A ATIVIDADE DOCENTE DE EGRESSOS DA LICENCIATURA EM GEOGRAFIA: O FAZER-SE TRABALHADOR- PROFESSOR.

GT 07 Geografia

Edna Duarte de Souza

UEG - Universidade Estadual de Goiás

e-mail: emaedna@uol.com.br

A luz apagada

(mas o pior: o gosto do escuro).

A porta fechada

(mas o pior: a chave por dentro).

José Paulo Paes

 

 

Na propositura do tema e do título está um convite para um percurso. Começo lembrando a urgência de construirmos uma ponte de mãos múltiplas que leve nossas experiências e necessidades, desejos e vontades políticas a constituírem-se em conhecimentos e, simultaneamente, traga versões de pensamento elaborado para fecundar as vivências educativas, potencializando-se com escolhas mais claras.

Entendo que é tempo de enfrentarmos o descompasso e, até mesmo, o antagonismo entre a produção acadêmico-pedagógica e a prática escolar brasileira que faz com que a problemática pesquisada e os conhecimentos produzidos não cheguem vivos até a escola e que, contrariamente aos seus objetivos acabem, muitas vezes, por se traduzir num tipo de emudecimento dos sujeitos escolares. A urgência, no entanto, não é pragmática- tão ao estilo das políticas neoliberais- que vai engessando-nos num “aqui e agora” sem memória e sem projeto.

Motivada pelo lugar que ocupo na atividade docente, sendo professora em uma instituição estadual de ensino superior que traz em seu bojo toda a gama de limites e possibilidades na sua função de formar professores e instigada a “des-velar” os focos de análise da contextualização da trajetória de constituição/construção dos egressos nas instituições estaduais de ensino superior (IEES)  e fora delas, enveredei por uma realidade que nos aponta para a necessidade de refletirmos sobre a temática e potencializarmos a construção de propostas inovadoras, o que, no entanto, não é o propósito final deste estudo.      

Viso estudar os egressos dos cursos de licenciatura em Geografia, sua identidade, formação e exercício profissional. A produção científica sobre o tema tem se caracterizado por poucos estudos, isolados e descontínuos, não se constituindo área de sólida produção científica. Agravando essa carência de produção no Brasil, ocorre uma expansão acelerada do sistema de educação superior e projeções governamentais alertam para a presença na educação superior em geral, de três milhões de alunos em 2004. Outro fato que tende a ressaltar a importância do tema aqui em discussão é a presença, na década de 90, do olhar avaliativo do Estado e da sociedade civil sobre a educação e sobre o desempenho dos formandos no Exame Nacional de Cursos (Provão). 

Segundo Loureiro et alii (1999), os egressos constituem-se fonte importante para a investigação das motivações, expectativas, percepções e motivos para o exercício ou não do magistério para o qual foram formados, daí, quero saber qual o perfil dos profissionais formados.

Decorrente da problemática surgiram questões que permitiram o encaminhamento da investigação, tais como:

a) Quem são, quantos são, onde estão e o que fazem os egressos em foco?

b) Que pensam os egressos desses cursos de licenciatura acerca da profissão para a qual foram preparados e de sua formação nessas instituições? Qual o seu exercício profissional pós-formação?

c) Dadas as condições reais, que  aspectos evidenciam um determinado perfil de formação nessas instituições? Como ocorreu a formação docente nos cursos das IEES?

Entre as mais relevantes funções da universidade pública está a formação de professores, destacando sua responsabilidade com a qualidade da educação básica. Movida pelo interesse em aprimorar as ações necessárias para atender a essa função, volto o olhar e a escuta para aqueles que se constituem público-alvo dessa formação e busco em suas motivações, expectativas e percepções os motivos que os levaram a optarem ou não pelo magistério.

Num contexto em que as exigências quanto à atuação da escola se renovam, implicando modificações na função dos professores, percebo dificuldades de preparação para uma profissão que busca reconhecimento social e que luta para ser elevada da categoria de “semi-profissão” (Enguita, 1991). Nesse sentido, mais importante do que se preocupar em atender a exigência legal da formação, é garantir alguns princípios básicos para essas licenciaturas e, em especial, consolidar as contribuições teóricas atuais da didática para tal formação.

A necessidade de reformular os cursos de licenciatura está constatada, no entanto, tal reformulação não pode ser feita sem uma avaliação do modo como está ocorrendo a formação docente nos cursos e unidades que os ministram. A proposta desse estudo é cooperar com essa avaliação através do conhecimento dos seus egressos, de seu exercício profissional, pensamento/expectativas a respeito da profissão para a qual foram preparados e de sua formação nas instituições estaduais de ensino superior, realizando para isso o resgate histórico da formação propiciada nessas instituições criadas na década de 1980, compreendendo-as como fundamentais no processo histórico-social de formação de professores no Estado de Goiás.

Aqui, há de considerar-se que todo o aporte empírico-analítico dessa pesquisa, ao explicitar os principais traços históricos que contextualizam uma determinada caminhada da  educação superior em Goiás, evidencia inegavelmente que foi na década de 80 que ocorreu o maior rush expansionista, entendido quantitativamente. Daí acredito que analisar a formação e profissionalização num processo de expansão como este, fazendo um recorte na sua fase mais aguda e nas iniciativas do poder público estadual que criou novas IES, permite sinalizar generalizações, nos limites possíveis, quanto às tendências  formativas ainda em curso na atual Universidade Estadual de Goiás, haja vista que ainda hoje a estrutura básica dos cursos e das faculdades tem-se mantido.

A dissertação resulta, portanto, de pesquisa realizada nesse contexto, marcado, de um lado, pela crescente expansão e interiorização do ensino superior estadual em Goiás vinculada, principalmente, a cursos de formação docente e, de outro, pelas redefinições da formação de professores e pela desvalorização social da profissão.

O tema, nessa contextura, propõe uma visibilidade não só dos cursos de licenciatura da instituição em epígrafe como do próprio processo desencadeado na década de 1980 referente à formação e profissionalização docente no Estado.

A preocupação básica, objeto deste estudo, é a de examinar a formação e profissionalização dos egressos dos cursos de licenciatura em Geografia oferecidos nas IEES, no período de 1991 a 1998, discutindo o papel que tais instituições cumprem ou podem desempenhar na formação de professores no Estado de Goiás.

Parto da defesa da necessidade de um delineamento diferente para a profissão docente e, portanto, da construção de um processo diferenciado de profissionalização, mas também do reconhecimento da complexidade, dificuldades e perspectiva de longo prazo desta empreitada.

Busco então cumprir os seguintes objetivos: 1) contextualizar a origem dessas IEES; 2) caracterizar as IEES (localização, cursos, data  de criação, número de licenciados por ano e por curso); 3) localizar os egressos para preenchimento de fichas e para montagem de um banco de dados sobre eles; 4) caracterizar os egressos, detectando semelhanças e diferenças entre eles no que diz respeito à origem social, formação escolar, gênero, universo cultural e representações; 5) discutir a formação e profissionalização docente dos egressos.

A ênfase na pessoa do professor e no seu fazer-se , na sua história de vida assim como a referência à sua identidade como um processo, construído nessa história, dão um status teórico à experiência e subjetividade, abrindo uma nova perspectiva para o entendimento da formação. Novas perspectivas teóricas e metodológicas estão sendo desenvolvidas por pesquisadores, fundamentando a articulação das dimensões pessoais e profissionais dos professores (Nóvoa,1992; Nias,1991) e mostrando que eles são inseparáveis, a ponto de Nóvoa afirmar “diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa” (1995:29).

Busco fazer uma articulação de várias leituras que alicerçam meu projeto profissional: criar condições favoráveis para a formação das pessoas do ponto de vista delas, e não para serem controladas por outros. Sublinho, nesse contexto, a importância da formação dos professores em um locus privilegiado: a universidade.

Empreendo um esforço de reflexão epistemológica tomando por base certas dicotomias que dificultam a produção do conhecimento não só no campo das ciências humanas mas também nas ciências da educação: a separação rígida teoria e realidade empírica, o que resulta na construção de um corpus teórico hermético, incapaz de se colocar em relação, de forma dialética, com a prática concreta; a oposição entre objetivismo e subjetivismo onde ou as estruturas são entendidas como agentes históricos autônomos e os indivíduos reduzidos à condição de participantes passivos no processo de construção da realidade social ou onde o indivíduo é concebido como se ele estivesse totalmente imune às influências da realidade objetiva.

Em suma, as explicações dos fatos sociais que desprezam inteiramente a possibilidade de participação do indivíduo na produção desses fatos são tão reducionistas quanto aquelas que, transformando o indivíduo em agente social quase onipotente, negam radicalmente o peso das influências estruturais na produção dos fenômenos sociais.

Assim, muito mais importante e eficiente do que fazer uma opção entre essas alternativas monistas é buscar compreender as relações entre os agentes e as estruturas que eles constroem e nas quais se inserem. Para além da lógica monista, surge a contribuição de Pierre Bourdieu para com a educação, o qual vem desenvolvendo, com base principalmente nos conceitos de campo científico e habitus, há cerca de trinta anos, uma abordagem teórica que se esforça por articular as dimensões objetiva e subjetiva no processo de produção dos fenômenos sociais.

A presença do habitus e da posição ocupada no campo como elementos estruturadores das categorias de percepção e de apreciação empregadas pelos entrevistados está constatada durante toda a realização da pesquisa e ressaltada na elaboração do trabalho em epígrafe. Porém, o que  quero ressaltar aqui é exatamente o lugar preciso e precioso do sujeito nesse processo, enfatizando a maneira  pela qual ele assimilou, durante diferentes processos de socialização, determinados princípios e valores e como isso faz com que ele se posicione diante do mundo, em função de uma racionalidade que parte de dentro dele, que se inspira no que ele vivenciou e que dá espaço, pois, à subjetividade.

Todavia, a dimensão propriamente objetiva também se manifestou no estudo realizado, na medida em que os informantes deram provas, em diferentes depoimentos, de outras influências a que estão submetidos e que provêm da posição que eles ocupam no campo da formação e profissionalização docente.

É lógico que distinguir, nas representações e nas ações dos agentes, a influência  proveniente do habitus e aquela que emana da posição objetiva ocupada no campo é um processo extremamente delicado.  Aliás, tais influências podem reforçar-se mutuamente ou, ao contrário, podem ser conflitantes, levando o agente, nesse último caso, a  dilemas de difícil resolução.

O tema formação e profissionalização docente, com destaque para a formação didática,  se impôs como uma necessidade, problematizado nas inúmeras situações em que era discutido: congressos nacionais, assessorias a Secretarias Municipais de Educação, cursos, seminários de que participei. Também contribuem para sua problemática os diferentes entendimentos sobre o conceito de formação e profissionalização. Decido, então, por investigar os egressos das IEES. Não para identificar suas mazelas (de) formativas, já amplamente apontadas em outros estudos que tratam do tema mas para identificar o potencial formador, suas condições profissionais e profissionalizantes. Impôs-se aqui uma investigação teórico-prática, conceitual e histórico/ documental que balizasse o cunho científico desse trabalho.

Colocando a formação docente como objeto de minha investigação, necessário se fez compreendê-la em suas vinculações com a prática social na  sua historicidade. Apreender na cotidianeidade a formação e a atividade docente dos alunos egressos supõe não perder de vista a totalidade social, pois sendo a escola parte constitutiva da práxis social, representa no seu dia-a-dia as contradições da sociedade na qual se localiza. Assim, um estudo da formação e da atividade docente cotidiana dos egressos envolveu o exame das determinações sociais mais amplas, bem como da organização do trabalho nas escolas, as quais, todavia, não se encontram esmiuçadas no corpus do trabalho por questões de tempo e por entendermos que  isso requereria uma amplitude comprometedora numa proposta de apresentação de trabalho.

O debate sobre a formação e profissionalização docente apresenta, ao longo das últimas décadas, uma crescente ênfase sobre a  problemática das licenciaturas e percebe-se o surgimento de velhos/ novos temas, velhas/ novas questões que parecem apontar para novos caminhos, tanto para a formação de professores em geral como, especificamente, para os cursos de licenciatura.

As modificações na concepção da formação de professores ocorridas desde a década de 70, com ênfase no treinamento do técnico em educação, passando pela década de 80 onde se observa a ênfase na  formação do educador x professor e nos anos 90 onde existe um redirecionamento para a formação  do professor- pesquisador vão subsidiar a discussão teórica presente no texto, mesmo não referenciadas nele de forma explícita. Nas agências formadoras estudadas, os egressos foram percebidos (e então formados) como meros transmissores de conhecimentos, neutros, preocupados com o seu aprimoramento técnico ou então como o agente “político” compromissado com a transformação  social, exercendo sua “vocação” junto às camadas populares.        Se é verdade que a literatura internacional que nos chegou na última década sobre a profissão e profissionalização docente foi extremamente estimulante do ponto de vista dos perigos que cercam o controle político do trabalho docente, com a conseqüente separação entre as atividades de concepção e execução, das ideologias que sustentam o princípio da racionalidade técnica presente na definição de profissão docente, também é verdade que é preciso investir na compreensão dos vários sentidos atribuídos ao trabalho docente para além de certas formulações que insistem em discutir se o magistério é profissão, ocupação semiprofissionalizada ou em via de profissionalização ( Nóvoa, 1998; Perrenoud, 1996 ).

As novas linhas de investigação sobre o professor reconhecem, atualmente, que sua formação é fruto da combinação da vivência, advinda da participação em cursos oferecidos por instituições especializadas, com experiências adquiridas no exercício profissional realizado nas escolas, na vivência com colegas profissionais, nas associações e entidades representativas e até mesmo nas relações sociais mais amplas.

Nesse sentido, a formação do professor passa a ser entendida como reflexão sobre as práticas concretas e a investigação como um recurso que gera conhecimento. Por isso, considero o professor como agente ativo de seu próprio desenvolvimento e das mudanças que se processam na escola.

Na discussão presente, há que se compatibilizar duas dimensões que se manifestam como inseparáveis na prática docente: a qualificação do professor e as condições concretas em que ele atua. Isso é confirmado pelas linhas de pesquisa mais recentes, que, ao buscar compreender a atividade docente e propor alternativas para a preparação dos seus profissionais, apontam para a inseparabilidade entre a formação e o conjunto de questões que, historicamente, têm permeado o seu fazer educativo: salário, jornada, carreira, condições de trabalho, currículo, gestão, etc.

Pensando assim, a formação compõe juntamente com a carreira e a jornada de trabalho, que por sua vez devem estar vinculadas a remuneração, os elementos indispensáveis à formulação e à implementação de uma política de valorização profissional que contribua, tanto para o resgate das competências profissionais dos educadores, como para a (re)construção da escola pública de qualidade.

Tomo como referência primeira a idéia de que o professor constrói a sua profissionalidade, mediante um processo contínuo de formação e de reflexão sobre a própria prática.

A análise que caminhou nessa direção aponta dois aspectos centrais para essa construção: o primeiro é que eles precisam ser detentores de um saber específico, imprescindível à sua atuação, e que é desenvolvido no interior da profissão. O segundo é que o trabalho docente precisa ser concebido e desenvolvido de modo coletivo, inserido e orientado por um projeto educativo, capaz de expressar os compromissos da escola diante das necessidades comunitárias e sociais.

Entendo que o investimento na formação é um ponto de partida que apresenta possibilidades de melhoria da profissionalidade e de um significado diferente para a profissionalização e o profissionalismo docentes, bem como possibilidade para a ressignificação da sua identidade profissional nesse contexto pródigo em mudanças de natureza variada.

Como o objetivo deste estudo é a caracterização dos egressos dos cursos de licenciatura em Geografia das IEES, parece-me interessante ter presente nesta discussão o aspecto de “identidade para si”, que os cursos de formação inicial contribuem para que os novos professores desenvolvam ou fortaleçam, e de “identidade para os outros”, relacionada ao modo como a profissão é representada e explicada socialmente, bem como as interdependências destes dois aspectos. É o desenvolvimento de convicções - ligadas a condições em relação a profissão.

Os aspectos mais visíveis do conceito de profissionalidade docente são os requisitos profissionais da profissão do professor. Nesse sentido, o conceito de profissionalidade se aproxima mais de “identidade para os outros”, das  maneiras mais externas e “objetivas’ como a profissão é representada, distanciando-se um pouco da “identidade para si”, da identificação com a profissão, da adesão profissional.

Cunha (1995:133) chama a atenção para o aspecto da “subjetividade do professor inserida na prática”, menos visível no conceito de profissionalidade apresentado por Sacristán ( 1995 ).  São os aspectos, os traços profissionais construídos em relação ao trabalho docente que caracterizam ou que identificam profissionalmente o professor, o que não significa afirmar “como são identificados” os professores.

Abordar a profissionalidade e a profissionalização envolve necessariamente a discussão de temas interligados, como a questão da docência enquanto profissão

(limites, equívocos, possibilidades e constituição de entidade e estatuto de ética), proletarização (perda de controle da totalidade do seu trabalho; questões de jornada, condições e divisão do trabalho, remuneração); autonomia e saberes profissionais; profissionalização, questões de gênero, entre outras.

O entendimento de profissão, aqui, é de uma construção dinâmica histórica no mundo do trabalho. Relacionada ao poder exercido por grupos ligados às ocupações, que se fazem valer enquanto segmentos com saberes e códigos de conduta por eles estabelecidos.

Resumindo, digo que a formação profissional é um processo inicial e continuado, que deve dar respostas aos desafios do cotidiano escolar, da contemporaneidade e do avanço tecnológico. O professor é um dos profissionais que mais necessidade têm de se manter atualizados, aliando à tarefa de ensinar a tarefa de estudar. Transformar essa necessidade em direito é fundamental para o alcance da sua valorização profissional e desempenho em patamares de competência exigidos pela sua própria função social.

Tecendo as informações coletadas e as leituras realizadas, vislumbra-se uma realidade. As questões de pesquisa e as categorias descritivas derivadas da literatura consultada constituídas por: formação socioeconômica e cultural, formação e profissionalização docente, relação teoria e prática pedagógica,direcionaram a análise das informações.

A textura das informações coletadas foi inicialmente considerada na medida em que desvelavam mensagens implícitas, contraditórias, silenciadas, para, então, proceder ao estabelecimento de conexões entre elas. A tessitura do trabalho foi a chegada ao concreto, à totalidade como produção coletiva onde as lacunas apontadas pelas sínteses precárias são tão fundamentais quanto os conhecimentos desenvolvidos.

Leio na  formação vivida pelos egressos em sua densidade histórica um arquivo vivo de procedimentos e esperanças que desde muito estão guardadas nas instituições escolares como “sementes de um saber com sabor” porque investido de curiosidade e afeto, um desafio, uma aposta na emancipação humana, social. Sementes essas, muitas vezes, plantadas no “solo árido” dos arquivos incompletos (ou nem feitos!) das faculdades – sementes que se “perderam” no devir da história e no desenrolar desse trabalho. Sementes lançadas no meio das “rochas” do mercado de trabalho que produz as hierarquias classificatórias, que se fecham na verticalidade onde só há lugar para “o mais e o menos”, para “o melhor e o pior”, pela sua impossibilidade de abrigar o movimento instituinte das diferenças e singularidades.

Para fazer um estudo dessas faculdades e seus egressos, de suas práticas vividas, experimentadas e anunciadas foi preciso tecer e re-tecer as relações desses alunos com o saber, passeando na sua história de vida, contextualizando-a historicamente na vida política, pedagógica e econômica do país.  No deciframento da construção desses egressos foram encontrados muitos “sonhos rasgados” mas também muitas esperanças em circulação, aguardando a anunciação de novas pistas. Nessa trajetória, o “totem-símbolo” de tudo isso, os espaços físicos onde as faculdades  territorializam-se.

Nas visões dos egressos se avista o curso vivo e mais real. Analisar esses cursos implica observá-los não apenas de fora ou para fora. Requer ultrapassar suas finalidades proclamadas, seus discursos e intenções, bem como os termos da lei. É preciso entrar/sair deles. Desvelá-los em suas funções educacionais na sociedade. As Faculdades revelam-se na sua estrutura arquitetônica mas não são o prédio, a sala de aula, a secretaria, o pátio ou o jardim. Nem mesmo a (não) biblioteca, o (não) laboratório. Tudo isto estará morto, sem as pulsações que lhe dão vida: o cotidiano do trabalho de (in) formar. Ações e práticas dos sujeitos coletivos, dando-lhes significado e sentimentos. As Faculdades, aqui, revelam-se na rede de pontos e contrapontos, tempo e contra-tempos enredando também os seus egressos. Condições objetivas e subjetividades esboçadas em distintos desejos e projetos, a um só tempo complementares e opostos,  que constituem o que Bourdieu (1996) chama de “os excluídos do interior”.

Falar, como se faz muitas vezes, de “má-formação docente” é atribuir indistintamente ao conjunto de uma categoria extremamente diversificada e dispersa um “estado”, em si mesmo, mal identificado e mal definido.

É claro que o universo das IEES e das populações correspondentes constitui um continuum, do qual a percepção comum apreende apenas os dois extremos: por um lado, os estabelecimentos improvisados, cuja multiplicação fez-se, de maneira precipitada, no interior do Estado, para acolher populações de alunos cada vez mais numerosos e mais desprovidos do ponto de vista cultural e, por outro, as instituições que detém maior credibilidade, por diferentes motivos. Todavia, proponho um outro olhar...

Essa investigação me fez reforçar, como nunca, a crença na necessidade de trabalhar em cada faculdade no sentido de robustecer a formação inicial e continuada dos professores, de modo a encorajá-los a tornarem-se questionadores de sua própria ação e das circunstâncias que os envolvem, possibilitando-lhes formular um autêntico compromisso social que os leve à conquista da autonomia na busca de melhores condições de vida e de trabalho de alunos e educadores.

Os resultados dessa investigação reforçam a revelação de outros estudos de que o professor, em geral, mostra-se angustiado pelo desprestígio econômico e social de sua profissão. Encontra justificativas em declarações estereotipadas e acríticas sobre a inadaptação e o insucesso dos alunos (e seu) na escola em que ele trabalha, atribuindo à sua má formação na faculdade. Desconsidera os ensinamentos de seu curso de licenciatura privilegiando os de sua “prática”.

Pude constatar que o professor continua desenvolvendo suas ações pedagógicas, profissionais e, em certos casos, também as sociais, desprovido de um posicionamento construído criticamente sobre educação. A conscientização por parte do docente, de suas crenças, de seus conhecimentos e das conseqüências de suas ações sobre os outros pode levá-lo a refletir sobre sua política como profissional e como pessoa situada historicamente em seu grupo social.

O egresso, em muitos casos e neste estudo, teve aulas que cumpriam programas preestabelecidos, com os quais pode até não concordar, mas se constrange a contradições no estilo de ensinar e pensar, deixando-se levar pela rotina e pela inibição em reagir à ansiedade que o invade ao reconhecer a necessidade de assimilar as profundas transformações que se produziram no ensino, na sala de aula e na sociedade, adaptando, conseqüentemente, seu ensino e seu papel político-social na profissão magistério, tornando-se desestimulado e adiando experiências inovadoras que porventura poderia trazer para a sua sala de aula. A ausência de atitude crítica-reflexiva expressa-se, principalmente, na transferência de responsabilidades pelos insucessos escolares, na falta de eleição de prioridades a serem discutidas e atendidas no contexto escolar.

As concepções dos egressos a respeito da relação teoria e prática pedagógica e da própria didática e práticas de ensino não lhes permitem o reconhecimento de que a prática educativa é histórica e social e de que pensamento, linguagem e ação estão em comunicação constante. O entendimento de que a teoria se desenvolve mediante a ação e reflexão permanentes surgirá com a compreensão de que teorias, modelos, sugestões de atividades e técnicas educacionais não funcionam simplesmente, como “receitas de bolo”, as quais também, dependendo das condições dos ingredientes e da inabilidade de quem faz uso delas, podem não dar certo.

Na busca de caminhos que melhorem a qualidade da educação escolarizada e mesmo da formação e profissionalização docente, partir da construção da identidade profissional individual e coletiva dos docentes é uma alternativa estimulante. Preconizar junto aos egressos envolvidos no estudo, assim como aos professores em geral: a) trabalho em equipes para estudo e planejamento, desprovido de argumentos em defesas de falsa autonomia e de justificativas de perda de tempo; b) organização de sua própria formação continuada; c) revisão das didáticas, práticas e conteúdos desenvolvidos tanto nos cursos de formação quanto na sala de aula assumida pelo professor; d) discussão, reflexão e resolução de problemas educacionais e profissionais, com estudo de conceitos e percepções.

A socialização do trabalho escolar valorizado e utilizado pelos professores é uma forma de garantir a partilha do conhecimento, da prática e da responsabilidade com colegas, pais, alunos e administradores.

Esse trabalho apresenta um conjunto de informações e interpretações não esgotadas que podem servir para elaborações mais profundas e para alertar sobre a realidade política, econômica, social e pedagógica das faculdades espalhadas pelo interior goiano, das classes de alunos concretos, assim como sobre a expressão das relações da educação com a sociedade a serem conhecidas criticamente, de modo a permitir a compreensão das práticas educativas concretas e suas repercussões, além das formas de melhorias reais.

É importante, também, que aqui se veja o egresso como um profissional no exercício de sua função e não apenas como uma pessoa desatualizada e descomprometida com o êxito de sua atividade, ou ainda, como uma vítima dos salários baixos e das más condições de trabalho, que faz o que pode para atender a “crianças carentes em todos os aspectos”.

As limitações, temporalidade e incompletude de um trabalho de investigação, ao se avaliar a angústia em querer apontar e analisar todas as percepções geradas no período de investigação da formação e profissionalização docente dos egressos, incitam a reconhecer a necessidade do desencadeamento de ações mais prementes às principais conclusões.

Por outro lado, espero que a divulgação do conhecimento obtido neste estudo venha a contribuir significativamente com mudanças, novas ações no tocante à educação superior em Goiás, outros estudos, apoio a discussões e elaboração de propostas diferenciadas nas aulas e nos cursos de licenciaturas das Universidades, além de ensejar outras pesquisas nas linhas de profissão e formação do professor, didáticas e práticas de ensino sempre na tentativa de minimizar a profunda dificuldade no enfrentamento da socialização do docente na profissão, aproximando o mais possível o ensinar e o aprender.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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RESUMO

  A ATIVIDADE DOCENTE DE EGRESSOS DA LICENCIATURA EM GEOGRAFIA: O FAZER-SE TRABALHADOR- PROFESSOR.

  GT 07 Geografia

Edna Duarte de Souza

UEG - Universidade Estadual de Goiás

e-mail: emaedna@uol.com.br

 

RESUMO

Este estudo resulta de pesquisa concluída tendo como tema a formação e a profissionalização docente, com destaque para o papel da didática nesta formação. Investigação sintonizada com o contexto de proposta de mudanças da escola, de implementação de reformas educativas, de redefinições da formação de professores e desvalorização social da profissão docente. Possibilita uma avaliação dos cursos de licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG)  através da caracterização dos egressos e das representações que eles fazem dos seus cursos de formação. Mais do que comprovação de hipóteses, a pesquisa apresenta o delineamento de tendências e o mapeamento de possibilidades nesse campo de estudo.

 

PALAVRAS-CHAVES:

 

Formação, profissionalização, didática, egressos.

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