SAÚDE E DOCÊNCIA: APRENDIZAGENS MÚTUAS EM PROCESSOS FORMATIVOS

                                                                                 Monique Andries Nogueira/UFG

 

            O presente trabalho busca apresentar reflexões acerca da formação pedagógica para profissionais da saúde e da formação acadêmica nas ciências humanas. Estas reflexões tiveram origem em experiências na disciplina Metodologia do Ensino Superior, enquanto instância formativa para a docência. Tem início com uma breve identificação do contexto da disciplina, das turmas, períodos e duração. A seguir, destaco alguns elementos: as necessidades pedagógicas dos profissionais da saúde, a demanda por cursos de formação pedagógica por parte desses profissionais e a postura acadêmica dos alunos destes cursos. Penso que este ensaio possa servir para o debate na área de formação de professores, na medida em que creio serem necessárias reflexões que nos auxiliem a aprimorar o atendimento às diferentes áreas do conhecimento que buscam na educação formas de suprir suas necessidade formativas.

 

Introdução

 

            Na Universidade Federal de Goiás, a disciplina Metodologia do Ensino Superior é ofertada a todos os cursos de Pós-graduação lato sensu, seguindo as disposições do Parecer 12/93 do Conselho Federal de Educação. Tem sido vista como de responsabilidade da Faculdade de Educação. Esta unidade de ensino, por sua vez, vinha repassando exclusivamente aos professores de Didática a tarefa de ministrá-la nos diferentes cursos.

            Há aproximadamente dois anos, no entanto, essa prática se modificou. O grande aumento dos cursos de especialização e mestrado na UFG ocasionou uma demanda impossível de ser atendida apenas pelos professores de Didática. A Faculdade de Educação, diante disso, decidiu que todo professor efetivo que portasse título de mestre ou doutor em Educação estaria apto a ministrar a disciplina Metodologia do Ensino Superior. A mim, pessoalmente, me pareceu um equívoco esta posição. Diante do quadro de dissertações e tese defendidas em programas de educação atuais, penso que muito freqüentemente alguns destes mestres e doutores têm muito pouca familiaridade com as questões da formação de professores, em particular com as da docência superior. È fato notório, e inclusive apontado pelas agências financiadoras nas suas avaliações de dos programas, que um considerável número destas dissertações tratam apenas de suas áreas específicas, não guardando relações com o campo educacional, mesmo entendendo-o da forma ampla. Além disso, esta imposição parece desconhecer as especificidades desta área de conhecimento – a da docência superior - , que tem crescido em número de pesquisas e publicações de forma notável na última década. Apesar de manifestar minha discordância, senti-me na obrigação de assumir tal papel, por estar, naquele momento, recém chegada justamente de uma licença para cursar o doutorado em educação.

            Apesar de não ser originalmente professora de didática (minha experiência anterior era na área de artes na educação escolar), encarei com expectativa esse desafio. Durante os anos de doutoramento, havia participado de um grupo de estudos e pesquisas[1] no qual a temática da docência no ensino superior era muito freqüente. Em virtude disto, havia passado os últimos três anos estudando a fundo as principais tendências investigativas nesta área, além de acompanhar pesquisas de grande qualidade desenvolvidas pelos demais participantes do grupo. Essa experiência me havia sido bastante prazerosa e o interesse pela temática estava consolidado.

 Sendo assim, decidi preparar-me para assumir uma turma logo no início do ano letivo. Fui auxiliada, preciso admitir, pelo atraso do mesmo, em virtude das inúmeras (e, muitas vezes, inócuas) greves que temos vivido nas instituições federais. Foi o tempo suficiente para estudar os planos de cursos de colegas mais experientes, ler obras mais introdutórias: as minhas leituras, naquele momento, pareciam-me muito específicas e aprofundadas para alunos da especialização, na sua quase totalidade bacharéis, sem nenhum contato prévio com as questões pedagógicas. Adaptei minhas leituras ao universo dos alunos, li muitas outras obras, adquiri uma bibliografia básica específica sobre Metodologia do Ensino Superior e preparei meu plano de curso. Os alunos estavam à minha espera (e eu, ansiosamente, à espera deles).

 

O contexto

 

            Durante três semestres consecutivos, ministrei a disciplina Metodologia do Ensino Superior para turmas do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical. A primeira delas, em nível de Especialização lato-sensu; as duas seguintes, de Mestrado. Eram turmas de tamanho médio, com cerca de 18 alunos e as aulas aconteciam uma vez por semana, no total de 15 encontros (60 horas letivas). A vinculação à área de saúde foi natural para mim, visto que por relações familiares, convivi desde cedo com suas questões.

            Interessante mencionar que na primeira turma me foi perguntado, por parte da coordenação do curso no instituto de origem, se não seria possível ministrar a disciplina de forma intensiva, durante duas semanas, visto que alguns alunos já tinham concluído todos os créditos e precisavam apenas “cumprir aquela disciplina por exigências legais”. Obviamente, recusei a oferta, argumentando que a natureza desta disciplina exigiria um tempo maior para a reflexão e conseqüente assimilação por parte de alunos ainda tão distantes de tal problemática – a docência. A própria oferta revela um desconhecimento, por parte dos institutos em geral, das especificidades do conhecimento pedagógico e, no limite, até mesmo uma desqualificação, fato esse já analisado por muitos autores (PIMENTA, 1998; ANASTASIOU, 1998; CUNHA, 1998; MASETTO, 2003). Diante de minha recusa, o semestre teve início de forma regular.

Nas turmas seguintes, a situação se inverteu: a disciplina não era mais obrigatória, por se tratar de turmas de mestrado, mas a repercussão do trabalho empreendido com a turma de especialização fez com que expressivo número de alunos se inscrevesse no semestre seguinte. Desta vez, a possibilidade de um curso intensivo nem sequer foi cogitada. E mais: ao final do segundo semestre, a coordenação do curso convidou-me a ofertar a disciplina regularmente, ao menos uma vez por ano. Mas sobre as repercussões e desafios, tratarei nos próximos itens.

 

O cotidiano das aulas

 

            Na primeira turma, a de alunos de especialização lato-sensu, minha hipótese inicial – a de que seriam alunos não muito motivados para a docência – se confirmou. Tratei de deixar claro a eles que imaginava isso, mas que o meu papel, naquele contexto, era justamente o de despertar em cada um uma reflexão sobre a profissão de professor, ainda que muitos julgassem-na distante de seus objetivos. Lembrei a eles, ainda, que grande parte dos que hoje atuam na docência superior, nem sequer imaginavam que se tornariam professores. Para muitos deles, aconteceu o que nos afirma Pimenta (1998): dormiram profissionais e acordaram professores. E já que isso poderia acontecer a eles também, nada mais justo que se preparassem para essa possibilidade. O curso de Metodologia do Ensino Superior certamente não esgotaria essa formação, mas seria um importante ponto de partida para seu aperfeiçoamento progressivo e continuado.

            No entanto, a resistência inicial logo se dissipou. Optei por trabalhar com memórias de vida, fato que possibilitou aos alunos um envolvimento contagiante e rico, tanto do ponto de vista afetivo, quanto do da reflexão, uma vez que creio que não sejam dimensões tão apartadas assim. Reafirmamos, no cotidiano de nossas aulas, aquilo que Pimenta (1998) nos informa sobre os saberes docentes: coexistem, em proporções diferenciadas, um saber do conhecimento (o da área específica), o pedagógico e o da experiência. Este último diz respeito ao fato de que mesmo não tendo participado de nenhum curso de formação docente, cada indivíduo que passou pelos bancos escolares traz representações sobre o que é ser professor, sobre uma boa aula, sobre um mau professor. É um conhecimento socialmente produzido e como tal deve ser reconhecido, mas que deverá ser ampliado por meio do aprofundamento de estudos específicos da área pedagógica. E penso que esse era fundamentalmente o meu papel: possibilitar aos alunos um descortinar sobre essa área de conhecimentos tão fundamental que é a do conhecimento pedagógico, uma vez que a dos conhecimentos específicos (no caso, da saúde), já era por demais valorizada por eles.

            Nesta primeira turma, portanto, o desafio inicial era exatamente o de reverter um quadro desfavorável, o de uma supervalorização do conhecimento específico, e implementar uma formação pedagógica inicial. O programa por mim estabelecido apresentava quatro unidades: 1) Conceitos básicos do campo da educação; 2) Professor universitário – perfil, identidade e formação; 3) A prática pedagógica do professor universitário; 4) Docência e saúde.  Na primeira delas, buscava aproximar os alunos do campo da educação, familiarizando-os com os conceitos, as nomenclaturas, enfim, com o habitat educacional. Na segunda, tratava de afunilar o vasto campo da educação em direção à universidade: para tanto, optei por temáticas relacionadas às origens da universidade brasileira, à profissão de professor universitário com seus processos de identidade e profissionalização, à formação pedagógica e às exigências atuais que se impõem ao docente. A terceira unidade confirmava o processo de delimitação da problemática: nosso foco, agora, era a própria prática docente universitária. Para isso, refletimos sobre o conceito de ensinagem (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002), sobre técnicas de ensino, mediação pedagógica e avaliação da aprendizagem. Por fim, chegamos à quarta e última unidade enfocando especificamente as relações entre docência e saúde. Para tanto, lançamos mão de artigos e livros voltados para a área de saúde, mas que tivesse relação, ou mesmo apenas tangenciassem, o campo educativo.

            Penso que isso poderia ter sido conseguido, com maior ou menor esforço, por qualquer outro professor de didática. O fato que quero ressaltar é que essa me parece uma preocupação que devemos ter quando nos propomos a ministrar um curso de Metodologia do Ensino Superior para áreas diferentes da nossa: é necessário buscar aproximações, focos de interesse comuns. No caso em questão, lancei mão de temáticas como classe hospitalar e a prática pedagógica em enfermarias pediátricas, currículos de medicina baseados na Metodologia da Problematização, aprendizagem baseada em problemas, aulas práticas em laboratórios. É claro que lidar com este material me exigiu esforço extra, mas o resultado foi extremamente gratificante: os alunos se mostraram muito interessados em discutir temáticas tão próximas a sua prática, sem falar do aspecto de valorização de seus conhecimentos que eles puderam sentir. Lembro-me da empolgação dos alunos que apresentaram, certa vez, um trabalho sobre classe hospitalar: gostaram muito de poder completar o artigo inicial (BARROS, 1999), acrescentado seus relatos pessoais. Agora, não mais percebiam o fenômeno apenas do ponto de vista de profissionais da saúde, mas, como eles mesmos afirmaram, agora o vemos como educadores também.

            As metodologias de ensino utilizadas foram as mais variadas: estudo de textos, aulas expositivas, dinâmicas de grupo (sempre recebidas com muito interesse por parte dos alunos), trabalhos de campo. Foram utilizados também materiais diversos tais como poesias, canções, filme, a fim de estudarmos as diferentes visões que as artes apresentam sobre professores, escolas e educação.  A avaliação do desempenho dos alunos se deu basicamente por meio de três instrumentos: participação nas aulas, relatórios escritos tendo por base os textos-base de cada aula e apresentação de trabalho em grupo. A avaliação do curso, por parte dos alunos, foi extremamente positiva.

 

Os desdobramentos

 

            Após o término deste primeiro curso, fui convidada para ministrar a mesma disciplina, agora para uma turma de mestrado, também do Programa de Medicina Tropical. Não tendo sido bem informada, julguei se tratar de uma situação semelhante à vivida por mim no semestre anterior: trata-se de uma disciplina obrigatória, os alunos chegam com certa resistência, usarei as mesmas estratégias e, possivelmente, alcançarei os mesmos bons resultados, precisando, apenas, adequar o nível dos textos a uma turma de mestrado, incluindo mais pesquisas e trabalhos acadêmicos.

            Já na primeira aula percebi que minhas previsões estavam equivocadas: estes alunos haviam optado livremente pela disciplina, muitos deles motivados pelas boas informações que obtiveram junto aos alunos da turma anterior! Isto é, minha responsabilidade agora dobrara: seria preciso corresponder à expectativa criada e, além disso, aprofundar questões como de praxe em um curso de pós-graduação strictu sensu.

            Apesar do susto inicial, logo consegui me refazer. Afinal de contas, antes assim: se esse era o preço de um trabalho positivo, era preciso pagá-lo. Decidi por manter a estrutura básica do programa, com pequenas adaptações, pois, apesar de serem estudantes de mestrado, o fato é que para eles a temática educacional era também absolutamente nova, apesar de alguns já serem, inclusive, professores da própria universidade. Nesta turma, a diversidade profissional era maior: na anterior, grande parte dos alunos era da área da medicina e da biomedicina; agora, havia médicos, odontólogos, biólogos, farmacêuticos, biomédicos e nutricionistas, num total de 20 alunos. Essa diversidade na unidade – porque, apesar de suas formações diferenciadas, todos lidavam com a questão da saúde – me foi bastante rica e proveitosa. Os debates foram intensos e, muitas vezes, foi preciso destacar a necessidade de evitar posições corporativas. Penso que aprendi muito com esses profissionais: talvez mais com eles, do que eles comigo.

 

A postura acadêmica dos alunos

           

Eu, que sempre trabalhara com a área das ciências humanas na universidade (Pedagogia, Música e Artes Visuais), fiquei bastante impressionada com a seriedade dos alunos da área da saúde. Suas atitudes acadêmicas eram excelentes: sempre pontuais, presença maciça, textos lidos com antecedência, responsabilidade extrema com a realização de trabalhos, enfim, tudo o que é de se esperar em alunos universitários, mas que raramente tive chance de observar em onze anos de docência superior na área de ciências humanas. Para me certificar de que essa não era uma experiência isolada, fui inquirir meus colegas, também professores desta disciplina nos vários outros cursos da universidade e suas opiniões foram as mesmas: a seriedade dos alunos da área de saúde era infinitamente superior aos da nossa, a das ciências humanas.

            Certamente, as razões para tal comportamento serão múltiplas e não tenho a pretensão de esgotá-las aqui. Reconheço que inúmeras variáveis possam contribuir para esse fenômeno (idade, situação funcional, disponibilidade de tempo, entre outras); acho, inclusive, que seria um interessante objeto de pesquisa. Tenho, contudo, algumas hipóteses que gostaria de compartilhar.

Em primeiro lugar, percebo que os alunos das ciências humanas vêm perdendo o rigor, a deferência com a aula e com o professor, a postura de sede de saber. Com raras exceções, o fato amplamente reconhecido por meus pares na minha e em outras instituições de ensino superior é que nossos alunos chegam atrasados, saem mais cedo, faltam mais aulas do que os 25% permitidos, lêem pouco, reclamam de notas com freqüência. Alguns fatos comprovam minha hipótese: na minha universidade, os ônibus e vans que fazem o transporte escolar (de cidades do entorno para a capital, ou mesmo inter-bairros) têm como regra buscar primeiramente os alunos das ciências humanas, pois estes podem sair mais cedo. No curso de Pedagogia, inclusive, sendo um dos poucos cursos noturnos, as aulas terminam às 22 horas e não às 22:30h, como seria o esperado para cumprir com as 4 horas/aula e intervalo, por causa dos ônibus! 

Um outro tipo de comportamento que muito me preocupa é o da própria postura em sala de aula. Penso que esse liberalismo (que creio estar sendo confundido com permissividade), tem levado nossos alunos a não mais guardarem respeito ao ambiente acadêmico: alunos lanchando, telefones celulares que tocam no horário da aula, conversas paralelas, interrupções.

Outro ponto importante está no processo de avaliação. Obviamente não estou sugerindo que nos voltemos a processos de rigor exagerado, temidos pelos alunos. Mas a falta de limites que impera nas ciências humanas me parece grave. Nossos alunos, em particular os de Pedagogia, querem sempre alcançar nota máxima, reclamam de fazer prova escrita (método tão tradicional...). Além disso, se a reprovação em disciplinas parece ter sido superada, a reprovação por faltas, então, está banida.[2] Imagino que a essa altura, alguém, formado no auge do escolanovismo, irá defender a posição de que quando o aluno falta muito, o problema é da aula que não se mostra interessante... Entretanto, o que a experiência tem mostrado é que a grande maioria dos alunos que se comportam assim têm rendimento medíocre, não participam das poucas aulas às quais assistem e não entregam os trabalhos solicitados. E, se esse argumentos não forem suficientes, aviso que, em geral, os alunos que assim procedem já começam a faltar nas primeiras aulas, antes, portanto, de poder julgar se o curso seria interessante ou não. Esse tipo de comportamento – o de encarar a não assiduidade como natural -  seria impensável na área de saúde, tanto por parte dos alunos, quanto dos professores.

Contrariamente, durante os três semestres que trabalhei com turmas da pós-graduação em Medicina Tropical, a postura dos alunos era bastante diferente, a começar pela pontualidade. A grande maioria da turma estava em sala alguns minutos antes do horário previsto: isso significa que a aula começava, efetivamente, no horário marcado. Da mesma forma, poucos se ausentavam antes do final: nunca passei, com essas turmas, pelo constrangimento de ter alunos se levantando enquanto ainda estamos expondo algum conteúdo, como é comum em nossas aulas no curso de Pedagogia. O resultado disso é que nunca fiquei com aquela sensação que me acompanha nas aulas de ciências humanas: a de que não houve tempo para todo o conteúdo programado. Nas aulas da saúde, ao contrário, as aulas rendiam mais, o tempo permitia leituras complementares e debates interessantes.

Além de mais curtas, nossas aulas são também regularmente interrompidas. O toque de celulares, mesmo condenado por alguns poucos professores, resiste em nossas aulas.[3]

Em relação aos trabalhos solicitados, o comportamento também é outro. No curso de docência para a turma de saúde, ficou combinado que a entrega do relatório seria sempre na aula subseqüente. Nas semanas seguintes, ao iniciar minhas aulas, portanto, tinha minha mesa inundada pelos relatórios de cerca de 90% da turma. Os que não o faziam, vinha rapidamente apresentar justificativas e, sem exceção, entregavam na aula seguinte todos os relatórios que faltavam. Nas ciências humanas, temos que sair procurando alunos pelos corredores atrás de trabalhos que já deveriam ter sido entregues, para corrigi-los através das noites, a fim de conseguir concluir as notas a serem entregues para a administração da universidade dentro do prazo marcado.

Na minha opinião, no afã de se romper com o autoritarismo caiu-se num laissez-faire, no qual o aluno chega atrasado, falta às aulas como bem entende, deixa de fazer trabalhos e ainda assim é promovido. Aceitamos alunos com conversas paralelas, que se retiram da sala sem pedir licença, que atendem celular em aula, que não lêem os textos, que não contribuem com os debates porque não têm nada a contribuir. De que temos medo? De sermos considerados conservadores, positivistas, tradicionais? Até quando seremos coniventes com a falta de rigor, com o despreparo? Que tipo de profissional estaremos formando assim? É notória a reclamação, por parte dos pesquisadores e professores de programas de pós-graduação, de que os alunos das ciências humanas chegam, muitas vezes, à pós graduação, sem apresentar alguns requisitos básicos para o trabalho científico. Penso que ao se examinar as práticas cotidianas em nossos cursos não poderia ser diferente! Precisamos, talvez, aprender com nossos colegas das outras ciências a exigir mais dos nossos alunos e, como conseqüência, garantir melhor rendimento acadêmico. Esforçamo-nos, por um lado, para valorizar nossa área de conhecimento, mas contribuímos para sua desvalorização quando permitimos que nossos próprios alunos a menosprezem por meio de atitudes pouco sérias.

 

A demanda por formação pedagógica na área de saúde

 

            O segundo ponto a ser levantado é justamente o da demanda por formação pedagógica por parte da área de saúde. Tenho presenciado este fato em outras instituições de ensino superior, com as quais mantenho contato, assim como em diferentes cursos de minha universidade. Parece haver um certo consenso nesta área de que é preciso repensar a formação de seus alunos e, para isso, se faz necessário também repensar a formação de seus docentes.Tenho presenciado processos de reformulação de cursos de medicina nos quais a presença de pesquisadores da área de educação tem sido requisitada. Tenho tido conhecimento de pesquisas realizadas em programas de pós-graduação em educação que têm como objeto o ensino em diferentes cursos da área de saúde. Tudo isto comprova, ao meu ver, que esta área tem se mostrado sensível ao conhecimento pedagógico e tem buscado seu aprimoramento. E, além disso, reconhece a autoridade científica das faculdades de educação, pois é com elas que tem buscado interlocução.

            No entanto, penso que nós, da área da educação, não temos nos dado conta de como é complexo este envolvimento. Muitas vezes, continuamos a preparar cursos insípidos de metodologia, recheados de técnicas vazias, que não reconhecem as especificidades de cada área. Cursos esses que apresentam aos alunos de outras áreas do conhecimento uma visão arcaica de didática, uma visão reducionista da pedagogia, como um rol de técnicas indistintas, aplicáveis a qualquer contexto. Talvez resida aí boa parte da rejeição que alguns profissionais ainda mantêm com relação à formação pedagógica. Não estou com isso desconhecendo todo o aparato cultural de desvalorização que marca a educação; apenas tento levantar a nossa parcela de responsabilidade nesta situação. Com real interesse em colaborar e com abertura para aprender com outras áreas do conhecimento, podemos contribuir para a valorização de nosso conhecimentos específicos.

            Não tenho aqui a pretensão de apresentar uma fórmula para isso, mas penso que atitudes que visam aproximar-se do conhecimento do outro já seriam indicativas de um bom início. Na experiência relatada, penso que isso foi fundamental: abrir, no programa, uma unidade referente às relações entre saúde e docência foi extremamente positivo. Creio que o mesmo poderia se dar nas outras áreas também, como pro exemplo, criando unidades específicas sobre direito e educação, comunicação e docência, artes e ensino superior etc. Para tanto, seria preciso também que nós, professores de metodologia superior, investíssemos em determinados cursos e recusássemos o tão comum rodízio de áreas, o que provoca nos programas uma homogeneização, tratando-as indistintamente.

           

 

Conclusão

 

            Não tenho a pretensão de esgotar nenhum tema, nem tampouco apresentar metodologias originais nesse campo, no qual ainda me considero novata. No entanto, penso que as reflexões aqui expostas podem servir de estímulo àqueles profissionais que pretendem iniciar-se nessa área – a da formação de básicas.

Creio que alguns pontos básicos concluem este trabalho: 1) há uma demanda crescente de formação pedagógica, por parte da saúde, o que exige de nós uma postura aberta às trocas e ao estudo de particularidades desta outra área; 2) precisamos aprender com nossos colegas desta área a voltar a cobrar de nossos alunos atitudes condizentes com o trabalho acadêmico, visando o aprimoramento e a valorização de nossos saberes.

            Espero, enfim, que este trabalho atinja seus objetivos de convidar os envolvidos para esta reflexão e, ao mesmo tempo, instigar aqueles que ainda não se encontram nesta área – a da docência superior - a tecer outros olhares sobre ela. Que todos possam ter como recompensa, a mesma que tive: a certeza de que o curso tenha servido para despertar naqueles futuros e atuais professores a necessidade do aprimoramento pedagógico, em direção a uma prática docente mais responsável – assim foi me dito no cartão recebido dos alunos da última turma.

 

Bibliografia:

ANASTASIOU, L. G. C. Metodologia do ensino superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica. Curitiba: IBPEX autores associados, 1998.

BARROS, Alessandra Santana. A prática pedagógica construída em uma enfermaria pediátrica: contribuições da classe hospitalar à inclusão desse alunado. In: Revista Brasileira de Educação, publicação quadrimestral da ANPEd, no. 12, set-dez. de 1999.

CUNHA,  M. I. da. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM, 1998.

MASETTO, M. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003.

PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1998.

PIMENTA, S. G. e ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

 

 

 

RESUMO

 

            Este trabalho trata de experiências formativas de profissionais da saúde, no âmbito da disciplina Metodologia do Ensino Superior. Busca apresentar elementos para uma melhoria de nossa atuação, em função do aumento da demanda por formação pedagógica que se evidencia. Defende as seguintes hipóteses: há uma necessidade de nos aproximarmos do campo no qual ministraremos a disciplina Metodologia do Ensino Superior, a fim de estarmos abertos para uma troca de saberes efetiva; a convivência com alunos da área de saúde tem mostrado, por comparação, que os alunos das ciências humanas têm apresentado posturas pouco condizentes com o trabalho acadêmico e temos nos omitido quanto a essa situação.

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[1] Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores da Faculdade de Educação da USP, coordenado pela Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta.

[2] Recentemente, tive problemas ao reprovar uma aluna com cerca de 50% de faltas. Ao conversar com outros colegas, percebi que este era seu comportamento usual, o que acarretava, inclusive, em rendimento medíocre, mas até aquele momento, nenhuma atitude havia sido tomada a respeito.

[3] Recentemente presenciei uma aluna da Faculdade de Educação atender e conversar ao telefone durante uma importante palestra. Não satisfeita, endereçou uma questão à mesa e saiu antes que fosse lida. Meses antes, em contrapartida, um aluno, médico-anestesista, solicitou-me permissão para deixar o celular ligado, pois estava sendo esperado em uma sala de parto, mas como não queria perder a aula, ficaria conosco até o último momento possível.