sistemático, onde as alunas registram e analisam todas as cenas que compõem a complexidade da docência. 

Este trabalho tem como objetivos:

-          Articular conhecimentos das diferentes áreas do conhecimento na organização do trabalho pedagógico, com vistas à concretização de uma práxis comprometida com a transformação da sociedade.

-         Analisar e identificar os processos pedagógicos que se desenvolvem na prática social concreta que ocorrem nas instituições escolares.

-         Conhecer o processo de trabalho pedagógico que acontece nas instituições escolares e as condições de desenvolvimento da criança de 1ª a 4ª série.

-         Propiciar o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas.

-         Vivenciar o trabalho coletivo e interdisciplinar como espaço possível de construção de saberes e conhecimentos relativos à educação.

-         Investir na formação do professor reflexivo.

-         Propor ações pedagógicas que superem práticas em descompasso com as exigências do mundo atual.

Diante de tais objetivos, temos a clareza de que é um trabalho que se encontra em construção diária, pois os atores do processo estão em pleno desenvolvimento de habilidades para escrita reflexiva e sistemática do que vivenciam. Algo que para muitos, pode parecer superado, por se tratar de um curso de graduação, onde os alunos estão sempre sendo trabalhados para tal. Mas no cotidiano da sala de aula, estamos constantemente verificando o quanto essas concepções estão equivocadas, pois nossos alunos ainda estão em processo de aquisição da postura investigativa que propomos, como profissionais que vêm-se constituindo dia a dia nas nossas salas de aula e sob nossa responsabilidade. Sabemos que uma atitude de reflexão, investigação, transformação não é algo novo, não é uma proposta recente, mas a entendemos como uma grande necessidade atual do professor que estamos a formar e que estamos a ser e, por isso, nos propomos a, juntos, desbravarmos essas dificuldades, a “atrevidamente” escrevermos, refletirmos, pensarmos e pesquisarmos o “que-fazer” pedagógico das nossas salas de aula de hoje, para construirmos novos saberes, aprendermos juntos, professores e alunos... Construindo nossos caminhos caminhando, passo a passo...

            Nossa proposta para a Prática de Ensino, apresenta como momentos a serem vivenciados:

  1. Imersão na realidade/ Elaboração de projeto

O estágio começa com a imersão dos alunos em Instituições escolares do município. É o momento de conhecer e refletir sobre as condições de trabalho da rede, as práticas pedagógicas e a formação do professor. O estagiário deverá passar por todas as séries e estar atento ao que observa, pois esse é o momento de identificar ações que estejam em desacordo com as discussões atuais em educação para posteriormente apresentar propostas que possibilitem supera-las. As intervenções que serão realizadas devem superar ações que estão em desacordo com as discussões atuais em educação. Buscar a articulação dos saberes adquiridos nas diferentes áreas ou disciplinas, como forma de transformar a realidade e diminuir os descompassos observados.

Certos de que cada vivência é singular e de que cada instante conforma uma iniciação que se abre a um desejo que se faz novo, ousamos fazer uma provocação aos alunos, no sentido de que levantem dificuldades, vejam o implícito e o velado, façam um diagnóstico da realidade em que estão imersos e apresentem propostas de intervenção. Aqui, parafraseamos Picasso que, quando questionado sobre a fonte de sua inspiração respondeu: - “Eu não procuro, acho”. A proposta é de que apontem possibilidades de mudanças significativas para os protagonistas desse processo de ensino/aprendizagem.

Como a experiência vem ocorrendo desde o início do ano letivo de 2003, muitos resultados já vêm se materializando em forma de Projetos. Significativos para todos os que se envolvem, um espaço de verdadeira aprendizagem...

Neste momento lançamos mão, como já mencionamos, do Diário Reflexivo, como registro sistemático das situações acima, o que não foi nada fácil, no que diz respeito ao registro escrito, pois como já dissemos, essa é uma habilidade em construção por parte de todos, e, portanto encarado como um dificultador por parte dos alunos que dizem. Por exemplo, uma aluna do 3º ano de Pedagogia disse: “Professora, peça para eu falar, que falo tudo direitinho, mas na hora de escrever me confundo toda...”( numa conversa em sala de aula acerca do trabalho em desenvolvimento, 2003)  .  

Cientes das dificuldades procuramos dar o maior número de orientações necessárias para a construção desse registro reflexivo sistemático e diário, em forma de textos, debates, encontros presenciais, troca de experiências nos encontros semanais de sala de aula, etc.

Na experiência realizada até então, após análise dos textos reflexivos, produzidos individualmente, constatamos as dificuldades enfrentadas pelos alunos na escrita dos mesmos, mapeamos, destacamos os aspectos que mereciam redimensionamento e reunimos o grupo de alunos para tratar de tais aspectos e retomar o que fosse preciso, pois entendemos que esse trabalho configura-se num instrumento de avaliação, diagnóstico e investigação didática, para orientar qualitativamente a organização do nosso trabalho pedagógico, como professoras de Prática de Ensino. Escrever, nessa perspectiva, é uma aventura,  um grande desafio,

 em que a prática é iluminada e conduzida pela teoria, assim para que haja alunos pesquisantes, escreventes é necessário que haja rupturas, que se faça uma pedagogia inventiva, criativa, acolhedora das diferenças e das peculiaridades, onde o olhar de cada um inaugura o mundo a cada instante, como assinala Deconto (2003). Tudo isso é um arrebatador desafio para os profissionais da educação da atualidade, e aí nos incluímos, pois movimentar o pensamento reflexivo exige ousadias e proposições, razão porque elaboramos um material a partir do que foi citado acima e partimos para a retomada dos objetivos que norteiam o trabalho e, por isso mesmo, é a escrita reflexiva o produto perseguido. O material se constituiu da seguinte forma:

O DIÁRIO REFLEXIVO E SUAS IMPLICAÇÕES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO...

 

Instrumento de Avaliação e Investigação Didática

 

 

- Diagnóstico: possibilita detectar os ganhos e o que falta ser trabalhado na sala de aula;

Formativo:dá pistas sobre como corrigir as falhas e aperfeiçoar cada vez mais o processo; 

 

 

Possibilitar o movimento crítico no espaço de sala de aula:

. Olhar para o aluno como único;

. Aprender a olhar esse aluno;

. Organizar situações de aprendizagem que permitam cada aluno aprender;

. Analisar não só o produto da aprendizagem, mas o seu processo, o que é construído por erros e acertos;

 

- No estágio eu uso o diário reflexivo para registrar as reflexões do processo de aprendizagem?

- Eu uso o diário reflexivo como processo de proposição pedagógica de mudanças e avanços na prática observada?

 

E no estágio, eu uso o Diário Reflexivo com que objetivos?

1. Como as professoras de Prática de Ensino utilizam o Diário Reflexivo...

- É um instrumento que proporciona o planejamento, a organização e continuidade do estágio no sentido de tornar-se cada vez mais significativo;

- É um mecanismo de investigação do trabalho desenvolvido na disciplina, com base na leitura dos diários elaborados;

- Contribui para a organização dos conhecimentos dos alunos;

- Permite o acompanhamento da evolução dos conhecimentos;

- Revelam sentimentos, opiniões e julgamentos dos alunos dos alunos sobre as atividades do estágio, até mesmo em relação à postura do professor;

2. Que reflexões suscitam a partir da leitura dos diários que temos em mãos:

- Quais são as dificuldades encontradas?

- A dificuldade de registro por parte dos alunos se deve a que fatores?

- Há necessidade de fazermos nosso diário reflexivo na disciplina, de modo sistematizado?

- Conseguimos mostrar a importância do diário reflexivo para elaboração do projeto?

- Como podemos ou que atividades podemos propor para superação das dificuldades

 

 Preocupo-me  em registrar...

2.1 Como a criança está desenvolvendo sua aprendizagem?

. Por que ela não aprende?

. Quais são suas dificuldades?

.Por que a criança comete determinados erros?

. Como trabalhar com o erro da criança?

. Que atividades devem ser propostas para a superação das dificuldades constatadas?

. Como acompanhar o processo, impulsionando o aluno a novas aprendizagens?

Partindo da análise de alguns contextos sugeridos no texto de _______________, as professoras  foram construindo suas análises e âncoras para orientar o trabalho,

 

Episódio nº - 2[2] ... A aprendizagem da aula de hoje só verificarei nos registros de amanhã”.

Esse registro da professora, embora breve, é relevante, pois nos indica que os diários estão fornecendo a ela informações sobre a aprendizagem das crianças. Dessa forma, o diário está sendo utilizado para avaliação da aprendizagem.

 

 

Episódio nº 3[3]... Outro momento interessante foi o treino ortográfico dos “erros” encontrados nos diários. Eles pegavam os diários e iam corrigindo o que achavam pelo caminho. Sem contar as expressões: “xiii!”; “ Ai!” “Essa foi minha”. Foi muito legal.”

 

 

Esse episódio revela que o diário está sendo utilizado pela professora como um instrumento de investigação didática. Ao ler os diários, ela percebe que seus alunos estão com dificuldades em relação à ortografia. A professora, então, seleciona esses “erros” e organiza atividades para que os alunos tenham a oportunidade de corrigi-los. Por sua vez, os alunos, sem traumas por seus “erros”, passam a corrigi-los em seus diários. Parece que esse tipo de atividade deixa a professora satisfeita, pois ela registra em seu diário: “Foi muito legal!”.

Analisemos agora textos escritos por alunos do grupo em atividade:

“Entramos em seguida no mundo mágico da matemática. Sem magia, sem material concreto, sem situações reais e com muitos cálculos...” 10/04/03, 3ª b., 2ª série.

“Começaram a ver matemática resolvendo exercícios de expressões numéricas com adição e subtração e todos resolveram o exercício”. 23/04/03, 3ª série.

Reflexões:

Que caráter de reflexão os textos trazem nos registros anteriores?

Estamos falando do mesmo tema: matemática, quais os aspectos que tornam os registros reflexivos? Há indícios de investigação didática? Em que circunstâncias? Com que objetivo os registros foram utilizados pelos autores? Que considerações o grupo faria diante disso a partir de todo o trabalho que vem sendo desenvolvido? E cada um no grupo, como vem se utilizando desse instrumento em campo? Quais os pontos merecem destaque? Há sugestões

 

 

 

Professoras: Edi Silva Pires

                     

Valéria de Fátima

                      UEG/2003

 

 

 

Concordando com Marques (2003), podemos afirmar que escrever é uma provocação do pensar, um suave deslizar da reflexão e uma verdadeira busca do aprender. Temos a consciência do que um trabalho nesses moldes, pode causar ao profissional em formação, em termos de qualidade pedagógica na sua prática cotidiana com intervenções significativas na aprendizagem de seus alunos. Sabemos que, diante da realidade atual, “não pode haver espaço escolar desconectando desse conflito, dessa efervescência, dessa encruzilhada originalíssima da humanidade”, conforme afirma (Gentille & Alencar, 2001). Em face disso, o trabalho tem apostado na resignificação dos sentidos da educação e da escola

 na qual estamos imersos, pois todos estamos de fato envolvidos e comprometidos com tudo isso e, a cada passo, texto, encontro, avaliação, dificuldade, estamos aprendendo que é preciso que a escola seja um espaço de tudo e de todos e somos parte disso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Desenvolvimento de projeto

Uma vez tendo contato com a realidade e identificado problemas, serão realizadas discussões, em pequenos grupos (por escolas), para definir um objeto de estudo. Será elaborado um projeto de intervenção com vistas a conhecer melhor o problema e/ou superá-lo, se possível. As intervenções serão planejadas de acordo com o objeto de estudo.

            Tais projetos foram desenvolvidos pelos alunos de modo criativo, inventivo, artístico, buscando sanar as dificuldades encontradas durante o contato com a realidade e, em conseqüência, proporcionar mais dignidade àqueles interlocutores, trazendo à tona a voz dos que os cercam nessa trajetória, conforme afirma Marques (2003).

                         

Trabalho de conclusão

É o momento de organizar as informações e dar uma forma ao trabalho realizado no decorrer do estágio. Deve seguir as orientações de um trabalho científico. Abaixo, as orientações para a realização do trabalho.

            Orientações gerais para elaboração do projeto:

O projeto será dividido em três etapas:

-         Elaboração do projeto

-         Implementação

-         Elaboração do texto de conclusão (relatório final)

. Sugere-se, para elaboração do projeto, a seguinte estrutura:

-         Definição da área

-         Definição do tema

-         Justificativa/ referencial teórico/ problematização do tema

-         Questões centrais e objetivos

-         Procedimentos metodológicos

-         Bibliografia básica

-         Cronograma

Para o trabalho de conclusão, a seguinte estrutura pode se utilizada:

-         Capa

-         Folha de rosto

-         Sumário

-         Núcleo do trabalho:

                - Introdução: informa sobre a escola onde o problema foi analisado e a proposta implementada, explica o problema, apresenta os objetivos e justifica a escolha do tema.

                 - Desenvolvimento: revisão bibliográfica, descrição dos procedimentos e análise dos dados.

                  - Conclusão: retomada das questões e/ou objetivos, porque o trabalho foi importante, sugerir estudos futuros, fechar o assunto.

                  - Anexos (planejamentos e material das intervenções etc)

                  - Bibliografia

 

Todo trabalho realizado pelo estagiário a ser colocado na pasta deve ser digitado (folha A4, fonte Times New Roman ou Arial nº 12). Rascunhos podem ser entregues antes do prazo final para análise e orientação.

            “Aventureiros em busca do saber” é o que nos tornamos... Estamos realmente no caminho certo? Não temos uma única resposta. É o melhor que podemos fazer? Não sabemos, mas temos uma certeza, que, parafraseando Rubem Alves, nos permitimos anunciar: é necessário seduzir o aprendente para que deseje e desejando aprenda... E é isso que buscamos. O depoimento confirma que essa sedução é fundamental:

 

 “Compreendo a Prática de Ensino como um marco em meus estudos. Percebi um grande     crescimento, pois comecei a fazer este curso com o maior “medo” do estágio. Realmente é um processo doloroso pois depende de disposição para enfrentar o “desafio”. Quando termina este período você tem um grande alívio, mas percebe que houve uma enorme evolução. Hoje sinto-me preparada para enfrentar qualquer desafio em sala de aula. Sinto-me realizada e noto que é muito bom ter chegado até aqui”. (Doraci, 3º ano de Pedagogia de 2003).

 

 

 

            Assumir a educação como ousadia é o que propomos, seria utópico demais? Que seja, assumimos essa utopia, como algo indispensável para construção da fantástica magia do saber, do poder, do ter, do ser, do conquistar e brilhar na possibilidade contagiante de construir uma escola melhor para nossos professores em formação e seus alunos no futuro, e até mesmo no hoje, fazendo da escola um espaço privilegiado do encontro, do aprendizado, da prática revolucionária, do descortinar de novos e possíveis horizontes, onde o momento da escrita reflexiva se constitui num espaço de interlocução com nós mesmos, com nossos alunos de Prática, com os que estão, de fato, exercendo as práticas que buscamos entender e aprimorar e com todos os atores que nos cercam numa experiência que pode ser a mais rica de todas as que “ousadamente”.

 

BLIBLIOGRAFIA:

 

BIANCHI, Ana Cecília Morais; ALVARENGA, Marina; BIANCHI, Roberto..Manual de orientação – estágio supervisionado. Thomsom Pioneira, RJ, 2002.

 

ESTEBAN,Maria Teresa; ZACCUR, Edwiges (org.). Professora – pesquisadora – uma práxis em construção. Ed. DP&A, RJ, 2002.

 

GENTILI,Pablo; ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de desencanto.Ed. Vozes,Rio de Janeiro,2003.

 

HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho – o conhecimento é um caleidoscópio. Artes Médicas,Porto Alegre,1998.

 

MARLI, André (org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Papirus,SP,1999.

 

Faltando Gentile e Alencar

 

MARQUES, Mario Osório.Escrever é preciso – o princípio da pesquisa.Ed. Unijuí,R.G.S.,2001.

 

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* Professoras de Prática de Ensino (docência) da UEG – Unidade de Formosa

[1] docência

[2] Marli ANDRÉ (org.), Pedagogia das diferenças na sala de aula, p. 36

[3] idem