A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Marlene Barbosa de Freitas Reis*

 

 

Resumo: Este artigo analisa a educação inclusiva no contexto da multiculturalidade. Tece algumas considerações sobre o discurso neoliberal e suas consequências desastrosas para os países menos desenvolvidos: o aumento exacerbado da exclusão social. Coloca em destaque o desafio da Universidade pública na formação do indivíduo enquanto cidadão, respeitando suas diferenças e singularidades.

 

Palavras-chave:  educação inclusiva, universidade, multiculturalidade

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto da investigação voltada para a política educacional dos cursos de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). O mesmo foi idealizado como instrumento de reflexão sobre a missão da Universidade pública brasileira que, historicamente, vem sendo destituída de seu caráter público, traduzindo-se em seletividade e excludência das minorias desfavorecidas deste nível de ensino.

O objetivo central do mesmo foi o de, partindo do estudo e do delineamento da atual política educacional dos cursos de Pedagogia, propor um conjunto de recomendações voltadas, principalmente para a reflexão da mesma, no sentido de viabilizar a elaboração coletiva, implementação e seguimento de uma política de inclusão que venha atender a diversidade no ensino superior.

É inegável que as mudanças expressas na economia mundial neste final de século têm requerido novas formas de reestruturação do capitalismo, o que tem sido demarcada pela internacionalização da economia. Isso tem trazido conseqüências prejudiciais aos países menos desenvolvidos, principalmente na América Latina e Caribe, onde a situação de dependência econômica e cultural é latente. Um dos efeitos da crise que assola esses países menos favorecidos, é o aumento substancial da exclusão social.

 

 Foi justamente refletindo sobre as considerações anteriores, que o problema científico definido centrou-se no seguinte questionamento: em quais aspectos  a política educacional dos cursos de Pedagogia da UEG necessita de mudanças a fim de estimular a incorporação de elementos que  contemplem uma projeção para a educação inclusiva?

O motivo do objeto de observação ser a UEG - deveu-se ao fato da mesma ser uma Instituição de Ensino Superior, regida pelo princípio da gratuidade, sob manutenção e responsabilidade do Estado, premissa básica que visa assegurar o acesso a todos os segmentos sociais ao nível superior.

 A opção pela seleção do curso de Pedagogia deveu-se ao fato de constituir-se num curso “formador de formadores”, o que irá potencializar diretamente o entorno através dos níveis precedentes de ensino, principalmente na educação básica, fortalecendo ainda mais nestes níveis a garantia de implementação de políticas de inclusão social, pois a falta de preparo das escolas brasileiras, especialmente dos professores em lidar com as diferenças é um grave obstáculo para a concretização da Educação Inclusiva nas redes regulares de ensino público. Além de que as políticas  educacionais ainda não estão voltadas para a especificidade de seus alunos, isto é, para a heterogeneidade e para a diversidade.

 

 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A questão metodológica desta pesquisa esteve centrada na abordagem qualitativa, por considerar que seus pressupostos permitem uma criação teórica e prática acerca de uma realidade interativa e histórica. Assim a finalidade desta investigação não foi somente explicar e compreender a realidade educativa da Universidade Estadual de Goiás (UEG) a partir das limitações sociais estruturalmente impostas pelo modelo de sociedade capitalista, mas contribuir com a proposição de elementos que poderão  favorecer a sua alteração promovendo o desenvolvimento de mudanças no sentido de superar o caráter excludente e elitista do Ensino Superior no Brasil. Parte, pois do pressuposto de que um sistema educativo eficiente será aquele capaz de dar educação de qualidade a toda a população, e não apenas a uma minoria privilegiada pelas condições materiais, culturais e sociais. 

Amostra: Este estudo se efetuou com os diretores, coordenadores de curso, secretários, professores e alunos do Curso de Pedagogia das Unidades Universitárias (UnUs) de Inhumas, Itaberaí e Anápolis da Universidade Estadual de Goiás.

Para o processo de construção de dados valeu-se de múltiplas fontes, tais como análise documental e de conteúdo de planilhas da Comissão Central do Vestibular, dos projetos dos Cursos de Pedagogia das três unidades selecionadas, bem como de documentos oficiais que versam sobre educação correlacionada à inclusão;  entrevistas semi-estruturadas com diretores, coordenadores de curso e professores e  questionários semi-abertos aplicados junto aos alunos do curso de Pedagogia das UnUs em foco.

    

A BUSCA DE NOVAS PRÁTICAS

 Entende-se que a polarização extremada entre ricos e pobres é a forma mais cruel de naturalização da segregação  humana, pois uma nação democrática e moderna só se viabiliza quando todos têm direito, de fato ao exercício efetivo da cidadania.

É neste novo paradigma que surge uma política educacional universal  chamada de “Educação para Todos” propagada pela Conferência Mundial de Jomtiem acontecida de 5 a 9 de março de 1990, na  Tailândia,  auspiciada pela UNESCO e cujo objetivo central era o de promover a educação básica ao maior número da  população planetária suprindo as necessidades básicas de aprendizagem até o ano de 2000.

No entanto, convém salientar que viabilizar uma educação de qualidade para todos, em sociedades onde a dependência econômica e cultural é cada vez mais acentuada , torna-se um enorme desafio. Formar o indivíduo capaz de inserir-se  no mundo do trabalho de forma competente e, mais ainda, de saber conviver com grupos muito distintos, respeitando e apoiando suas singularidades, seria o ponto de partida.

A Comissão da UNESCO para a Educação do Século  XXI, presidida por Delors (1998), entendeu que diante dos novos desafios do próximo milênio , torna-se necessário uma nova concepção de educação que proporcione a todos a descoberta e o fortalecimento de seu potencial criativo, e revele o tesouro escondido em cada indivíduo.

A Declaração de Salamanca, documento de suma importância para a Educação especial no mundo, encaminhou diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais para a inclusão de crianças portadoras de deficiências em escolas comuns, sendo essa uma obrigação de todos os governos .

Assim, nasceu a proposta de educação inclusiva sob o seguinte princípio:

... todas as escolas devem acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados. (Declaração de Salamanca, 1994).

Esse foi um movimento mundial de reconhecimento da urgência e necessidade de repensar e mudar a educação, principalmente a educação de crianças, jovens e adultos com “Necessidades Educacionais Especiais” (NEE) dentro de um sistema regular de ensino.

Desta maneira, o conceito de  necessidades educacionais especiais se amplia e passa a incluir, além das crianças portadoras de deficiências, aquelas que estejam experimentando dificuldades temporárias, que repetem  continuamente os anos escolares, que não têm onde morar, que trabalham para ajudar no sustento da família, que sofrem de extrema pobreza, ou que simplesmente, estão fora da escola, por qualquer motivo (Santos, 1997).

É sob esta ótica, numa visão ampliada, que esta pesquisa se apóia, ao considerar como foco de estudo os menos favorecidos economicamente, socialmente e culturalmente, além, evidente, daqueles possuidores de alguma condição biológica que venha dificultar  a convivência nos padrões das condições “chamadas normais”.

A  Declaração de Salamanca menciona os conceitos de :

“inclusão, educação inclusiva, abordagem de educação inclusiva, classes inclusivas, escolas inclusivas, princípios de inclusão, escolaridade inclusiva, políticas educacionais inclusivas, provisão inclusiva às necessidades educacionais especiais, inclusão na educação e no emprego e também sociedade inclusiva” (Sassaki, 1997, p. 118).

E, sem a pretensão de  esgotar outras possibilidades de alusão ao termo, vale destacar o que é educação inclusiva no contexto desta investigação:

É um processo de educação que valoriza a diversidade humana, não nega diferença, mas considera os direitos iguais. É um sistema educacional de qualidade para TODOS, de forma que as necessidades de todos os alunos possam ser satisfeitas dentro de um único sistema inclusivo de educação. (Programa Estadual de Educação para a Diversidade numa Perspectiva inclusiva, 1999).

 A universidade pública, considerada como aquela que pertence à cidadania, regida pela idéia do bem comum e social, deve criar mecanismos para garantir a equidade possibilitando e favorecendo o acesso e proporcionando condições de permanência a todos os segmentos sociais, sem nenhuma forma de discriminação ou exclusão das populações desfavorecidas.

Libâneo (2001, p. 39) expressa que

... a escola contemporânea precisa voltar-se para as novas realidades, ligar-se ao mundo econômico, político e cultural, mas precisa ser um baluarte contra a exclusão social. A luta contra a exclusão social e por uma sociedade justa, uma sociedade que inclua todos passa pela escola e pelo trabalho dos professores (grifo nosso).

Sob tais pressupostos, reconhece a importância da educação superior pública para levar adiante todas as propostas fomentadas no fato de que numa sociedade democrática e multicultural, todos os cidadãos têm direito ao exercício pleno de sua cidadania e têm que ser educados para que conheçam, reconheçam e aceitem as diferenças e não  para ignorá-las, isto é, todos considerando e respeitando a diversidade.

Nesse sentido, uma sociedade democrática e multicultural não pode ser considerada sob a ótica de algo  separado da formação humana, pois sua efetivação é um processo que se constrói, concomitantemente  à medida que se cria a consciência de todos os tipos de direitos: à vida, ao trabalho, à moradia, à saúde, à seguridade e à educação. Para Libâneo (2001), acolher a diversidade é a primeira referência para a luta dos direitos humanos.

Reconhecer a educação como prática socialmente produzida, também incide refletir sobre a docência como  componente fundamental para a organização da escola em busca da construção de   uma escola pública democrática. e de qualidade social.

Nesta concepção, o professor é considerado como um profissional autônomo que reflete criticamente sobre sua prática cotidiana para compreender as soluções  específicas que se apresentam no processo de ensino-aprendizagem e do contexto em que tem lugar o ensino, o que propiciará a autonomia e emancipação dos que participam na tarefa educativa.

Sob essa ótica, “o profissional do ensino, não é um técnico, um especialista, é, antes de mais nada um profissional do humano, do social, do político”, como afirma Gadotti citado por Vasconcelos (2001, p. 31, grifo nosso).

Por isso, considera-se relevante o seguinte questionamento: qual a responsabilidade social do curso de Pedagogia como um curso “formador de formadores”?

 

CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

1)A evidência dos dados na política declarada

 

A primeira documentação analisada foi o Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional da UEG intitulado ”Construindo a UEG de que Goiás precisa,” datado de dezembro de 2000,   por entender que este documento explicita a missão institucional, princípios e valores, finalidades, compromissos e papéis político - institucionais e as diretrizes e ações estratégicas para o quadriênio 2001-2004.

O Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (PEDI)  define diretrizes e bases para garantir o cumprimento da missão institucional da UEG com competência e qualidade acadêmica. Primeiro, por se tratar de um planejamento que procura refletir o projeto coletivo da Universidade,  de estar em consonância  com a legislação em vigor, integrando, desse modo, futuros processos de avaliação e recredenciamento e, ademais, porque prevê as ações a serem realizadas, definindo as necessidades a atender e objetivos a atingir dentro das possibilidades reais da instituição.

Pensada sob essa ótica, planejar o processo educativo significa partir do princípio de que é preciso planejar uma educação que, pelo seu processo dinâmico, possa ser libertadora, conscientizadora e comprometida com o homem diante do seu mundo e de sua realidade existencial.

A) Da Concepção predominante sobre a formulação de uma política de educação inclusiva no Ensino Superior.

O que se pode extrair desta documentação neste aspecto encontra-se assim expressado:

                  “O presente PEDI para o período 2001-2004, objetiva revelar a universidade que Goiás precisa continuar a construir, ou seja, uma universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade acadêmica, afinada com o desenvolvimento estratégico e com as demandas sociais efetivas do Estado” (PEDI, 2000, p.5 grifo nosso).

Embora não apareça de forma mais específica o que aqui se denomina  universidade “inclusiva”, o documento deixa claro como princípios e valores a igualdade de oportunidade no acesso, na participação e na permanência nas atividades de pesquisa e extensão e o “compromisso com a qualidade acadêmica, com a orientação humanística e com preparação para o exercício da cidadania” (PEDI, p. 6).

Considerando que tais delineamentos são claramente identificáveis como uma proposta humanística, pressupõe a existência de um comprometimento afinado com a oferta de uma educação de qualidade para todos.    

 

 B) Impacto provocado pelo conjunto de decisões em relação à educação inclusiva no ensino superior

As Unidades Universitárias funcionam conforme diretrizes da UEG e legislação pertinente. Não foram observadas nos Projetos de Curso as mesmas diretrizes encontradas no PEDI. Portanto, no que se refere à educação inclusiva, pode-se inferir que, em linhas gerais,  estes documentos não se colocam afinados com as mesmas diretrizes traçadas pelo PEDI, muito embora transitem ideais e princípios humanísticos, como pode-se observar num dos objetivos pontuados em um dos Projetos analisados:

Em análise geral, considerando os documentos analisados, verifica-se que os pressupostos filosóficos e epistemológicos contidos nos Projetos de Curso estudados não representam medidas que atendam aos princípios inclusivos.

Diferentemente do que deveria conter, em nenhuma  ementa da organização curricular dos projetos analisados, perpassa a idéia da inclusão.

Constituindo-se num curso “formador de formadores” observa-se uma lacuna na formação profissional e uma desarticulação com a prática pedagógica, o que vem reforçar a dicotomia teoria - prática. Na verdade, a vinculação entre o pensar e o agir perde seu significado tornando inviável a este profissional da educação, uma prática educativa vivenciada na realidade escolar. Primeiro porque no momento do Estágio Supervisionado os futuros professores deparam com situações de aprendizagem nas quais não consegue encontrar solução. Ademais porque atualmente, a inclusão nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental   é uma prática real no Ensino Regular do Estado de Goiás.

Pode-se perceber que o discurso veiculado no PEDI não é assumido nos Projetos de Curso. Porém, essa constatação, permite considerar que a UEG está buscando sua legitimidade enquanto IES pública ao registrar no discurso o compromisso com a busca de uma educação de qualidade social.

2) A evidência dos dados na política real e situação atual

Para efetivar o estudo da dinâmica da  política real, impacto ou  situação atual, considerou-se alguns pontos básicos, como questões-chave para orientar a investigação, por meio de entrevistas e questionários com os envolvidos com a academia.

 

A) Da concepção de educação inclusiva

Há uma unanimidade em relação à concepção ampla do conceito de Educação Inclusiva entre os três diretores entrevistados.

Todos defenderam que é um processo educacional amplo que deve acolher tanto as pessoas portadoras de necessidade especiais (PNE) como as que sofrem de algum tipo de marginalização, dentre elas a mulher, o negro e o pobre.

Para ilustrar, recorta-se a fala do diretor B: “[...] a educação inclusiva é aquela educação que acolhe e mantém os alunos, independentemente de sua capacidade social e da divisão de classes sociais”.

Segundo tais considerações, estima-se que há uma concepção compartilhada  da educação inclusiva em sentido amplo, o que estimula a formulação de uma via que garanta o seu desenvolvimento no ensino superior e  correspondência e afinidade entre a valoração dos dirigentes e do grupo de apoio pedagógico e administrativo.

Assim, as respostas indicam a evidência de uma educação que não privilegie apenas àqueles facilitados pela condições concretas de vida, mas, sobretudo, àqueles que têm sua vida escolar limitada por situações adversas.

Ademais, nas observações e entrevistas ao pessoal dirigente das três unidades investigadas constata-se, com muita clareza, a preocupação em pensar a inclusão hoje como uma “[...] necessidade  e a educação deve atender, permitir e fazer com que nela permaneçam todas as pessoas e todos os cidadãos”. ( fala do diretor A)

As mesmas considerações puderam ser confirmadas entre a maioria dos professores entrevistados.

Vale mencionar que embora a inclusão na educação superior tenha sido considerada com parâmetros diferentes da inclusão na educação fundamental e no ensino médio, ela não perde o seu caráter social. Assim, refletiu o professor A: “[...] na medida em que socializa o saber começa também a partilhar o poder, então é a partir da inclusão que se pode conseguir uma transformação na estrutura social”( Professor).

Do mesmo modo, com a intenção de verificar se esta mesma concepção é compartilhada pelos alunos, foi dirigido a eles o mesmo questionamento. Entretanto, observa-se que as respostas já diferem das do grupo dirigente e dos professores.

Na amostra dos graduandos indagados, a maioria entende por educação inclusiva aquela capaz de atender a diversidade humana, isto é, atender tanto as pessoas PNE como as minorias sócio-econômicas desfavorecidas. Todavia, poucos ainda têm uma concepção restrita aos PNE.

Os resultados aqui obtidos refletem a necessidade de subsidiar com maiores informações e discussões os graduandos, professores em formação, para que possam alinhar aperfeiçoamento profissional como fator de impulsão para as questões político-sociais. Portanto, seria de vital importância fornecer uma pauta de discussões acadêmicas sobre a educação inclusiva para a formulação de um programa de formação do professores.

B) ) Práticas realizadas na realidade institucional e/ou existência de programa para atendimento ao aluno PNE e que favoreça a inclusão

Com base nas informações oferecidas pelo pessoal dirigente durante as entrevistas, pode-se confirmar que a exclusão educacional no Brasil é um fato histórico, como afirma este entrevistado:

 “o nosso modelo educacional brasileiro, a nível superior, não atende a todos os problemas, porque não há vagas para todos que pretendem estudar. Para que haja uma inclusão geral, a qualidade do ensino fundamental e médio não poderia ser deficiente como é, pois a demanda nas universidades federais, estaduais e municipais são a elite brasileira, principalmente nos cursos de maior concorrência. Realmente os alunos da classes pobres estão presentes nos cursos de pequena demanda, como as Licenciaturas. Assim, por mais que tentemos propor uma educação inclusiva, não temos meios para atender esse mercado e com isso, fica a exclusão de uma parcela muito grande do ensino superior público. ( diretor A)

 Este fato remete-se à análise do sistema público de ensino básico e de ensino médio , que, segundo Cassab (2001), é frequentado em sua maioria por jovens oriundos dos segmentos populares, aprofundando ainda mais a segregação social deste grupo, uma vez que as oportunidades de sucesso nos processos seletivos para o ensino superior público, torna-se uma possibilidade remota, pois sua formação intelectual está entregue a um rede pública de ensino que sofreu duramente a falta de investimento do Estado nas políticas públicas.

Ainda em relação à existência de praticas que possibilitem a inclusão , o parecer de um entrevistado reconhece que a UEG, como uma universidade multicampi, propicia a inclusão dos menos favorecidos. Vejamos o que ele descreve:

... “o curso das Licenciaturas Plenas Parceladas existentes na UEG, já é uma prática  de inclusão, pois traz para o ensino superior aquele professor que nunca teria a oportunidade de estar cursando um curso superior, trabalhando em si,  aquela deficiência que teve ao longo de sua vida (Coord. de Curso)

Nesta mesma vertente, um outro entrevistado assim se expressa:

 E além da Parcelada que, talvez seja até um processo inicial de inclusão na universidade pública, a UEG tem a execução de um outro programa, que é o projeto da alfabetização de adultos – o projeto Vaga-Lume – que vem  resgatar a pessoa que não era tida como cidadão e que, embora eram pessoas que produziam e nem por isso eram incluídos nas comunidades. Viviam eternamente excluídos, porque a mulher é um excluída, o índio é um  excluído, o negro é um excluído, o pobre é um excluído e o analfabeto é um excluído. Então estamos procurando mostrar-lhes que a função da UEG, não é apenas com os cursos de graduação, mas também com a formação das pessoas que não tiveram a oportunidade em época anterior e em outras condições de avançar no seu desenvolvimento intelectual”( Professor).   

Outra constatação dos acadêmicos ainda referindo-se à questão da inclusão é que:

                  “.. estas políticas oficializadas existentes na UEG ainda são deficientes, pois nos cursos de formação de professores, o currículo é bastante ultrapassado, não havendo disciplina específica que trate das questões pertinentes a todo o tipo de exclusão e nem projetos elaborados em parceria com os acadêmicos, observando as necessidades e as diversidades no interior da própria instituição. Da mesma forma, uma disciplina específica que tratasse da inclusão, pois assim o acadêmico teria a oportunidade de fazer a relação teoria-prática com os trabalhos de campo, pesquisa e estágio.”(acadêmico).

                  De maneira geral, o discurso do conjunto de dirigentes, professores e acadêmicos converge que a educação inclusiva poderá levar à superação de uma visão simplista da realidade e permitir a formação do cidadão do mundo, pessoas abertas à pluralidade de paradigmas. Reconhecem que isso é um desafio e que a política educacional da UEG tem que se verticalizar para a abertura ao diálogo e à flexibilização de projetos e metodologias que se desencadeiem em práticas inclusivas.

Perguntado sobre o conhecimento de experiências em outras IES de políticas que favorecem a inclusão – um dos objetivos específicos deste estudo, verificou-se que nenhum dos entrevistados do grupo dirigente, professores e acadêmicos respondeu de forma afirmativa, como pode ser identificado na seguinte fala de um diretor: “Acho que você não irá encontrar esse registro em nenhuma faculdade, até porque essa questão da inclusão é uma discussão recente.” (Diretor) 

Os resultados das buscas de políticas que favorecem a inclusão revelaram que no Estado de Goiás ainda não existe, em termos de política declarada, uma política voltada para a perspectiva da inclusão nas IES, o que corrobora a discussão e a reflexão sobre o assunto abordado neste estudo.

C) Opinião valorativa acerca de uma política de inclusão no ensino superior

Vale registrar que o vetor que norteia este estudo é o da igualdade de oportunidades. Nesse sentido, buscou contemplar as possibilidades de se  considerar a inclusão como mecanismo de luta pela igualdade de oportunidades no ensino superior público. Para tanto, conhecer a opinião valorativa e examinar a subjetividade dos pesquisados para apontar caminhos para essa reflexão, foi um elemento substancial para este estudo.

A grande maioria dos entrevistados foram unânimes em acreditar que a educação inclusiva hoje, é um mecanismo que deve favorecer a inclusão de quaisquer segmentos sociais no sistema escolar. O discurso seguinte revela:

 “Eu entendo que a inclusão hoje é necessária e a educação superior não pode se negar à reflexão sobre os três eixos da educação, que é a educação como direito do cidadão, a educação como fator de desenvolvimento econômico e social e a educação como meio de combate à pobreza, então dificilmente a gente não veria a educação superior como um fator de inclusão”(diretor).

Em relação ao Curso de Pedagogia, dada a sua importância na formação de educadores para a escolarização básica, no vínculo que estabelece nas relações institucionalizadas entre as diferentes classes sociais e do impacto que causa nos níveis precedentes do ensino, foi pontuado por um entrevistado que ele é o suporte para a educação inclusiva e para se trabalhar as questões do respeito à diversidade:

“ Os currículos dos cursos de Licenciatura e consequentemente nos cursos de formação de professores devem fazer o intercâmbio para o aluno estar discutindo a diversidade, porque na verdade, nós, formadores, perguntamos e  questionamos até que ponto esses professores egressos do curso de Pedagogia estarão trabalhando esse social, esse cultural lá no seu ambiente de trabalho. Como eles poderão estar modificando esse social?” (professor).

As tentativas de se pensar o curso de Pedagogia como um caminho de “recuperação da humanidade que foi roubada dos oprimidos”, como nos lembra Freire (1987), faz parte, necessária e intrínseca, de uma realidade que não pode ser tomada como pronta ou acabada, mas uma realidade que se faz no cotidiano como um projeto pensado como alternativa para que o futuro professor entenda que é preciso pesquisar e elaborar propostas de solução e/ou alternativas para mudanças. É, sobretudo, comprometendo-se como construtor de uma práxis que este profissional se forma: para influir sobre o meio em que vão atuar, numa perspectiva de mudança, a partir de uma visão crítica da realidade.

É certo que não será possível transformar tal realidade de forma imediata como num passe de mágica, entretanto é preciso questionar que alternativas podem ser construídas na direção deste futuro? Que estratégias podem ser formuladas no sentido de constituir uma “política que promova a equidade e que atenda aqueles que se encontram em uma situação de desvantagem ( pobres, analfabetos, crianças, desempregados; em suma, excluídos)?”  (GENTILI, 2001).

Assim sendo, é real a emergência de um paradigma no qual a diferença seja um mecanismo de construção e não a desculpa para aprofundar ainda mais as desigualdades sociais, econômicas e políticas. É na escola democrática, na universidade democrática e aberta que se construirá a pedagogia da esperança, antídoto limitado ainda que necessário contra a pedagogia da exclusão que nos impõem de cima, e que, vítimas do desencanto acabamos reproduzindo desde baixo, como muito bem nos lembra Gentili.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos da investigação visualizaram que:

1. no plano do discurso, isto é, na política declarada, a projeção para a inclusão aparece de forma clara e explícita no Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional da UEG. Implica  em  diretriz e em ação estratégica assegurar condições básicas de apoio aos alunos de baixo poder aquisitivo. Porém nenhum aspecto em relação  ao aluno PNE foi mencionado. O mesmo não ocorreu nos Projetos dos Cursos analisados, pois não foi evidenciado nenhum olhar para a inclusão de forma mais consistente.

2. em relação à política real, a situação não é diferente, pois na dinâmica vivida e objetivada das UnUs estudadas não há sinais que apontam para a existência de programas e/ou projetos numa perspectiva inclusiva.

3. existe uma tendência positiva em relação à concepção de educação inclusiva e à necessidade de implementação no Ensino Superior de uma política sob o olhar da inclusão .

Neste sentido, existem questões que precisam ser atentamente analisadas, pois viabilizar a  inclusão pressupõe, simultaneamente, duas instâncias: a interna e a externa. Internamente trata-se de organizar de tal forma os espaços e atividades acadêmicas para que todos os segmentos tenham condições de questionar, discutir, analisar, opinar, decidir e participar da execução e avaliação do processo de construção de uma proposta pedagógica inclusiva.    

 Desse modo tal política deve apoiar-se no pilar máximo de “educação para a cidadania”, voltada para a propagação de uma consciência coletiva de direitos e deveres no exercício da democracia.

Os resultados obtidos reforçam que é imprescindível que a luta pela universidade pública inclusiva pressuponha transformações concretas no contexto das relações interpessoais e no processo de tomada de decisões. Isto porque uma universidade democrática  requer esforço e participação efetiva de todos: equipe administrativa, professores, alunos, pais, comunidade acadêmica com um objetivo estratégico no processo de superação do autoritarismo, do individualismo, das desigualdades e da seletividade.

O estudo sinaliza ainda que não há uma significativa relação entre o que se propõe em regulamentações e o que se executa no cotidiano acadêmico, confirmando a hipótese inicialmente levantada de que se faz necessário estimular o desenvolvimento de uma perspectiva de educação inclusiva tanto na política declarada como na política real dos cursos de Pedagogia da UEG.

Porém, de modo geral, evidencia uma tendência positiva na possibilidade de implementação de práticas e de condições que favoreçam a inclusão social, o que permitirá elaborar, executar e avaliar uma proposta sustentada nos princípios da educação inclusiva  no âmbito do ensino superior público.

RECOMENDAÇÕES

A partir dos resultados anteriores propõe-se, sem a pretensão de repostas finais e elaborações acabadas, algumas recomendações que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da política educacional dos cursos de Pedagogia da UEG numa concepção de educação inclusiva:

1. Isentar a taxa de inscrição para o processo seletivo e as taxas de matrícula , propiciando ao aluno a entrada e a permanência no curso.

2. Sensibilizar e conscientizar a comunidade acadêmica a esse respeito por meio de estudos, discussões e palestras mediados por uma reflexão crítica, acredita-se ser o alicerce que sustentará a efetivação de uma universidade realmente inclusiva que seja capaz de cumprir sua missão ética e seu compromisso com a educação integral e de qualidade.

3. Contemplar a concepção de educação inclusiva como pressupostos epistemológicos e filosóficos no projeto pedagógico do curso de Pedagogia e nas ementas das disciplinas de caráter formativo, como a Psicologia, a Sociologia da Educação, a Didática e as Metodologias dos conteúdos fundamentais.

4. Dar maior atenção à elaboração de um currículo interdisciplinar centrado na formação geral para a cidadania crítica participativa e na formação ética.

5. Implementar projetos voltados para a formação de professores para a inclusão escolar, desmistificando a idéia de que a inclusão é uma prática difícil de ser concretizada no ensino regular.

Se adotadas medidas sérias e necessárias para que esta nova perspectiva se torne efetiva, tais como as especificadas, entende-se estar dando um grande passo para a construção real de uma universidade inclusiva e beneficiando pessoas que, historicamente, foram marginalizadas e excluídas da sociedade.

BIBLOGRAFIA.

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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação (uma introdução ao pensamento de Paulo Freire). 3ª ed. São Paulo: Moraes, 1987.

 

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 VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho. A formação do Professor do Ensino Superior. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 2001.

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* Pedagoga, Mestre em Ciências da Educação Superior, professora de Didática e Prática de Ensino do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de  Inhumas.