IMPRESSÕES DO FACILITADOR NA EDUCAÇÃO CORPORAL

Celisa Laureano Prata Cardoso – Departamento de Biologia Geral-UFGO

RESUMO:

O estudo proposto tem como objetivo o relatar através de um trabalho de campo realizado no Centro de Trabalho Muscular e Postural nos anos de 1998 a 2002, tendo como base teórica o movimento dito “humanista” na pedagogia, que conforme o livro Metodologia do Ensino de Educação Física (Soares,1993), se caracteriza pela presença de princípios filosóficos em torno do ser humano, sua identidade e valor, a educação corporal integral, que neste contexto propõe o repensar da prática e o alavancar de discussões acerca da ginástica individualizada. O mesmo traz sob uma nova ótica a importância do respeito à individualidade biológica, estrutural e emocional na integração e construção de significados que possam dar sentido a qualidade de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Educação - Corporal – Problemas Estruturais – Ambiente.

 

INTRODUÇÃO

A educação corporal, dentro do contexto das profundas transformações no mundo do trabalho contemporâneo, nos condiciona a ritmos alimentares e rotinas de vida, impostas pelo ambiente físico e o contexto no qual nos encontramos inseridos, rotinas estas que comprometem nossa qualidade integral de vida e limita nossa expressividade, criatividade, sensibilidade e participação social no processo de transformação.

 A Biologia e a Química servem como alicerce para a compreensão de quase todos os aspectos da nutrição, do exercício e da saúde (Katch & Macardle, 1996), cerceadas por recursos da Antropologia e buscando através de uma visão multidisciplinar, a investigação do perfil e da real busca do indivíduo integral num ambiente de atividade física. Ressaltando que, como Daolio (1994), utilizaremos o chamado “olhar antropológico”, para colocar em foco a atuação deste indivíduo, não em termos exclusivamente Biológicos, Químicos ou Antropológicos, mas num aspecto relacional que engloba a todos, já que na prática cotidiana o mesmo representa e constrói significados sobre essas áreas.

A estabilidade da massa corpórea e do aspecto geral de um indivíduo adulto e sadio esconde as grandes flutuações diárias do seu metabolismo. De fato, o hábito de ingerir alimentos através de refeições, submete o organismo humano a duas situações opostas que, gradativamente se alternam: abundância e escassez de nutrientes (Marzzoco & Torres, 1990). Além disso, a diversidade de composição das refeições, a diversidade metabólica individual e fatores culturais e emocionais, implicam em uma variação qualitativa e quantitativa de absorção destes nutrientes recebidos. Que conforme Tribastone, 2001 demonstram que o indivíduo é uma síntese dinamicamente complexa, na qual o corpo e a psique se integram ou interagem, formando uma unidade psicofísica indissociável, única, inconfundível e irreproduzível.

Algumas vezes, este desequilíbrio de energia associado a fatores sócio-econômicos e culturais, impostos em função de novos ritmos alimentares e rotinas de vida, condicionadas ao ambiente físico e o contexto no qual estamos inseridos, comprometem nossa qualidade de vida e nos proporciona pela falta de exercício físico e ambiente adequado de trabalho, a aquisição de doenças e problemas estruturais, causados pela relação forma orgânica, função e história de vida. Agravando ou causando alterações morfológicas estruturais (Tabela I) irreversíveis como os dimorfismos (Tribastone, 2001, p.14-15).

 

Tabela I – Alterações Morfológicas Funcionais e Estruturais

I: FORMAS FUNCIONAIS – relativas aos sistemas neuromuscular ou cápsulo-ligamentar (reversíveis).

Alteração Morfológica

Definição

Plasticidade

Ginástica Corretiva (Terapêutica)

Distúrbios Psicomotores

A: O indivíduo não conhece o próprio corpo;

B: Ele não sabe trabalhar o próprio corpo;

Reversível

 

Educação Psicomotora

Maus Hábitos Posturais

A: O indivíduo não adquiriu o controle do próprio corpo;

B: O indivíduo perdeu temporariamente o controle do próprio corpo;

Reversível

Reeducação Psicomotora

Paramorfismos

O indivíduo tem: “um conjunto de hábitos morfológicos paranormais, compreendidos entre os limites da normalidade e da patologia”.

Reversível

Reeducação Psicomotora

II: FORMAS ESTRUTURAIS – Relativas ao sistema esquelético (irreversíveis).

Dimorfismos

 

O individuo tem alterações patológicas.

Irreversível

Ginástica Ortopédica

 

Neste contexto a atividade para grupos especiais / diferenciados, vem sendo amplamente discutida, implantada e difundida em função dos resultados obtidos através de sua aplicação. Uma aplicação que prioriza o respeito da individualidade biológica, estrutural e emocional, onde o ambiente e a atividade são adaptados a estas limitações e especificidades, que busca na atividade humana, a construção e integração de significados que possam dar sentido a vida.

Apesar de individualizada, a atividade física num ambiente em grupo, permite ao indivíduo a troca de experiências e expectativas, com o educador físico que atua como um facilitador desta troca com o grupo, e com o próprio grupo em um processo de valorização e busca conjunta da motivação pela auto-estima e educação para a percepção corporal. Conforme Freire (1991), a ação humana é a expressão de uma complexidade que, no humano atinge um nível extremo, inclusive porque, a cada gesto, sua história e sua cultura são afirmadas. E que descrever o homem se movimentando é descrever sua inteligência. Descreve-lo em ato é descrever seus sentimentos, e assim por diante. E que descrever a motricidade é descrever um sistema em funcionamento. 

A ginástica personalizada, devidamente orientada, apresenta-se neste contexto como um valioso recurso para o bom equilíbrio do todo, representado pelo indivíduo, desde que além de bem orientada seja conquistada a persistência através da sensibilização e conscientização dos participantes, pois a mesma é um recurso a longo prazo e como tal deve ser aplicada de forma sistemática, com gradação e progressiva em grau e número de exercícios (Mercúrio, 1997). Devendo ser também observados o momento em que se encontra o indivíduo, flexibilizando seu programa de atividade física, em função de suas atividades diárias e tensões psicológicas que acabam resultando em tensão muscular.

Este texto tem como objetivo discutir uma tendência que há tempos figura dentro dos ambientes de atividade física, que são os trabalhos personalizados com grupos multidisciplinares, onde em muitos momentos interagem educadores físicos, fisioterapeutas e nutricionistas, tendo como objetivo a educação corporal integral.

 

METODOLOGIA

            O presente trabalho é um estudo de atividades desenvolvidas no Centro de Trabalho Muscular e Postural na cidade de Goiânia, onde se utilizou a abordagem qualitativa e algumas quantificações, tendo o trabalho muscular e postural centrado no indivíduo, como norteador dos procedimentos metodológicos.

            O levantamento de dados foi realizado no período de 1998 a 2002, e arquivados no Centro de Trabalho Muscular e Postural, onde foram correlacionados os problemas posturais detectados na avaliação fisioterápica, a idade e a atividade de trabalho. Foram analisados os problemas posturais mais freqüentes, bem como o processo de estar aluna e a interação das mesmas na aplicação do trabalho, freqüência e persistência no tratamento.

            O grupo de estudos constituiu-se de 126 mulheres, divididas conforme Weineck, 2000, tabela II, sendo que em sua maioria composta de sedentárias, esportistas esporádicas e esportistas não treinadas.

 

Tabela II – Divisão por faixa etária dos grupos de estudo - Weineck, 2000.

FASE

IDADE

Adulta Precoce

Adulta Média

Adulta Posterior

Adulta Tardia

18/20 – 30 anos

30 - 45/50 anos

45/50 – 60/70 anos

A partir de 60/70 anos

 

APLICAÇÃO DO TRABALHO

O trabalho foi desenvolvido de forma individualizada, num ambiente em grupo onde no momento da matrícula, em entrevista de avaliação com o educador físico, o mesmo solicita que se faça uma avaliação muscular e postural, com um profissional da área de fisioterapia, uma avaliação médica e se necessário em alguns casos de obesidade, gestação ou outros, solicita-se o acompanhamento de uma nutricionista, para redução, manutenção ou equilíbrio (no caso de gestante) do peso.

Na ficha constam alem da faixa etária, o tempo de atividade física, a descrição sintética do problema postural e/ou motivo da busca pela atividade física personalizada, quem indicou (médico, amigo, parente), e os exercícios a serem desenvolvidos.

Os exercícios são repetidos por dez aulas, sendo que na primeira aula a quantidade é determinada pela própria aluna, onde a mesma realiza quantas repetições consegue e a quantidade é anotada na ficha de acompanhamento. Nas aulas subseqüentes, a mesma tem o número aumentado de forma gradativa sendo que os exercícios abdominais e de membros inferiores são realizados em duas, ou três série conforme a necessidade prevista em avaliação precedente e disponibilidade de tempo da mesma.

Esta disponibilidade de tempo se faz necessária para a execução de todos os exercícios propostos de forma tranqüila, possibilitando que as mesmas se relacionem socialmente com as colegas e executem de forma correta e prazerosa todos os exercícios propostos. Quanto à execução, buscamos o resgatar do prazer da prática esportiva, tendo que 80% durante as atividades, relatou algum tipo de experiência dolorosa ou constrangedora nestas práticas.

 Após dez aulas acontece a troca dos exercícios objetivando a motivação e a mudança do estímulo em nível muscular, para que se mantenham os resultados obtidos, estudamos também uma constante combinação de exercícios buscando o aumento da coordenação motora, concentração e equilíbrio, além do fortalecimento e compensação das atividades de trabalho. O aumento das repetições, da carga (peso) e a troca de exercícios acontecem simultaneamente e de forma progressiva.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Constatou-se através da análise das fichas de acompanhamento das alunas nos anos de janeiro de 1998 a dezembro de 2002 uma “baixa rotatividade” das mesmas e uma progressão no número de indicações junto ao grupo de convívio, um predomínio de procura e permanência por alunas das faixas etárias entre adulta média adulta posterior conforme Weineck, 2000, Tabela II.

Observou-se também, que grande parte dos problemas morfofuncionais,

se davam em função das alterações posturais, adquiridas ou agravadas pelas atividades de trabalho desenvolvidas pela aluna, acompanhadas de fatores emocionais, como a timidez, a tensão em função das atividades acumuladas além do trabalho, como transporte de crianças, atividades domésticas e familiares e a participação em grupos organizados (igrejas, filantropia, estudos para concursos). Além da sobrecarga de peso corporal causada pelo alimento moderno, que é prático e hiper calórico, as instalações inadequadas do ambiente de trabalho que sobrecarregam e tencionam a musculatura, o ficar de pé ou sentada na mesma posição por longos períodos ou durante toda jornada de trabalho e o transporte de pesos e a execussão de atividades domésticas em posturas inadequada, dentre outras relatadas de forma dialogada.

Atividades estas, que levam pela dor e mal estar, que se instalam de forma lenta e gradual até se tornarem constantes, às mesmas a se submeterem a diversas sessões de fisioterapia, e após, a busca da chamada manutenção da ausência da dor, feita através da atividade física postural personalizada. Dores que conforme Knoplich (1995), são causadas pela falta de adaptação, física e psíquica, e do tipo de vida moderna, que reflete no fato de os músculos desempenharem suas funções, tensos e rígidos.

Quanto à atividade profissional as mesmas se organizam conforme Tabela III.

 

Tabela III – Profissão; QT = Quantidade de alunas; FEM =  Faixa etária média da comunidade estudada; LMÍN = Limite mínimo e LMÁX = Limite máximo.

PROFISSÃO

QT

FEM

LMIN

LMÁX

Administradora

2

42

34

50

Advogada

4

41,5

23

53

Analista de Sistemas

1

35

35

35

Aposentada (sem profissão definida)

2

58

53

63

Arquiteta

2

36,5

28

45

Arte Terapeuta

1

48

48

48

Assistente Social

2

46

41

51

Auditora

1

47

47

47

Bancária

6

41,6

36

46

Bancária (Aposentada)

1

53

53

53

Cabeleireira

1

45

45

45

Comerciária / Empresária

7

50

37

60

Contadora (aposentada)

1

70

70

70

Corretora de Imóveis

1

50

50

50

Odontóloga

9

44

25

64

Dona de Casa

14

50,85

27

73

Engenheira Agrônoma

1

49

49

49

Engenheira Civil

5

40,4

31

46

Escrevente Oficializada

1

42

42

42

Esteticista

2

58

56

60

Estudante

23

21,9

14

47

Farmacêutica

1

46

46

46

Fiscal (aposentada)

1

61

61

61

Fonoaudióloga

1

31

31

31

Funcionária Pública

9

46,3

30

65

Gerente de Salão

1

30

30

30

Industriaria

1

54

54

54

Jornalista

1

39

39

39

Médica Ginecologista

2

42,5

40

45

Médica Clinica Geral

1

45

45

45

Médica Pediatra

1

39

39

39

Pecuarista

1

32

32

32

Professora

12

45,75

36

63

Professora (aposentada)

1

61

61

61

Psicóloga

4

44

40

480

Relações Públicas

2

40

34

43

TOTAL

126

45,18

40,61

61,97

 

Na busca pela “manutenção da ausência da dor”, as mesmas, em grande parte conseguiram pelo ambiente motivador um aumento da auto-estima, a própria correção postural parcial, a manutenção da ausência da dor, a satisfação e o bem estar para a execução de suas atividades diárias e de trabalho, redescobrindo o corpo enquanto unidade indissociável.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Conclui-se que com a mecanização e instrumentalização do humano no processo evolutivo, o mesmo, tem se tornado um apêndice de equipamentos e do próprio ambiente de trabalho, sendo levado pelo desempenho e produtividade a uma busca frenética do ter. Deixando-o suscetível a lesões muitas vezes irreversíveis, podendo quando muito ser minimizadas por uma atividade orientada e direcionada, onde se entende por atividade individualizada não apenas a atividade com um indivíduo, mas sim o trabalho direcionado ao individual, buscando a integração da educação corporal, com o convívio em grupo considerando desejos e limitações, além de problemas posturais.

A partir de tais considerações, entendemos conforme Tribastone (2001) que o movimento humano não é só o impulso de um conjunto de alavancas, mas a expressão de sua totalidade. Considerando que o movimento, nas concepções atuais, apresenta-se como uma forma do pensamento, como expressão de um gesto de natureza interior.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo, Campinas: Papirus, 1994.

FREIRE, João Batista. Corpo e Alma, São Paulo: Summus, 1991.

KNOPLICH, José. Viva bem com a coluna que você tem, São Paulo:Ibrasa,1995.

KATCH, Frank I.; MACARDLE, Willian D.. Nutrição, exercício e saúde, Rio de Janeiro: Medsi, 1996.

MERCÚRIO, Ruy. Dor nas costas nunca mais, São Paulo: Manole, 1997

MARZZOCO, Anita; TORRES, Bayardo Baptista. Bioquímica Básica, Rio de Janeiro: Guanabara, 1990

SOARES, Lúcia Carmem et al. Metodologia do ensino de educação física, São Paulo: Cortez, 1993.

TRIBASTONE, Francesco.Tratado de exercícios corretivos, Barueri: Manole, 2001.

WEINECK, Jungen. Biologia do esporte, São Paul: Manole, 1991.

 

Endereço para correspondência

Celisa Laureano Prata Cardoso

E-mail: celisa_laureano@hotmail.com

Avenida Quitandinha, Quadra 88, Lote 08.

Setor Jaó

Goiânia – Go

CEP: 74673-060

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