A PRODUÇÃO DA EXCLUSÃO DURANTE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO: CONFLITOS E CONTRADIÇÕES NO ATO EDUCATIVO

Universidade Católica de Goiás - UCG, Programa de Mestrado em Psicologia. Grupo de Pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento

Autoras: Psi. Ádria Assunção Santos de Paula*; Psi. Mercedes Villa Cupolillo**

*Docente da Faculdade Araguaia; Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento na UCG, Especialista em Psicanálise pela PUC-SP. CPF 409187931-49. E-mail  adriapsi_4@hotmail.com

**Prof. ª Drª em Psicologia de Desenvolvimento pela Dundee University, Escócia; Orientadora e Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UCG. CPF 466382887-68. E-mail vernisage@zipmail.com.br

 

A presente pesquisa, cujo tema é “Escolarização precoce e Subjetividade” foi  realizada em uma escola de ensino fundamental da rede particular de Goiânia, em uma sala de aula da educação infantil que atendia, pela primeira vez, crianças de dois anos e meio a três anos e meio de idade. Possui três eixos de análise construídos a partir do trabalho de campo, os quais se relacionam à interação entre as crianças e entre crianças e professoras, às idéias que as professoras têm a respeito dos objetivos da educação infantil e sobre desenvolvimento, além de investigar as expectativas dos pais a respeito do processo de escolarização de seus filhos. Estes três eixos se articulam de modo a propiciar o acesso à subjetividade das crianças e compreender como se produz o processo de exclusão a partir da escolarização precoce.

A pesquisa de campo foi realizada de acordo com o método construtivo-interpretativo de González Rey (2002) e a metodologia utilizada foi composta por entrevistas com as professoras, pais de alunos e com a diretora pedagógica (áudio entrevistas), além da realização de filmagens de atividades cotidianas sendo que algumas eram, posteriormente, mostradas às professoras (vídeo entrevistas) para que elas dessem sentido ao que era mostrado na fita.

Foi realizada, também, uma atividade dirigida com cinco crianças escolhidas como sujeitos da pesquisa, a fim de buscar alcançar o sentido que atribuíam às atividades escolares e, posteriormente, construir os indicadores que irão possibilitar a compreensão do fenômeno pesquisado e a construção teórica subsequente baseada na teoria Histórico-Cultural de Vygotsky e colaboradores.

Neste trabalho, enfocaremos o eixo de análise referente às idéias das professoras em relação aos objetivos da educação infantil e sobre desenvolvimento, ou seja, discutiremos alguns dos indicadores construídos acerca da ação educativa das professoras em interação com as crianças. Abordaremos nesse trabalho a importância da relação professora-alunos compreendendo que o papel das professoras é o de possibilitar o desenvolvimento integral das crianças.

A interação que acontece no ambiente escolar é constituinte da subjetividade das pessoas envolvidas, portanto, buscaremos desvelar como acontece o desenvolvimento das crianças nesse espaço, a partir das atividades propostas, do modo como são encaminhadas mediante a idéia que as professoras têm de aluno, de desenvolvimento, de aprendizagem e dos objetivos que a escola deve alcançar nessa etapa da escolarização. É importante lembrar que buscamos acessar a subjetividade dos sujeitos envolvidos a partir das suas expressões, das variadas formas de comunicação e da contradição existente entre o discurso e a ação dos sujeitos da pesquisa.

A necessidade de se compreender como acontece a inserção das crianças pequenas no ambiente escolar surgiu a partir de uma nova realidade educacional proposta pela Lei 9.394/96, no que se refere à educação infantil.

Diante dessa nova realidade educacional, torna-se importante conhecer como acontece o desenvolvimento das crianças pequenas no contexto da escolarização formal.

Compreendemos a aprendizagem como um processo de produção de sentido. Desenvolver é gerar novos sentidos a partir da interação com o outro social e o ambiente socialmente estruturado.  Quando falamos em sentido, compreendemos que sentido e significado são construções distintas. O significado está relacionado a uma construção do grupo social enquanto que o sentido é o resultado do confronto entre o significado social e as vivências do sujeito coloridas pela emoção. Sentido e significado compõem a subjetividade e podem acontecer de forma contraditória, assim como são contraditórios muitos afetos gerados na relação com os outros.

É um processo dialético, uma vez que acontece a partir do confronto entre aspectos subjetivos do sujeito e o grupo social, quando o sujeito constitui o social e é constituído por ele. Assim, mudanças na subjetividade do sujeito se articulam com aspectos da subjetividade do grupo social e vice-versa.

 

    Construção de indicadores

Em entrevistas com a professora regente da turma, foi possível apreender as idéias que possui a respeito de como deve ser o trabalho na educação infantil, como podemos observar nos trechos que se seguem os quais, dentre outros, deram origem à construção dos indicadores discutidos no trabalho.

 

O discurso das professoras a respeito dos objetivos que devem orientar o trabalho na turma de Infantil 1 contraditório a prática cotidiana.

 

... O grande objetivo é, primeiramente, a socialização, porque essa criança tá chegando na escola pela primeira vez e ela vai ter que ser introduzida, né, vai ser o segundo grupo social da vida dela, então ela vai trabalhar várias dinâmicas que vão ajudar na socialização, até de dividir brinquedo, de reconhecer nome de pai, de reconhecer nome de colegas, toda essa socialização e os (pausa) e a segunda, o segundo grande objetivo é a linguagem, a linguagem em todos os aspectos, né..

 

Na fala da professora aparecem incoerências entre os objetivos propostos e alguns dos meios utilizados para alcançá-lo quando ela diz que o principal deles é a socialização e, logo em seguida, menciona o reconhecimento de nomes (atividade de leitura) como uma estratégia que propiciaria o desenvolvimento dessa socialização.

As atividades de leitura podem mesmo propiciar a socialização de crianças maiores dependendo do encaminhamento dado pela professora, mas, em uma turma de crianças de dois anos e meio, três anos, uma atividade como essa pode indicar uma antecipação de conteúdos característicos de etapas posteriores da escolarização. Apesar da incoerência discutida no parágrafo anterior, outro recorte da fala de Sara mostra que ela procura possibilitar a socialização de algumas maneiras mais coerentes, levando-nos a perceber a contradição presente em sua ação cotidiana.

Sabemos que a escola é a instituição que tem a função social de transmitir, de forma sistemática, os saberes construídos historicamente por um grupo social, as regras, os valores, o modo de ser, pensar, agir e se expressar. Neste contexto, é possível perceber na fala de Sara indicadores de que ela procura ensinar às crianças algumas regras importantes de convivência e relacionamento.

Quando a professora ensina e possibilita a vivência constante dessa regra, ela está possibilitando às crianças a reconstrução interna de uma regra social de convivência e cumprindo o papel socializador da escola. Ao dizer às crianças que elas têm o direito de falar, mas precisam ouvir, ela age como mediadora entre as crianças e as regras de convivência de nossa cultura, cumprindo um dos papéis da escola neste período da escolarização.

 

A identidade da professora da educação infantil: o conflito entre o cuidar e o educar.

... tem a professora Sara, tem a Carla, tem a Ana (professoras auxiliares) que vão te acolher”, que não fala acolher, mas, ‘que vão cuidar de você como se fosse (ela hesitou) nós’, entendeu?... “

...então a mediação do professor é importante nesse aspecto pra ele ajudar a construir, é lógico que ele vai ter ( pausa)  né, a autonomia dele, de tá criando e tudo mais, mais ser conduzido por (pausa) por uma pessoa que sabe fazer, né? O Vygotsky falava isso, né, ‘faço e ensino fazer’, pra ter outras possibilidades depois, né, da criança construir...

 

O discurso de Sara nos remete ao conflito que existe entre os objetivos da educação infantil e dos papéis desempenhados pelas professoras, conflito esse gerado a partir do binômio cuidar-ensinar, que provoca insegurança em Sara quanto aos reais objetivos dessa etapa da escolarização. A insegurança de Sara quanto aos objetivos desta turma demonstram o que acontece nesta etapa da educação infantil, já que é uma realidade nova para a própria escola ter estas crianças inseridas em seu grupo discente, portanto, há que se construir uma prática coerente com os objetivos propostos pela lei, distintos daqueles já estabelecidos para as outras etapas da escolarização.

No discurso, a criança singular, na prática, a busca da padronização.

 

... é claro que a gente não consegue conduzir é ( pausa) cem por cento com todas as crianças porque elas não são iguais (pausa)e a gente tem que respeitar essa singularidade...

... a princípio, a gente quer é (pausa) assim (pausa) deseja que a criança consiga participar sim, acho que todo professor , né...

 

Outro indicador importante a respeito da contradição entre o discurso e a prática se refere ao conceito de Sara sobre como é a criança com quem trabalha e os encaminhamentos das atividades que ela desenvolve cotidianamente. Essa contradição aparece no trecho destacado no início desta discussão, quando percebemos que ela reconhece que as crianças têm características diferentes, ritmos, interesses e necessidades distintas umas das outras, porém, em outro momento da entrevista ela ressalta que gostaria que todas as crianças participassem de todas as atividades ao mesmo tempo, apesar de reconhecer que elas são diferentes.

O reconhecimento em nível teórico não impede que ela deseje, na prática, que todas se interessem pelas atividades com a mesma intensidade e ao mesmo tempo. Na relação de Sara com as crianças prevalece a idéia de normatização e homogeneidade, como acontece com a escola enquanto instituição de uma maneira geral.

 

O desenvolvimento compreendido como resposta às expectativas das professoras, apropriação de conteúdos acadêmicos e não como mudança qualitativa na relação da criança com o ambiente e com o outro.

 

...eles já conseguem escrever, muitos já conseguem escrever, com auxílio, lógico da (pausa) tarjeta, que tem algum, dois ou três que consegue escrever  sem tarjeta , a Iane, Isabela, Carlos Alberto\...

 

Nesse momento da discussão, acreditamos que está se delineando a concepção de desenvolvimento de Sara. Quando ela diz, em um trecho descrito anteriormente, que algumas crianças já sabem escrever o nome, que elas aprendem brincando, ela demonstra que, se a criança corresponde aos objetivos definidos por ela de forma positiva, então aconteceu aprendizagem, desenvolvimento.

Essa não é uma concepção global, holística, de desenvolvimento como aquela postulada por Vygotsky, mas baseada na idéia de compartimentalização do ser humano, ou seja, na compreensão de que o sujeito é composto por aspectos independentes como o físico e o emocional, o individual e o social, o afetivo e o cognitivo.

As atividades, do modo como são organizadas por Sara, enfatizam determinados aspectos em separado, como quando ela diz que tira um tempo só para trabalhar a psicomotricidade, através do circuito.

A análise do material e a construção de indicadores ainda está em andamento. Os indicadores descritos acima serão expostos, de forma detalhada, durante a apresentação do painel.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

González Rey, Fernando. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. 1.ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002



\ Nomes fictícios.

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