A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

 

Luciano Alves de Oliveira[1]

 

Resumo: A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa a reparação de uma dívida social com todos aqueles que não tiveram oportunidade de acesso ou conclusão dos estudos na idade apropriada. Esta modalidade de ensino só passou a ser valorizada como política pública a partir do processo de industrialização nacional, quando passa a ser necessária a formação de mão-de-obra especializada e qualificada para o aumento da produtividade. Com os estudos de Paulo Freire nos anos 60, uma nova concepção de EJA é desenvolvida. Estes estudos são brutalmente interrompidos pelo golpe militar de 1964. Como todas as demais disciplinas que compõem os currículos do ensino fundamental e médio, a Educação Física deve recontextualizar os conhecimentos oriundos dos seus conteúdos de acordo com as características, necessidades e interesses dos alunos da EJA.

 

Apresentação

Este trabalho é uma adaptação da monografia final de curso, apresentada como requisito obrigatório para a conclusão do curso de licenciatura plena em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia de Goiás, orientado pela Professora Ms. Perpétua do Socorro Nunes de Melo, com o título de Educação Física na Educação de Jovens e Adultos.

O trabalho original apresenta os resultados desta pesquisa em quatro capítulos: no primeiro, estão expostas considerações acerca da EJA, reconhecendo nos diferentes momentos históricos os interesses e o valor contidos nas políticas públicas destinadas a educação de jovens e adultos. Neste capítulo relatamos considerações acerca da legislação vigente, destacando a aparente valorização da EJA na nova lei de diretrizes e bases da educação brasileira, que na verdade esconde o “processo de desqualificação” desta modalidade de ensino.

No segundo capitulo, narro algumas experiências como professor de Educação Física na EJA, evidenciando as minhas principais dificuldades e sensações decorrentes da prática docente.

No terceiro capítulo, a partir do trabalho com turmas de jovens e adultos evidenciamos o entendimento sobre a Educação Física e detectamos os principais pontos a serem observados pelo professor para desenvolver uma proposta da Educação Física apropriada para a EJA.

O quarto capítulo finaliza o trabalho, mas ao mesmo tempo consiste no ponto de partida de várias outras pesquisas que pretendo, e que é preciso, fazer. Muito mais do que com conclusões, este trabalho termina levantando questões que ainda precisam de respostas.

As considerações contidas neste trabalho visam: (1) compreender a Educação de Jovens e Adultos, seu processo histórico e a legislação vigente; (2) entender como deve ser compreendida a Educação Física nesta modalidade de ensino; e (3) compreender como deve ser desenvolvida uma proposta para a Educação Física na Educação de Jovens e Adultos.

Trata-se, portanto de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso. Para a construção deste conhecimento foram analisados: (1) documentos oficiais: Parecer CNE/CEB 11/2000, que trata das Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos; Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: segundo segmento do ensino fundamental: 5º a 8º séries (2002); Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96). (2) literatura pertinente ao tema, como a História da Educação e da Educação Física.

O QUE É A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS?

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica, que abrange as etapas do ensino fundamental e médio. Representa a reparação de uma dívida social com todos aqueles que não tiveram oportunidade de acesso ou conclusão dos estudos na idade apropriada.

Essa dívida é um legado de um passado perverso e excludente, que se prolonga num presente com divisão social em classes, onde muitos continuam não tendo acesso e outros têm uma escola precária e de má qualidade.

Não ter acesso à educação básica de qualidade é viver sem o esclarecimento do mundo, viver na ignorância e no medo. Socialmente é estar marginalizado culturalmente, impossibilitado de exercer plenamente a cidadania, e mais, é não estar qualificado para o mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo.

Reparar essa realidade excludente, dívida inscrita na nossa história e na vida de tantos brasileiros, é um imperativo e uma das funções da EJA. Deste modo, destaca-se a função reparadora da EJA, que busca a restauração de um direito negado – o direito a uma escola de qualidade.

Função Reparadora: não se refere apenas à entrada de jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração de um direito a eles negado – o direito de uma escola de qualidade –, mas também ao reconhecimento da igualdade antológica de todo e qualquer ser humano de ter acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Mas não se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento. Para tanto, é indispensável um modelo educacional que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessidades de aprendizagem especificas de alunos jovens e adultos. (Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, 2002:18).

 

A contextualização dos conhecimentos inerentes ao ensino fundamental e médio é uma das diferenças entre o Ensino Supletivo e o que hoje chamamos de EJA. Portanto, é preciso reconhecer as especificidades dos alunos, reconhecer seu passado de exclusões e fracassos, as suas limitações, mas também as suas habilidades.

Dessa contextualização e reconhecimento de que esses alunos não tiveram oportunidades de acesso ou conclusão dos estudos, destaca-se a função equalizadora da EJA.

A equidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, considerando as situações específicas. (Parecer CEB nº 11/2000:10).

 

Sendo esses alunos já desfavorecidos frente aos demais cidadãos, é preciso oferecer-lhes proporcionalmente maiores oportunidades que aos outros. Oportunidades de novas inserções no mundo de trabalho, na vida social, nos espaços da estética e nos canais de participação. Assim, a EJA deve se constituir efetivamente num caminho de desenvolvimento dos educandos, valorizando suas experiências e habilidades, ajudando-os a apreender novas formas de cultura e trabalho.

Da tarefa de proporcionar a todos a atualização de conhecimentos, levando-se em conta que o potencial de desenvolvimento do ser humano é por toda vida, destaca-se a terceira função da EJA.

A função permanente ou qualificadora, mais do que uma função é o próprio sentido da EJA. A formação desses alunos deve considerar bem mais do que a obtenção de certificados, é preciso qualificar estes alunos de forma que possam prosseguir em seus estudos, tanto no sentido de obter o ingresso no nível superior de educação quanto no sentido de prosseguir o desenvolvimento e a atualização de conhecimentos fora do ambiente escolar.

Função Qualificadora: refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvolvimento e adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não-escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da educação de jovens e adultos. (Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, 2002:18).

 

PROCESSO HISTÓRICO

A oferta de “cursos” destinados à população adulta no Brasil existe desde os tempos de Colônia. Os padres jesuítas através da alfabetização e catequização defendiam os interesses da coroa portuguesa, que eram o controle dos costumes e da moral dos colonos, incluindo a conversão do índio ao catolicismo tornando-o dócil. Mas de forma geral a educação não era valorizada, pois não era necessária ao modo de produção da época.

Nesse contexto, a educação não é meta prioritária, já que não há necessidade de formação especial para o desempenho de funções na agricultura. Apesar disso, as metrópoles européias enviam religiosos para o trabalho missionário e pedagógico, com a finalidade principal de converter o gentio e impedir que os colonos se desviem da fé católica. (Aranha,1996:99).

 

A revolução industrial condicionou a nova configuração do mercado de trabalho, surgindo à necessidade de mão-de-obra especializada e qualificada, com conhecimentos básicos de leitura/escrita e cálculos. A alfabetização dos trabalhadores passa a ser uma necessidade no novo modo de produção.

Portanto a educação destinada à população adulta só passou a ser necessária e, portanto valorizada após a mudança do modo de produção, ou seja, somente a partir do processo de industrialização brasileira a educação de jovens e adultos passa a ser discutida como política pública.

Por sua vez, o desenvolvimento industrial brasileiro contribuiu para a valorização da educação de adultos sob pontos de vista diferentes. Havia os que a entendiam como domínio da língua falada e escrita, visando o domínio das técnicas de produção; outros, como instrumento de ascensão social; outros ainda, como meio de progresso do país; e finalmente, aqueles que a viam como ampliação da base de votos. (Cunha, 1999:10).

 

Historicamente, o Brasil passou por três importantes momentos no processo de industrialização nacional, o primeiro no governo Vargas, o segundo no governo JK e o terceiro com a ditadura militar. Em todas elas a educação de jovens e adultos foi evidenciada como mecanismo de formação de mão-de-obra técnica qualificada.

Pela forma como se deu o processo de valorização da educação de pessoas adultas e jovens no Brasil, extremamente ligado aos interesses do capitalismo industrial, deve-se questionar a qualidade daquele ensino.

É importante percebermos que a implementação de cursos destinados à população adulta não tinha o compromisso de formar o cidadão consciente e agente socialmente, pelo contrário à oferta de tais cursos buscava a formação de mão-de-obra técnica especializada. Fundamentados na filosofia positivista os conteúdos eram passados de forma que os educandos aprendessem não só as técnicas profissionais, mas também internalizassem o comportamento desejado e a moral dominante.

A constituição de 1891 concede o direito ao voto somente aos alfabetizados, neste quadro a educação dos adultos passa a servir aos perversos interesses político-partidários, que procuravam através da oferta de classes alfabetizadoras incucar a ideologia partidária e com isso o aumento das bases eleitorais.

O espírito liberal norteia todas as políticas públicas adotadas em relação a EJA. A falta de estudo do povo é entendida como causa das desigualdades sociais e do atraso nacional frente aos países mais desenvolvidos; e o individuo excluído da escola era culpado pelo seu fracasso sendo tomado por preguiçoso, incapaz e marginal.

A partir da década de 60 (séc. XX), um novo paradigma para a Educação de Jovens e Adultos começa a ser estabelecido através dos estudos de Paulo Freire.

Esse novo paradigma pedagógico se pautou num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabeto passou a ser interpretado como efeito da pobreza gerada por uma estrutura social não igualitário. (Cunha, 1999:11-12).

 

Paulo Freire representa um marco histórico na trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil. Sua pedagogia crítica partia do princípio de que a sociedade está dividida em classes, com uma minoria dominante com interesses contrários aos interesses da maioria dominada. Assim sendo, a educação destinada aos trabalhadores, segundo Paulo Freire, deve estar voltada aos seus interesses de classe.

Outro ponto de destaque em seu trabalho pedagógico é a construção da identidade própria da educação de jovens e adultos, ou seja, o reconhecimento e a valorização das experiências e habilidades adquiridas ao longo da vida dos educandos, utilizando a visão de mundo dos alunos como ponto de partida para novos conceitos necessários e importantes para o pleno exercício da cidadania.

A ditadura militar reprime todos os trabalhos que vinham sendo realizados com base numa filosofia de intervenção e transformação social. Como resposta, o governo militar implantou o Mobral e o Ensino Supletivo.

Com o fim da ditadura dá-se início ao processo de redemocratização nacional, ainda nos anos 80 (séc. XX) é promulgada uma nova constituição que amplia o dever do Estado com relação à educação; posteriormente já nos anos 90 (séc. XX) entra em vigor uma nova LDB da educação que irá reservar uma seção especifica para a Educação de Jovens e Adultos.

LEGISLAÇÃO VIGENTE

Com a abertura política proporcionada pelo fim da ditadura, um novo horizonte parece surgir para a EJA. A constituição de 1988 amplia o dever do Estado para com a educação, garantindo a todos o direito de acesso ao ensino fundamental, inclusive aos que a ele não tiveram acesso na idade apropriada.

A nova LDB (Lei 9394/96) também parece valorizar a EJA reservando uma seção exclusiva ao tema, mas não demorou muito para o que parecia ser um novo horizonte se transformasse no processo de desqualificação dessa modalidade de ensino.

Os primeiros passos foram dados pelo governo Collor, que fechou a Fundação Educar e criou o PANAC – Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania – que sem apoio financeiro e político nem chegou a ser realmente efetivada.

A ruptura legal iniciou-se no momento em que a Proposta de Emenda Constitucional º 233, posteriormente transformado em Projeto de Lei nº 92/96, foi lançada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Embalado pelo discurso de desqualificação da educação de pessoas jovens e adultas contido nas propostas e orientações de alguns educadores brasileiros e dos assessores do Banco Mundial, a proposta de emenda constitucional introduziu uma novidade: a destituição de direitos. (Haddad, 2000:114).

 

Essa “novidade” ocorreu por conta de uma sutil alteração no Art. 208 da Constituição Federal de 1988, de forma que o governo manteve a gratuidade, mas suprimiu a obrigatoriedade de oferta.

Observe o texto original e como ficou a emenda:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. (Constituição Federal de 1988).

 

E assim ficou:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria (Constituição Federal de 1988, alterada pela Emenda Constitucional nº 233).

 

O governo FHC ainda suprimiu do Art. 60 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que firmava o compromisso de eliminar o analfabetismo num prazo de dez anos.

Ao suprimir o combate ao analfabetismo do artigo 60 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, o governo FHC abriu caminho para que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fechasse os olhos para o enorme contingente de pessoas jovens e adultas que não tem domínio da leitura, da escrita e das operações matemáticas elementares. (Haddad, 2000:118).

 

Em 1996 as políticas públicas destinadas a EJA demonstravam claramente o processo de desqualificação da educação de jovens e adultos, e é nesse cenário que é aprovada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 – que vem complementar o processo de desqualificação da EJA.

A nova LDB vem completar este movimento de transformar a educação de pessoas jovens e adultas em uma educação de segunda classe. Evidentemente, isto não se expressa aos olhos de um leitor desavisado, que não vem acompanhando a conjuntura em que a lei foi produzida, podendo ser enganado com pelo menos dois fatores: o fato de a lei considerar um a seção para a Educação de Jovens e Adultos e a sua aparente flexibilidade. (Haddad, 2000:117).

 

Apesar da Lei destinar uma seção especifica para a educação de pessoas jovens e adultas, em nenhum momento ela se refere à questão do analfabetismo. Outro ponto importante é o fato de que a nova LDB deixa de contemplar algo que, segundo Haddad, é fundamental para a EJA:

Uma atitude ativa por parte do Estado no sentido de criar as condições de permanência de um grupo social que tem de realizar um esforço redobrado para freqüentar qualquer programa de educação. (Haddad, 2000:121).

 

As diretrizes Curriculares Nacionais (Parecer CEB 11/2000) estabelecem que, sendo a EJA modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, os componentes curriculares destas etapas valem para a EJA.

Ora, sendo a EJA uma modalidade da educação básica no interior das etapas fundamental e média, é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela toma para si as diretrizes curriculares nacionais destas mesmas etapas exaradas pela CEB/CNE. (Parecer CEB 11/2000:60).

 

Entretanto, os conhecimentos inerentes a componente do currículo fundamental e médio devem ser recontextualizados segundo as características, necessidades e interesses de classe dos alunos que formam essa modalidade especial da educação básica.

É preciso, portanto, conhecer quem são os alunos que compõem essa modalidade de ensino. A Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos (2002), referentes ao segundo segmento do ensino fundamental (5º a º série) traça o perfil destes alunos através de um levantamento estatístico.

Através dessas estatísticas (Anexo) observamos que em Goiás o perfil dos alunos da EJA é o do individuo na faixa etária adulta, com filhos e vindo de outros Estados. Trabalha desde a infância e ganha em média de 1 a 2 salários mínimos por uma jornada de trabalho de 6 a 8 horas diárias. Tem planos de um dia mudar de profissão e melhorar a qualidade de vida, e utiliza os conhecimentos apreendidos na escola no trabalho.

Mediante as características acima, evidenciadas nos dados estatísticos do Ministério da Educação, o trabalho pedagógico de recontextualizar os conhecimentos oriundos dos componentes curriculares do ensino fundamental e médio para a educação de jovens e adultos, segundo as características, necessidades e interesses de classe dos alunos, deve considerar:

O mundo do trabalho. Tendo em vista que a complementação dos estudos é parte de um projeto amplo de cidadania que proporcione novas possibilidades de inserção profissional. O trato com os conteúdos referentes às disciplinas que compõe o currículo dos cursos de EJA deve levar o aluno a refletir sobre o mundo do trabalho, seus processos e produtos.

A distinção das faixas etárias. Apesar de comumente compartilharem situações de desoportunidade, as expectativas e as habilidades desenvolvidas dos jovens não são coincidentes as dos adultos.

O impacto dos meios de comunicação. Buscando a reflexão dos alunos de como os meios de comunicação em massa, interferem e determinam situações e comportamentos sociais.

A procedência migratória e as manifestações culturais regionais. Que na verdade é exatamente reconhecer os conhecimentos de vida de cada um, a integração entre diferentes culturas, a troca de experiências englobadas dentro de uma macro-cultura brasileira.

A necessidade de se recontextualizar os conhecimentos do currículo fundamental e médio representa a garantia da oferta de uma educação de qualidade ligada politicamente aos interesses e características dos alunos que freqüentam os cursos de EJA.

EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Sendo a Educação Física componente da educação básica, nas etapas fundamental e médio, a sua oferta estende-se também a Educação de Jovens e Adultos, que como os demais componentes do currículo, a Educação Física tem que recontextualizar seus conhecimentos frente à identidade própria desta modalidade de ensino.

É preciso compreender a inserção da Educação Física nos cursos destinados à população jovem e adulta representa a possibilidade de contato com a cultura corporal de movimento; e que o acesso a esse corpo de conhecimentos é um direito de todos os cidadãos brasileiros.

O trabalho de recontextualização dos conhecimentos inerentes a cada componente curricular, no nosso caso específico a Educação Física, segundo as características, necessidades e interesses dos aprendizes é muito importante para atender às necessidades de aprendizagem dos alunos jovens e adultos, que não são as mesmas dos alunos do ensino regular.

Para o desenvolvimento de uma proposta para a Educação Física é importante se destacar que, embora a Educação Física não deva deixar de trabalhar com os conhecimentos fisiológicos e desportivos, a idéia de ensinar apenas o gesto motor é ultrapassada, ao contrário o professor precisa incentivar a reflexão critica dos seus alunos para os significados de cada prática corporal, estar atento à inclusão de todos nas aulas e ao princípio da diversidade.

O princípio da diversidade precisa estar presente ao se buscar uma aprendizagem significativa, entendida aqui como a aproximação entre os alunos e o conhecimento construído pela cultura corporal de movimento ao longo do tempo. A escolha de objetivos e conteúdos deverá se pautar pela diversidade presente nas vivências dos diferentes grupos que chegam à escola. Esse movimento ocorre a cada novo período e pode ser associado às possibilidades de relacionamento com outras áreas do conhecimento, dentro dos projetos de trabalho ou mesmo dos conteúdos segmentados e predeterminados no planejamento. (Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, 2002:199-200).

 

A Educação Física constitui-se num instrumento de inserção social, de exercício da cidadania e da melhoria da qualidade de vida. Cabe a nós professores o papel de formar cidadãos capazes de produzir, reproduzir e transformar a sua cultura, capaz de utilizar os novos conhecimentos sobre os esportes, os jogos, as lutas, as danças e as ginásticas para a melhoria da qualidade de vida.

Duas questões norteiam o trabalho de recontextualização dos conhecimentos da Educação Física para a EJA:

- Quais são as características dos alunos?

- O que considerar neste processo?

Os alunos de EJA já possuem uma representação da escola, da atividade física e da Educação Física escolar, formada a partir das vivências que compõem a história pessoal de cada um... Essas representações podem ser positivas ou negativas. (Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, 2002:194-195).

 

É necessário que o professor faça o levantamento junto ao aluno de como foram suas aulas e experiências anteriores, ou seja, que o professor procure conhecer seus alunos e os conhecimentos e concepções que estes trazem consigo a respeito dos conhecimentos trabalhados na aula. Esta é uma ferramenta importantíssima no planejamento docente.

Reconhecer as concepções que os alunos trazem sobre a Educação Física é ao mesmo tempo a valorização dos conhecimentos adquiridos por cada um ao longo da vida e ponto de partida para a construção de novos conceitos que superem os antigos fundamentos.

Quanto ao o que se considerar no processo de contextualização dos conhecimentos da Educação Física frente às características e necessidades da EJA, o professor deverá observar o mundo do trabalho; a distinção entre as faixas etárias; o impacto dos meios de comunicação; a procedência migratória e as manifestações culturais regionais.

Para a Educação Física na EJA, tão importante quanto a consideração dos conhecimentos e habilidades dos educandos adquiridos ao longo da vida é esclarecer os valores difundidos pela mídia em torno da cultura corporal de movimento. Portanto a Educação Física não pode ignorar o que retrata os meios de comunicação e o imaginário que com isso ajudam a criar.

Convencionou-se o esporte como a principal manifestação corporal, que passou a ser comercializado como produto de consumo freqüentemente estimulado. É um mercado que movimenta milhões de reais anualmente no Brasil com o comércio de materiais e equipamentos desenvolvidos com tecnologias que se renovam a cada nova estação.

A mídia também promove a padronização do corpo, onde o modelo adotado não abre espaço para a diversidade de padrões estéticos do povo brasileiro. O corpo ideal apresenta-se na figura do jovem branco e musculoso para os homens e a jovem branca e magra para as mulheres. Às vezes a beleza negra é evidenciada, mas sempre vista como exótica e não como uma característica presente na maioria das pessoas deste país.

Paralelamente a esta via perversa de comercialização da cultura corporal de movimento há, de forma positiva, a preocupação de conscientizar a população a respeito dos benefícios e a importância da prática constante de atividades físicas moderadas como fator colaborador para a melhoria da qualidade de vida.

Como foi acima apresentado, os meios de comunicação em massa criam uma representação unilateral da cultura corporal, que voltada aos interesses comerciais elege o esporte como principal manifestação da cultura corporal transformando-o e em produto de consumo, criando um padrão de corpo totalmente contrário à realidade dos indivíduos da nação. Mas também colabora de forma positiva quando divulga os benefícios profiláticos das práticas corporais, incentivando o hábito de exercitar-se diariamente de forma moderada e regular.  Portanto o professor de Educação Física deve estar atento ao que é estimulado na mídia e preocupado em freqüentemente dialogar com seus alunos a esse respeito.

Mediante a procedência migratória dos alunos da EJA em Goiás, a escolha dos conteúdos deve considerar a diversidade de manifestações culturais regionais existentes, abrindo espaço para que os alunos possam demonstrar seus conhecimentos e trocar experiências.

A diversidade de manifestações culturais está ligada à cultura popular, que é muito valorizada nas comemorações religiosas, onde o cidadão encontra um lugar de expressão daquilo que acredita. Outras vezes as manifestações culturais do corpo estão ligadas à história local.

De qualquer forma, seja pelo conhecimento popular ou pela crença religiosa, as manifestações culturais se apresentam na forma de cantigas de roda, em danças e festejos populares, intrínsecos nos jogos tradicionais e até mesmo na forma de luta, como é o caso da capoeira. Todos estes elementos são constituintes da cultura corporal de movimento popular e, portanto objeto de estudo da Educação Física na escola.

Em Goiás, conforme dados do Ministério da Cultura e Educação, 63% dos alunos que freqüentam as classes de EJA são trabalhadores, e 93% desses trabalhadores utiliza os conhecimentos apreendidos na escola no trabalho. Portanto a abordagem do mundo do trabalho é indispensável para o processo de contextualização dos conteúdos da Educação Física.

Historicamente a Educação Física está ligada ao universo do trabalho e é importante que os alunos entendam esse processo. Que desde as primeiras décadas da industrialização já existe a preocupação com a obtenção de corpos treinados e aptos às duras jornadas de trabalho com o máximo de produtividade. Que hoje essa preocupação se apresenta como nos programas de ginástica laboral, que visam aumentar a produtividade proporcionando momentos de relaxamento e bem estar, assim a idéia é que se sentindo melhor os operários trabalham com mais disposição aumentando com isso a produtividade e o lucro dos patrões.

Mas as práticas corporais não serviram apenas aos interesses do empregador, hoje existem iniciativas políticas que defendem o lazer como um direito de todos, principalmente um direito do trabalhador. A Educação Física cumprindo seu papel de formação do cidadão autônomo deve proporcionar os conhecimentos necessários para que os alunos possam se auto-organizarem para melhor aproveitarem seus momentos de tempo livre, transformando-os em momentos de lazer saudável e amistoso.

O mercado de trabalho cada dia mais competitivo, agora exclui não só pelo excesso de contingente, mas também pela falta de qualificação. Contextualizar o mundo do trabalho para a Educação Física é refletir com os alunos acerca de todos esses processos que envolvem e unem as práticas corporais ao universo da produtividade.

Integrada a proposta pedagógica da escola a educação Física deve participar da discussão dos temas transversais escolhidos pela escola, apresentando propostas conforme as necessidades dos educandos.

Assim passam a integrar a Educação Física objetivos como a inserção de todos nas práticas corporais, o resgate da cultura corporal de movimento regional, a reflexão sobre a mídia na sociedade contemporânea, s valorização de práticas corporais prazerosas e a compreensão e a analise crítica dos valores sociais por destras dos gestos motores.

Enfim ensinar e aprender Educação Física na educação de adultos e jovens é respeitar e valorizar a diversidade de conhecimentos adquiridos ao longo dos anos pelos educandos, formando-os cidadãos esclarecidos e emancipados sobre sua cultura, aptos a continuarem seus estudos.

CONCLUSÕES

Ao longo desta pesquisa pude verificar como a Educação Física é malvista pela comunidade escolar e pelas autoridades públicas. Fruto de uma concepção de Educação Física sem preocupação com a realidade e as particularidades dos alunos. E como o curso de graduação em Educação Física foi deficiente com relação ao tema. Aliás, de uma forma geral pude perceber como a Educação Física não se preocupa com essa modalidade de ensino tão importante e de uma relevância social tão imprescindível.

Não foi nosso propósito propor uma metodologia própria para a Educação Física na EJA, e sim esclarecer os principais pontos de referência no processo de recontextualização dos conteúdos. Muito mais do que conclusões, este trabalho se encerra com muitos questionamentos que precisam encontrar respostas nas novas pesquisas que a Educação Física necessita e tem a obrigação acadêmica de realizar. A formação acadêmica dos professores da EJA, os programas propostos nas escolas públicas da cidade, a visão dos alunos sobre a disciplina, esclarecimentos sobre a legislação e a política orçamentária são alguns exemplos do vasto território a ser desbravado.

Por fim, acreditamos que as informações aqui contidas contribuíram para o desenvolvimento da ciência, que se constituem em fontes seguras e esclarecedoras. E apesar de todas as dificuldades que uma pesquisa apresenta, os resultados foram satisfatórios, não só pelo produto quanto por todo o processo.

 

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[1] Formando em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás – Und. ESEFFEGO.

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