Um novo modo de aprender Zoologia: aula prática. “Desvendando a história da origem da diversidade e distribuição de grupos de animais vertebrados existentes no Zoológico de Goiânia, GO.”

Welinton Ribamar Lopes

A importância do papel do professor no processo de ensino-aprendizagem é indiscutível. Cabe ao professor, no processo da construção do saber com seus alunos, algumas responsabilidades e competências. É responsabilidade do professor tomar decisões para selecionar, preparar, planejar e ensinar os conteúdos a serem ministrados para seus alunos, sempre, levando em conta as seguintes preocupações: "ensinar o quê, para quem e como?' '(...) Seu papel não é o de observador participante, mas o de participante observador que delibera dentro do cenário de ação'.

(Moreira pág. 94).

 

RESUMO:

 

Partindo do pressuposto de que no processo de construção do conhecimento cientifico o aluno deve desenvolver competências como observar, analisar e julgar hipóteses, além de tornar esse conhecimento expressivo, desenvolveu-se este projeto com a finalidade de utilizar o Parque Zoológico de Goiânia, como espaço para a aprendizagem significativa. Para tanto, o zoológico se mostrou como recurso pedagógico na aprendizagem de conteúdos como Evolução, Sistemática e Biogeografia. A apropriação desses conteúdos se deu de forma dinâmica e utilizando-se, de forma simplificada, do método filogenético. Dessa forma, o aluno pode compreender as razoes da diversidade dos seres vivos, bem como seu processo evolutivo e seus padrões de distribuição, através da analise de alguns grupos de vertebrados em exposição no Parque Zoológico de Goiânia.

 

INTRODUÇÃO:

As profundas mudanças na sistematização da Biodiversidade, a partir do estabelecimento dos métodos da Sistemática Filogenética (Hennig, 1966), culmina por exigir mudanças radicais na forma de ensinar e aprender zoologia.  O método de Hennig permite resgatar a história evolutiva dos grupos biológicos. Assim, a sistematização da diversidade biológica é resultado de sua própria ordem natural, ou seja, as unidades biológicas aparecem arranjadas num cladograma – a árvore filogenética – onde o parentesco entre as linhagens define os grupamentos de organismos.

Na classificação tradicional, estabelecida por Linnaeus (1734) e baseada na idéia criacionista, as espécies são entidades independentes e imutáveis. Esta Classificação tradicional, adotada atualmente no ensino/aprendizagem de Zoologia (quase 150 anos após o estabelecimento da Teoria da Evolução) revela-se obsoleta. Muito mais grave, é que se torna incoerente com as bases evolucionistas adotadas como norma para a explicação da origem da diversidade biológica. O resultado é uma biologia estática que exige, tão simplesmente, técnicas de memorização.

O confronto das idéias básicas em Biologia enfrenta problemas na sedimentação e, conseqüentemente, na sua transmissão. Evidentemente, a explosão das pesquisas “de ponta” no sentido da aplicabilidade tecnológica, vem sendo assimilada de modo crescentemente distorcido, já que se torna desvinculado de um conhecimento básico atualizado e coerente.

Além disto, o desconhecimento das novas idéias e conceitos em Biologia, a ausência da prática de refletir e analisar idéias gera situações conflitantes no estudo da vida. O exemplo clássico é próprio o tratamento da biodiversidade, onde as regras de classificação criacionistas são utilizadas na sistematização de elementos gerados por processo evolutivo.

A Biodiversidade resulta de diferentes fatores numa relação tridimensional: a forma (unidade biológica), no espaço (biogeografia) e no tempo (transformação). É um sistema dinâmico e complexo que está definido por dois aspectos obrigatórios: a diferença (identidade) e a semelhança (unidade), ambos resultantes do caráter diagnóstico da vida: a reprodução.

O processo de ensino/aprendizagem da Biologia, no perfil estático atual, precisa ser repensado. O universo biológico em transformação constante precisa ser entendido como tal. É urgente tornar o aprendizado um processo ativo, em que o estudante participe da construção das idéias a serem assimiladas.

Para promover uma aprendizagem em Biologia, que transcenda a mera memorização de nomes de organismos, sistemas ou processos, é importante que os conteúdos se apresentem como problemas a serem resolvidos com os alunos. Questionamentos que induzam a percepção do mundo em que se vive e, conseqüentemente, o conhecimento desse mundo, são essenciais para a apreensão das ciências da natureza, em especial a biológica.

Ensinar Biologia numa perspectiva construtivista parece lógico, já que pressupõe o professor como mediador do processo de aprendizagem e, o aluno, como construtor de seu conhecimento.

            Neste sentido, as atividades junto ao objeto de estudo, promovidas em excursões, são de fundamental importância. É impossível compreender o que não se vê, sente ou toca, quando o objeto é real, é material. As excursões têm características de estudo de campo e não de passeio, embora o fato de estar em contato com a natureza proporcione momentos agradáveis, lúdicos e de lazer.

Esse projeto visa proporcionar ao aluno o entrelace do conhecimento cientifico com o conhecimento do cotidiano, sistematizado através de observações dos animais existentes bem como sua distribuição geográfica, oportunizando, também,  o desenvolvimento de habilidades de observação, de registro, de comunicação, assim como atitudes e valores de respeito com a natureza e a atividade em grupo.

 

 

   OBJETIVO GERAL

            Utilizar o Parque Zoológico de Goiânia como espaço que permita aos alunos conhecer parte da biodiversidade animal, entendendo os processos envolvidos na geração desta Biodiversidade, ou seja a filogenia (história da vida): a forma (diversidade) no espaço (biogeografia) e no tempo (transformação).

 

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NESTE PROJETO

 

·        Observar e descrever as características dos animais;

·        Conhecer diferentes formas de obter informações (observação direta, experimentos, publicações, imagens e consulta oral);

·        Identificar e selecionar as informações de forma organizada, conforme o tipo de análise pretendida (textos, desenhos, tabelas, gráficos, esquemas, etc.);

·        Comparar, relacionar e deduzir informações;

·        Sintetizar resultados;

·        Expressar dúvidas, idéias e conclusões, formular questionamentos;

·        Apontar novos caminhos, novos problemas;

·        Entender a Biologia como ciência, ou seja, como um fazer humano, portanto relativa, temporária e sujeita a conjunção social;

·        Perceber a natureza em sua complexidade e dinâmica;

·        Desenvolver capacidade de atividades em grupo;

·        Desenvolver a prática do debate científico e o raciocínio lógico-dedutivo e teórico

 

MATERIAL E METODOLOGIA:

 

Inicialmente foi feito um planejamento de como se poderia proceder para uma melhor compreensão do processo evolutivo, bem como da distribuição dos seres vivos no planeta. Para tanto, foi escolhido como local para uma prática de ensino dinâmica e contextualizada o Parque Zoológico de Goiânia abordando a distribuição geográfica de alguns grupos dos animais bem representados na exposição.

Posteriormente foram promovidas discussões em sala de aula sobre o que seria Biodiversidade e o que a caracterizava. Aqui os alunos puderam perceber que a diversidade dos seres vivos se manifesta nas diferenças marcando uma identidade aos seres. No entanto, existe uma ordem neste universo – a biodiversidade não é caótica. Todos os organismos apresentam semelhanças entre si e isto revela a unidade do sistema. As diferenças e semelhanças  nos permitem inferir que existe um parentesco entre eles e o grau desse parentesco pode ser exposto numa filogenia que sintetiza a história evolutiva do universo. 

Neste processo ficou explícito o que é uma árvore filogenética e que esta traduz uma hipótese sobre a história evolutiva dos seres e seu possível grau de parentesco. Ficou evidenciada também a regra geral da Biodiversidade, segundo a qual, dentre três seres vivos diferentes, dois estão mais próximos filogeneticamente entre si que o terceiro.

Uma vez consolidado esses conceitos e métodos foi discutido sobre quais grupos de animais seriam analisados no zoológico e o porquê da escolha dos mesmos.

Foi elaborada uma ficha para coleta de dados contendo um mapa do mundo onde deveria ser anotado o local de origem do animal observado, alem de anotar dados como o nome comum, o nome cientifico, características morfológicas, hábitos alimentares e observações gerais. Este procedimento foi realizado a fim de que ficasse explícita a todos a finalidade da visita, que era justamente coletar dados para posterior discussão e análise em sala de aula sobre a distribuição geográfica de determinados grupos de animais e a sua correlação com o processo evolutivo.

A turma foi, portanto dividida em seis grupos de acordo com os grupos de animais a serem analisados:

·        Felinos

·        Aves corredoras

·        Ursos

·        Primatas

·        Aves aquáticas

·        Ungulados

Durante a visitação ao zoológico foi enfatizada a observação da abrangência de distribuição geográfica de cada grupo. Nesse sentido procurou-se recolher dados de animais de um mesmo grupo, mas que fossem típicos de regiões geográficas distintas.

Durante a aula de campo os alunos tiveram apoio de vários professores que estavam acompanhando, bem como de monitores da Universidade Federal de Goiás. A excursão foi orientada de acordo com um roteiro pré-estabelecido de forma que todos pudessem observar todos os animais em exposição no zoológico. Vale ressaltar que consta no acervo do Parque Zoológico de Goiânia apenas aves, quelônios, crocodilos, serpentes e mamíferos. No final foi feita uma visita ao museu e uma reunião para avaliação da excursão e o que seria proposto para trabalhar em sala de aula.

Nessa avaliação foram feitos questionamentos sobre vários pontos da atividade, no intuito de desenvolver uma observação crítica a respeito da função do zoológico, bem como sua estrutura e condições de conservação e tratamento dos animais, entre outros.

Em sala de aula foram organizados novamente os grupos, a fim de que eles observassem as fichas de coleta de dados, e, baseados nas características observadas e relatadas buscassem traçar uma arvore filogenética entre os animais observados dentro de cada grupo. Este trabalho foi realizado em sala de aula após explicitação do que é e qual a função de uma árvore filogenética ou cladograma, abrindo-se para a discussão do que seria um grupo monofilético, ou consangüíneo.

Na aula subseqüente, foi feita a análise da distribuição dos grupos estudados. O primeiro passo é pontuar as espécies estudadas nas áreas de sua procedência, num mapa.  Atentou-se para a congruência de distribuição dos grupos. As regiões situadas no hemisfério norte possuem faunas bastante parecidas entre si, assim com acontece com aquela distribuída  no hemisfério sul. No entanto há grandes diferenças entra as faunas dos dois hemisférios. Também parece haver maior diversidade na fauna do hemisfério sul. Dessa forma foi levantada as seguintes indagações: qual seria a origem da distribuição das espécies dos grupos analisados? Por quê parece haver uma maior diversidade no hemisfério sul, do que no norte?

 Para a resolução deste problema foi pedido que cada grupo discutisse entre si e chegasse a uma hipótese plausível que pudesse explicar a origem dessa diferença.

 Assim foi feito, e na terceira aula os alunos foram levados a analisar e, se necessário, corrigir tanto a arvore filogenética de outros grupos quanto discutir as hipóteses levantadas pelos outros colegas.

Toda essa primeira etapa se destinou a construção da idéia de que os continentes não estiveram sempre na posição que hoje se encontram, mas que já estiveram unidos num passado remoto e, que, devido a deriva continental, estes se afastaram até chegar na posição atual.

Na próxima etapa, de cada grupo de animais, foram selecionadas pelo professor três espécies, que foram novamente analisadas construindo nova filogenia, para apenas estes exemplares já observados no zoológico. Os grupos ficaram, portanto com os seguintes exemplares: 

 

1.      FELINOS: onça pintada, leão e tigre real de bengala

2.      AVES CORREDORAS: ema, avestruz e emu

3.      URSOS: urso preto, urso pardo e urso malaio

4.      PRIMATAS: chipanzé, macaco aranha e siamang

5.      AVES AQUATICAS: flamingo, ganso do Nilo e cisne negro.

6.      UNGULADOS: veado catingueiro, zebra e camelo.

A partir das árvores resultantes obtidas foram construídos cladogramas de grupos hipotetizando a relação histórica entre os grupos. Esses cladogramas, por sua vez foram convertidos em cladogramas de áreas pela simples substituição dos nomes dos animais nos cladogramas pelos nomes das áreas nas quais cada táxon ocorre, resultando nos cladogramas individuais de área.

Finalmente, foi promovida uma discussão orientada pelo professor de forma que ficasse consolidado de forma clara e objetiva que a Biogeografia é uma ciência que se preocupa com as questões relacionadas às origens da distribuição atual dos grupos e da biodiversidade. Essa distribuição dos organismos não foi e não é gerada ao acaso. Ela apresenta padrões que denunciam regras gerais, que, via de regra são determinadas pelo ambiente. O problema central da Biogeografia é saber por que as linhagens estão distribuídas onde estão hoje. Questão esta que permeou todo o trabalho realizado com os alunos ficando evidente a proposta investigativa do trabalho.

Os alunos puderam perceber que historicamente, apenas pode haver duas explicações: - ou as espécies evoluíram onde estão, ou evoluíram em um outro lugar e chegaram a estas áreas posteriormente (Nelson & Platnick 1981). No intuito de desvendar essas hipóteses e questionamentos soma-se as idéias da Biogeografia de Vicariância assumindo que existe uma correspondência entre o relacionamento das espécies e o relacionamento das áreas de distribuição das mesmas.

Tomemos como exemplo o grupo das aves corredoras. Ao se fazer uma análise, chegamos a uma filogenia e um cladograma de área como os das figuras 1 e 2. Esse processo fica melhor compreendido se analisarmos a filogenia e o cladograma simultaneamente com o auxilio de um mapa (fig. 3).

                                         Fig. 1: Filogenia simplificada

                                                    de aves corredoras.

 

 

 

                                   

 

 

                                 

                                   Fig. 2: Cladograma de área

                                              de aves corredoras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

             Fig. 3: Filogenia e cladograma de área de aves corredoras.

Dessa forma, os alunos puderam compreender a correlação existente entre o processo evolutivo dos grupos analisados e a separação dos continentes. A relação entre especiação e o surgimento de barreiras ficou evidente, sedimentando-se de  maneira concreta, dinâmica e participativa – terra e vida evoluem juntos.

 

 RESULTADOS:

 Como resultados deste trabalho foram montados painéis com os cladogramas filogenéticos, retratando a história evolutiva do grupo e cladogramas de área, expostos no mural do colégio, bem como um relatório de todo processo descrito para a realização deste projeto.

Dessa forma, os alunos puderam desenvolver várias habilidades importantes no processo de aprendizagem, utilizando-se de um conteúdo corriqueiro, mas abordado de forma inovadora e criativa, proporcionando a construção do conhecimento cientifico.

 DISCUSSÃO:

A realização deste projeto se mostrou próspera no sentido em que proporcionou a utilização de um procedimento de ensino não muito usual, como é o caso das aulas de campo, que exigem um planejamento e organização prévia bem como seleção de material e preparo dos alunos.

Estes se mostraram motivados a participar do projeto, não apenas como participantes, mas, como protagonistas de uma ação pedagógica, uma vez que foi proposto algo de inovador com relação as aulas expositivas de todo o sempre.

Por outro lado, no que diz respeito aos conteúdos abordados – evolução e biogeografia – os alunos tiveram uma certa dificuldade de compreender alguns conceitos e relutaram em conceber algumas hipóteses, visto que devido o método tradicional de ensino ao qual eles passivamente ainda estão atrelados consolidaram vícios conceituais fixistas da classificação lineana. Isto estimulou e enriqueceu o debate. O resultado foi a percepção da Biodiversidade como conseqüência de um processo dinâmico de transformação dos seres vivos no geral e dos animais especificamente, no caso deste projeto.

Faz-se necessário ensinar a partir de alguns pontos básicos: dando condições, criando situações e oferecendo oportunidades ao aluno para se desenvolver e ampliar suas capacidades de produzir o conhecimento; além de procurar eliminar as práticas de obrigatoriedade, onde o aluno é levado a ‘aprender’ um tipo de ‘ciência’, sem saber o porquê e qual a utilidade para o seu cotidiano.

Na observação de cunho educacional, realizada pelo professor junto com os alunos, o importante é colocá-los em contato direto com a natureza, observando, manipulando, controlando, conhecendo e entendendo os mecanismos de funcionamento e ação da natureza e sendo capazes de compreender os resultados dessas manifestações nas suas vidas.

Tirar as aulas de Ciências da sala-de-aula e levar para a vida prática do aluno, onde possa experimentar, ver, tocar, ouvir, cheirar, provar, estimula e complementa o aprendizado em sala de aula e contribui para a formação e entendimento do conhecimento científico.

CONCLUSÃO:

A utilização do Parque Zoológico de Goiânia como instrumento e espaço para o desenvolvimento da aprendizagem significativa envolvendo o aluno no processo de construção de conhecimentos e conceitos referentes à Biogeografia, e conseqüentemente evidenciando o processo evolutivo dos seres vivos foi executado com sucesso uma vez que os alunos puderam construir, a partir de uma contextualização, conhecimentos científicos desenvolvendo capacidades de observação, elaboração de hipóteses, e argumentação crítica sobre a teoria em questão.

 

SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS:

            Goiânia oferece muitos espaços onde a questão da biodiversidade pode ser trabalhada. O museu Ornitológico, parques, áreas verdes, jardins, são alguns exemplos. Muitos dos temas em biologia podem ser trabalhados  nesses espaços. É importante estudar o potencial educativo destes logradouros.

            Os Métodos da análise filogenética envolvem princípios e técnicas, como é o caso da Teoria Intuitiva dos Conjuntos, que favorecem programas interativos de aprendizagem. Isto merece ser melhor avaliado, principalmente no que diz respeito a construção e estruturação de jogos pedagógicos no intuito de relacionar este teoria dos conjuntos com a classificação zoológica.

            A biogeografia permite trabalhar a vida no espaço. Estudos envolvendo biologia e geografia podem ser bastante interessantes constituindo-se em um outro tópico a ser explorado.

            Outra questão importante seria a produção de livros textos que enfoquem a nova sistemática biológica. Além de livros de apoio, envolvendo atividades de campo – ou excursões – dentro de um contexto investigativo é indispensável.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOUSQUETS, J. L. Historia de la Biogeografía: Centros de Origen y Vicarianza. México. 1991. 90p.

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